Nosso biografado em momento de "A Voz do Provocador" - uma apresentação teatral. |
IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)
ANTONIO ABUJAMRA - UMA BIOGRAFIA - "CALENDÁRIO DE PEDRA"
Eis a continuação da INTRODUÇÃO do livro sobre
Abujamra. Esta Biografia está prevista para ir para as livrarias até o final de 2016 - se Zeus ajudar!
A FAMÍLIA DE ANTONIO ABUJAMRA
EM
DAMASCO
A Capital da Síria, Damasco, era um lugar
aprazível de se viver. A vida era algo possível. Ao menos é o que nos contam os
relatos antigos sobre o fausto cultural das civilizações refinadas do Oriente.
Depois, o caos. Síria e Líbano, o "corredor da Europa", local de
assassinatos, traições e lutas sangrentas, desde o século XI, com a chegada dos
Cruzados! Muitos séculos se passaram, e no século XX a situação se agravou, em
razão das guerras ocidentais, capitalistas. Os antepassados de Antonio Abujamra
tiveram que fugir do caos de sua terra natal. Nada mais triste do que um exílio:
adaptação, língua diferente, outros costumes, ressentimentos... Difícil fugir
do ressentimento. Porém os Abujamra se adaptaram à nova vida, e criaram
artistas. Justificados: o Oriente é uma terra de poetas. Houve, no clã dos
Abujamra, uma fantástica adaptação.
Essa mistura de política, paixão e humor
que é Antonio Abujamra, tem um passado de raízes ecléticas (e divertidas), que
nasceram entre Damasco e Beirute. Basta lembrar-nos do Sr. Abrahão Abu-Jamra,
tradutor para o português do verbete da Enciclopédia Árabe de Butros Bustani, (1882),
sobre a família Abu-Jamra (no início seu nome era assim mesmo, com hífen). Essa
família viveu no Oriente Médio desde os anos 700 da era cristã. Eram homens de
letras, poetas, jornalistas. Um deles fundou um jornal, o "Al Afkar",
em Damasco. Ele se chamava Said Abu-Jamra, e hoje é nome de rua em Beirute. Abu
(como os amigos chamam o nosso biografado), é de ascendência sírio-libanesa. O
pai, Iskander Abu-Jamra, é descendente de sírios e a mãe, Nazira, é libanesa. Essa
união resultou em um dos homens mais inteligentes de sua geração: Antonio Abujamra.
Mas agora estamos falando sobre o Sr.
Abrahão Abu-Jamra. Este personagem, encenado, daria um grande desempenho. Acontece
que ele não é um personagem. Ele existiu realmente, como também existiu a
"Gentil Amélia" que, na verdade, era a sua prima Amélia Abu-Jamra. Os
dois "personagens" protagonizaram um espetáculo que, se jogado à cena
por Antonio Abujamra, com certeza esclareceria muita coisa a respeito da
"alma oriental" deste diretor. Amélia era casada com o Sr Maron. Seu
nome de casada era, portanto, Amélia Abu-Jamra Maron. Porém, para o Sr. Abrahão,
a "Gentil Amélia" era somente "a maior usurpadora de direitos autorais
de todos os tempos".
A história começou no Brasil, em 1975, quando
a "Gentil Amélia" resolveu distribuir a tradução feita pelo Sr.
Abrahão, de um verbete do Dicionario de Butros Bustani, sobre a família Abu-Jamra.
A família inteira recebeu o verbete como se fosse parte da biografia do Sr.
Nasser Abu-Jamra - o pai de Abrahão. Na dedicatória D. Amélia não citou o nome
dos tradutores! O Sr. Abrahão era um dos tradutores e, para ele, era como se D.
Amélia houvesse lhe usurpado os direitos! O Sr. Abrahão ficou, com toda razão,
indignado. E mais ainda quando a situação chegou ao absurdo de uma cópia de seu
próprio trabalho ter-lhe chegado às mãos com a seguinte dedicatória: "Com a gentileza de Amélia
Abu-Jamra Maron e Emílio Maron".
