Tuco (Wilmar Amaral) e Sebastian (Roberto Frota) em "O Acompanhamento", texto do argentino Carlos Gorostiza, dirigido por Daniel Archangelo. (Foto Luiz Luz). |
IDA
VICENZIA
(da
Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)
Dois atores carismáticos e talentosos
(Wilmar Amaral e Roberto Frota), um teatro simpático e acolhedor (Eva Herz), uma
boa direção de Daniel Archangelo, e a emoção que nos traz o texto do argentino Carlos Gorostiza. "O Acompanhamento"
nos remete a um tempo em que o teatro era um lugar para falar de amizade, de
amor, de loucura, com simplicidade e entrega. Talvez os diálogos retornem com
demasiada freqüência, mas é assim que as coisas profundas afloram. É a
reiteração dos sentimentos. É teatro. Eis que estamos de volta a "duas
tábuas e uma paixão".
O texto apresenta tal humanidade, que
somos transportados para aqueles tempos
onde a amizade florescia, acompanhada por músicas boemias. O metalúrgico Tuco
(Wilmar Amaral) quer se aposentar e realizar o seu sonho de ser cantor. Para tanto,
isola-se em um galpão, aguardando a chegada do "acompanhamento" que
irá segui-lo, em sua estréia. Tuco quer, naquele esconderijo, fugir da animosidade
da família que não aceita a sua decisão. Tuco traz consigo a criança que nunca
o abandonou. Seu amigo Sebastian, afetuoso e durão (Roberto Frota), quer trazer
de volta para a vida o operário, acha-se no dever de arrancar-lhe "o sonho".
"O Acompanhamento" é uma peça
sobre o sonho do homem, e sua realização: seja na arte, seja na vida. Talento,
essa é a principal construção do espetáculo de Gorostiza, um texto dedicado à
liberdade de viver; uma grande oportunidade para os atores mostrarem o seu
talento. Entramos, neste texto, em contato com algo simples, porém essencial: o
homem e sua liberdade para seguir a sua vida. Coisa antiga, mas em boa relembrada.
O contexto em que foi criada (repressão
militar na Argentina, e suas metáforas), é coisa do passado, agora estamos
diante de um espetáculo que celebra a vida. E a cenografia de Carlos Augusto
Campos fala sobre isso, proporcionando um espaço cuja leveza dá suporte à
fantasia do homem. Alguns pneus servindo de bancos, uma porta com cadeado para
proteger Tuco do mundo lá fora, alguns objetos de cena. É a casa de um homem
acuado. Já no início do espetáculo, quando vemos aquele senhor solitário, de
pijamas, reproduzindo, com um entusiasmo pueril, as canções de nosso seresteiro
Silvio Caldas, percebemos a importância do jogo cenográfico para sustentar a
cena. Há praticáveis que criam a ilusão de algo maior invadindo a cena, um
palco dentro do palco, iluminando o irreal (não é a toa que "Chão de
Estrelas" é uma das músicas preferidas de Tuco). O teatro Eva Herz possui
um aporte invejável de spots, de efeitos surpreendentes, porém pouco
utilizados. A iluminação do diretor Daniel Archangelo possui um desenho discreto. Tal opção o salvou da irresistível
tentação de encher o palco de luzinhas... indicando estrelas, na cena em que
Tuco canta o grande sucesso de Silvio Caldas.
O "palco iluminado" e a
dramática ênfase dada pelo "cantor" nos levam a uma personalidade em
crise, estabelecendo contraste com a calma determinação do amigo, e essa
diferença é cruel. Existe, no texto, um embate entre loucura e sanidade, algo
estimulante e dolorido, que a direção de Daniel Archangelo enfatiza, destacando
o essencial do texto: a tortura da vocação artística e, em contraste, a calma
(conformada) do homem sem ambição. Entretanto, há momentos em que nos parece
ver fantasmas em cena.
O amigo, interpretado por Roberto Frota, mantém
os pés no chão, não sonha, e quer trazer Tuco à realidade de seu cotidiano. E
de tal maneira ele se empenha, que acaba tirando a fantasia do cantor, fazendo-a
entrar na mais profunda depressão. O belo deste espetáculo são as trocas de sentimento
e a compreensão dos dois amigos. O final da peça nos apresenta o renascimento
do homem: a solidariedade. Uma cena linda, onde se estabelece a compreensão do
amigo, e seu reconhecimento da fragilidade de Tuco. Amaral e Frota realizam a
cena com simpatia e sensibilidade.
Os momentos acima citados colaboram para o
caráter amargo-otimista do espetáculo. "O Acompanhamento", do
argentino Carlos Gorostiza vale por isso, e muito mais. E não é sem razão terem
os dramaturgos do Plata, "los porteños", a reputação de ser um dos maiores
criadores de teatro da nossa America. O fato é que o grotesco e o sublime andam
de mãos dadas, nesta peça.
Com tradução e adaptação de Wilmar Amaral
e Daniel Archangelo, algumas modificações foram concebidas no texto, para
facilitar a compreensão do público e tornar o espetáculo mais próximo a ele:
como a preferência das canções de Silvio Caldas ao tango de Carlos Gardel (a
preferência por este cantor é encontrada no original de Gorostiza). Os
figurinos de Ricardo Rocha representam o cotidiano da vida dos dois amigos,
neste espetáculo que se quer contemporâneo.
E, como sempre, há o mistério da reação do
público. No caso de "O Acompanhamento", pessoas na platéia procuram identificação
com os personagens. Um jogo aristotélico? Não é bem isso o que o tema propõe.
Há, permeando o encontro dos dois amigos, algo muito mais inquietante do que um
sonho a ser esquecido.
"O
ACOMPANHANTE" É UMA BOA OPORTUNIDADE DE ASSISTIR TEATRO. O ATOR E O JOGO.
SEM ARTIFICIOS.
Nenhum comentário:
Postar um comentário