"Volúpia da Cegueira", Texto, Daniel Porto, direção, Alexandre Lino. Em cena: Moira Braga e Aléssio Abdon: "Luxuria". (Foto Janderson Pires) |
IDA VICENZIA
(da Associação
Internacional de Críticos de Teatro – AICT)
(Especial)
“VOLÚPIA
DA CEGUEIRA”
Enquanto não falamos sobre esse
acontecimento não podemos ficar tranquilos. Não é todo dia que temos a
oportunidade de assistir pessoas cegas interpretando pessoas cegas. No último
domingo, dia 8 de maio, no Rio de Janeiro, no Teatro Maria Clara Machado, vivemos
a “potencialidade” dessa experiência, através do espetáculo “Volúpia da
Cegueira”, autoria de Daniel Porto, pesquisa e direção de Alexandre Lino. Dessa
vez fomos convidados a viver a experiência da cegueira em sua profundidade
física. As cenas, divididas em episódios, nos dão a “Tortura no breu” - sadismo;
“Etapas da Vida” – gravidez; “O Fotógrafo Cego”, entre muitas outras cenas. E, para
nossa surpresa, antes do espetáculo o diretor brinda seu público com um tapa
olhos, para que ele compreenda a vivência dos cegos, tornando-se um deles.
Para quem não colocou a “venda preta”, o
espetáculo também se inicia no “breu”, pois assim encontramos o espaço cênico,
envolvido no escuro mundo dos cegos. Fica-nos o desafio de distinguir, quando as
luzes se acendem, qual dos atores possui, ou não, a visão perfeita: esse é um
difícil perceber.
Há quatro atores em cena: Moira Braga, Aléssio Abdon, Felipe Rodrigues e
Max Oliveira. Eles se movimentam sem parar, tropeçando em objetos, caindo,
levantando-se, em uma coreografia louca, orientada nos ensaios por Paula
Feitosa e Moira Braga. As surpresas não cessam. Começamos pelo cenário. Karlla
de Lucca, a cenógrafa, imaginou um espaço delimitado por taxas colocadas no
chão, desenhando o que (supomos) daria apoio aos atores cegos. Puro
preconceito. Os cegos, assim como os dotados de visão, possuem tal destreza que
nada os impede de criar a sensação do “caos”. No cenário de Karlla há um
complicador: uma banheira e uma mesa são colocados no “espaço cênico”. Na mesa,
duas taças de vinho onde tremulam pequenas doses de vinho tinto. Está feita a
referência ao que vamos assistir. Tudo bem, os atores irão corresponder ao
solicitado, pois foram bem treinados pelo diretor e pela preparadora corporal Paula Feitosa,
que também lhes dá apoio vocal.
Depois de algumas pesquisas e lembranças
pessoais, Alexandre Lino (ator conhecido), criou um
roteiro e, inspirando-se na obra de Glauco Mattoso - o poeta cego – convidou o autor
Daniel Porto para desenvolver a dramaturgia. Depois de muito trabalho conjunto
o espetáculo foi montado, e podemos dizer que o resultado é algo impactante. O
primeiro impacto acontece quando percebemos que Max Oliveira, o ator que
representa com os olhos fechados, não é cego. Aliás, não percebemos. Ele faz das
mãos os seus olhos. O trabalho de Max é perfeito. Alexandre Lino revelou-se um diretor seguro.
Outra surpresa se estabelece quando percebemos
que o ator Alessio Abdon não possui visão. Aliás, também não percebemos, pois ele
possui uma “visão livre”, de quem domina “o mundo dos cinco sentidos”. Esse jogo do inesperado é fascinante, mas não nos
desvia do foco essencial: o da cegueira e a emoção sexual. Fortes, belas, e às
vezes deprimentes, são as cenas da sexualidade.
Os quatro atores, excelentes, nos levam,
mais uma vez, à conclusão: o talento é um mistério. Felipe Rodrigues, o ator
adolescente e cego, diz suas falas como se ator experiente fosse. Sua cegueira
é visível. Orientado, canta e diz suas falas com desenvoltura. Declara em cena:
“sexo não representa nada para mim. O que gosto é de ler”. E aí nos lembramos
do “alfabeto Braile”. Quem fala é o seu “personagem-ator”, transmitindo a
verdade de Felipe. Encerramos essas observações sobre o elenco citando o
trabalho de Moira Braga, uma atriz no domínio de sua expressão, quando solicitada
a dar vida à cega, ou, em cena impactante, quando interpreta a mulher à procura
de emoções fortes. Excelente atriz.
Voltamos ao cenário de Karlla: olhos
espreitam o público, muitos olhos, ao fundo da cena. Recurso de uma beleza
infinita, destacado pela luz filtrada (e simbólica), de Renato Machado. A
iluminação do espetáculo é excelente. Aliás, “Volúpia da Cegueira” é também um
grande momento visual. Contradição? A Direção Musical de Alexandre Elias é
excelente. Ela nos brinda, em determinado momento, com uma “frase” de notas
sutis, evanescentes. “Una furtiva lacrima”, da ópera de Donizetti, “O Elixir do
Amor” ... NÃO PERCAM!