E, como o nome dos (dois) tradutores não
fosse citado, dava a impressão (para ele) de que o casal tivesse feito a
tradução! Os próprios membros da família Abu-Jamra, quando recebiam o verbete,
acreditavam que a tradução da obra fosse de Amélia e Emilio Maron.
Diplomaticamente, o Sr. Abrahão conseguiu neutralizar a "vaidade" da
"Gentil Amelia" que, ao ser questionada pelo verdadeiro autor,
tornara-se ambígua, não esclarecendo devidamente a questão. O que para a "Gentil
Amelia" era um caso absurdo, pois estava somente sendo gentil, para o Sr.
Abrahão tornara-se complicado.
Na realidade, o tal verbete do Dicionario fora
traduzido do árabe pelo Sr. Nasser Abu-Jamra, pai do Sr. Abrahão e um dos mais
ilustres antepassados da família. Pai e filho fizeram juntos a famosa tradução.
O Sr. Abrahão contava 16 anos, na ocasião, e pouco conhecia de sua língua
ancestral. Aprendera a dominar o árabe com seu pai.
Ora, a questão acabou sendo resolvida à
maneira do Sr. Abrahão. Ou seja, o filho do Sr. Nasser Abu-Jamra recuperou os
direitos de seu trabalho com a maior dignidade. Seus movimentos para bloquear a
"vaidade" da "Gentil Amélia" eram bem-humorados, e tal
humor fazia parte de seu caráter. O Sr. Abrahão passou a acrescentar, muito
diplomaticamente, à dedicatoria da "Gentil Amélia", a seguinte
explicação: "Vocês não teriam
acesso à raiz de nossa família se não tivessem por parentes o que vos dirige a
palavra, e seu virtuoso e sábio pai, Sr. Nasser Abujamra, autores da tradução
de Butros Bustani".
Com este episodio queremos localizar o
"saber fazer" de Antonio Abujamra e revelar que este saber possui
raízes profundas. O diretor sabe contornar um mal entendido como um verdadeiro
"sultão", ou seja, como uma pessoa que detém a autoridade. E isto
Antonio Abujamra traz no sangue. Sua atividade como diretor, e outras
atividades a que se dedica, bem o comprovam. Ele é o herdeiro, por excelência,
da verdadeira sabedoria oriental.
(Nota: Boutros al-Boustani (1819-1883), escritor e acadêmico libanês da "Renascença", segundo os ingleses, Árabe Otomana. Sentimos muito não ter acesso ao Dicionário por ele organizado já no final de sua vida, (1882), e ao famoso verbete do Dicionario de Butros Bustani, acima referido).
FOTO DE DAMASCO
ANTIGA
EM DAMASCO
"Damasco é uma das mais belas cidades
do mundo, que não sei e não posso abandonar. Velha e soberba capital do
califado omíada, cujas fronteiras se estendiam do Afganistão à Península
Ibérica. Promotora de um convívio admirável entre culturas e religiões
diversas, Damasco era conhecida como "a cidade do amor" na alta e
refinada tradição da poesia árabe.
"Hoje infelizmente Damasco assume
feições contraditórias e monstruosas, cidade vítima do ódio que se espalhou
pela Síria. (...) Guerra civil aberta ao mundo, num grande tabuleiro, cujas
partes envolvidas já não se limitam ao desenho de um país autônomo, mas a um
cabo de forças de interesse incontornáveis entre a Otan e a Rússia, a Arábia
Saudita e o Irã, Israel e Hezbolá. (...) genocídio que completou dois anos, com
um saldo aproximativo de setenta mil mortos, até a presente data. (...) Leio
com raiva e absurda esperança alguns versos do jovem poeta sírio, Golan Haji:
"Os mortos estão sendo enterrados,
mas como enterrar o
sofrimento?
Estou só, como a nossa
mãe,
só como esta árvore.
Um pássaro que acaba de
morrer.
Quebrou-se a casa dos
gritos.
Um diamante rompe o vidro
sujo
do mundo".
(poesia
Golan Haji)
(da Crônica de Marco
Lucchesi, O Globo, 2014).
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