Última foto de Antonio Abujamra com a sua biógrafa Ida Vicenzia. (Arquivo TV Cultura) |
IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro -
AICT)
(Especial)
(Eis o trecho final da apresentação de "Antonio
Abujamra - Uma Biografia")
OS
POETAS ORIENTAIS
A CASA DE HÓSPEDES
Toda manhã uma nova chegada/A alegria, a depressão,
a falta de sentido, como/ visitantes inesperados Receba e entretenha a todos/
Mesmo que seja uma multidão de dores/ Que violentamente varre sua casa e tira
seus móveis/ Ainda assim trate seus hóspedes honradamente/. Eles podem estar te
limpando/ para um novo prazer./ O pensamento escuro, a vergonha, a malicia,/ encontre-os
à porta rindo,/ Agradeça quem vem,/ porque cada um foi enviado/ como um guardião
do além//.
Muhmmad Rumi
poeta
persa/iraniano
Obra: Masnavi
séc. XIII)
O que tem este poeta persa a ver com
Antonio Abujamra? Tudo. Todos os (bons) poetas deságuam em Abujamra. É preciso
dizer que ele não escreve, mas vive a poesia. Essa Casa de Hóspedes pode ser
a sua casa "interior". Quem o observa vê nele uma simbiose entre o
"acolhedor", o "indiferente" e o "sensual". Pura
proteção, para disfarçar tanta ternura.
Essa coabitação o ajuda a enfrentar o seu
"Calendário de Pedra". Não tentem compreender o momento em que este
"calendário" se estabelece. Ele é, "desde sempre", e a luta
de Antonio contra os "invasores" da casa de hóspedes faz a sua
História. Abujamra parece ser contra tudo o que acontece entre os humanos.
Ceticismo? Sim, e realismo. Mas, apesar de cético, ele acredita em mudanças.
Não fosse assim, não distribuiria para os amigos a carta escrita por
"Tchê" Guevara para os filhos, carta essa que poderia ser endereçada
a seus próprios filhos, Alexandre e André:
"Hasta
la vitoria, sienpre!"
"A meus filhos... Seu
pai tem sido um homem que atua como pensa, tem sido leal as suas convicções.
Cresçam como bons revolucionários. Estudem muito para que possam dominar a
técnica que permite dominar a natureza. (...) Que vocês sejam capazes de sentir
como se fosse com vocês qualquer injustiça que seja feita com qualquer ser
humano em qualquer parte do planeta (...) o verdadeiro revolucionário é guiado
por grandes sentimentos de generosidade; é impossível imaginar um
revolucionário autentico sem esta qualidade (...) vale milhões de vezes mais
uma vida de um único ser humano do que todas as propriedades do homem mais rico
da terra. Hasta sienpre, hijos, espero vê-los ainda. Um beijo enorme e um
grande abraço do Papai" (Carta
escrita em abril de 1965, antes da partida de Guevara para o Gongo)
FOTO
GUEVARA COM A FAMÍLIA
A determinação de Tchê Guevara é a de um
guerreiro; a de Antonio Abujamra é afirmada pelo sonho do artista. Há,
entretanto, entre os dois românticos uma historia comum a ser contada: enquanto
Guevara preocupa-se com o abandono dos povos, Abujamra observa o sonho
despedaçado dos povos. "A Síria, com sua capital Damasco, era um lugar
aprazível de se viver, possuía beleza e civilização refinada...".
Comecemos lá atrás, com a chegada dos Cruzados europeus no século XI. Agora
estamos no Séc. XXI e vivemos os problemas de um projeto que ainda pode dar
certo. E fica a pergunta: é o homem um projeto viável?
DAMASCO
OS CRUZADOS E A "CAÇA AOS MOUROS"
Comecemos
pelo francês, Jean de Joinville, o "Senescal", e sua inspiradora narrativa de uma batalha
entre mouros e cristãos. Eis um espetáculo teatral: "as armas do sultão
(Saladino) eram todas de ouro, e quando o sol batia nelas, resplandeciam
esplendidamente. A algazarra que esse exército fazia com seus timbales e
trompas sarracenas era aterrorizante de ouvir". (Historia de São Luiz, 1309). Cabe-nos a ironia de reafirmar que quem
"inventou" este São Luis foi a Igreja Católica, pelo Papa Bonifácio
VIII, em 1297, alguns anos depois da morte do cada vez mais belicoso Rei. Quanto
ao sultão Saladino, o diplomata, era amigo do intelectual
imperador alemão Frederico (o tal que caiu na água com ferradura (desculpe,
armadura) e tudo, morrendo afogado). Pois "diz aHistória", Saladino
e Frederico tinham mútua admiração. O imperador alemão mostrava-se cada vez
mais cético em relação a essa guerrinha de bufões das Cruzadas, o mesmo
acontecendo com Saladino. Esse passado enlouquecido forjou
ficcionistas, e também grandes artistas. As formações épicas do teatro de Abujamra
estavam esperando o momento oportuno para surgir, à semelhança dos
arrebatadores espetáculos que o Islã proporcionava aos Cruzados.
O sultão Saladino ficou na História como
um diplomata, e os manuscritos dos muçulmanos (não esqueçam que eles inventaram
a escrita) falam sobre a VIIª Cruzada do Rei Luiz IX "para conquistar
Jerusalém e exterminar os mouros". Os católicos praticam estas
barbaridades desde sempre, ou seja, depois de Cristo (d.C.).
FOTO
DE SALADINO
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