Suzana Faini e Alice Steinbruck em "O Como e o Porquê" - texto de Sarah Treem, direção, Paulo de Moraes.
|
(Fotos Fabiano Cafure)
(da Associação
Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)
O QUE
E O PORQUÊ
Até o dia 1º de Maio, o Dia do Trabalho, foi
possível assistir a peça "O Que e o Porquê" no Teatro Ginástico,
Centro do Rio de Janeiro, Espaço SESC. Durante o mês de maio, o espetáculo irá para
o Teatro Fashion Mall, na Barra da Tijuca - Rio de Janeiro. NÃO PERCAM! É um
dos textos mais inteligentes que já esteve presente em nossos palcos, encenado
por duas grandes atrizes: Suzana Faini e Alice Steinbruck. Trata-se de um
"texto-pesquisa" sobre a mulher, elaborado por Sarah Treem, e
dirigido por Paulo de Moraes, da Cia. do Armazém. Melhor conjunto de artistas
não poderia haver. E o assunto da peça é muito curioso.
Explico: a partir de uma indagação
biológica sobre a defesa do organismo contra elementos patogênicos contidos no
esperma, e neutralizados através do endométrio feminino, uma jovem pesquisadora, pós-doutoranda em Biologia, Rachel Hardman - ficção,
diga-se de passagem, brilhantemente
interpretada por Alice Steinbruck - cria toda uma tese sobre o assunto. O nome
da pesquisa? A "Teoria da Menstruação como Defesa". O fato é que o texto
nos conduz a possibilidades fascinantes, inclusive a de ele (o endométrio)
proteger o organismo da mulher do contato direto com o espermatozóide! Isso
exclui as mulheres na menopausa.
Acontece que, para tratar desse assunto, a
autora criou outra pesquisadora, a Dra. Zelda Mildred Kahn, (personagem de
Suzana Faini), que se preocupa com a mulher na menopausa... - e enfatiza a
questão, com uma pesquisa intitulada "A hipótese da avó" ou "A
Teoria da Avó". Pois bem, esta pesquisa da Dra. Zelda "não é"
para livrar a mulher, no climatério, de se contaminar com "o esperma
assassino" ... mas, tenta provar a vantagem evolutiva da menopausa que,
com a concentração de energia, que ela não gasta mais com a atividade
reprodutiva, a mulher, agora, pode se
dedicar a outros assuntos. E aí, diz o programa da peça, a mulher
"andropáusica" pode se dedicar à sobrevivência de filhos e netos. Diz
o texto: "Quando as mulheres começaram a criar os filhos de seus filhos,
elas inventaram a infância, o que, consequentemente, criou a humanidade".
Teoria bastante ambiciosa, e discutível. Trata-se,
na verdade, de uma teoria popular que a antropóloga (na vida real), Kristen
Hawkes, da Universidade de Utah, em Salt Lake City, transformou em
possibilidade de estudo, com foco em tribos primitivas. No entanto, o que é
interessante nesta peça é o relacionamento das duas pesquisadoras. Elas também
comentam a já aceita "Teoria da Evolução", de Charles Darwin, que nos
demonstra serem, todos os tipos de animais (inclusive nós), transformações do mesmo átomo, portanto, temos
a mesma consistência inicial (quem ama os animais sabe disso). A propósito,
essa teoria foi pensada por um homem há quase dois séculos, e quando ganhou
publicidade, no século XIX, foi combatida e ridicularizada. Hoje todos - "ou
quase todos", a aceitam. Na peça, as duas ambiciosas pesquisadoras citam ainda
Charles Morton, 'pai da terapia da reposição hormonal'.
É um assunto empolgante. Essas quatro pesquisas
científicas são essenciais para o desenvolvimento da peça. O fato é que o texto aborda um assunto
complicado: "Se desfazer de uma camada endometrial a cada mês requer muito
gasto calórico. E para nossas antecessoras pré-históricas, que passavam suas
vidas inteiras desnutridas, qualquer caloria contava."
O que nos fascina, nesta peça, é a maneira
como as duas mulheres vão se colocando, e às suas ambições... que vão muito além
das prendas do lar! Para Alice
Steinbruck, a atriz-tradutora, as duas teorias criadas por mulher "afetam
a forma como a comunidade científica percebe as mulheres e seus corpos"...
Passemos à ação, que depende muito do
cenário e da direção de Paulo de Moraes. Suzana Faini,
interpretando a Doutora Zelda Kahn, colore
seu personagem com sensibilidade e perfeição - a mesma que a faz
uma
atriz
admirada
por quem ama teatro. O mínimo gesto dessa atriz, sua
modulação de voz, são perfeitos. A Dra. Kahn é uma mulher dedicada ao trabalho,
e carrega consigo a impossibilidade de ter nascido mulher, e ser cientista. Ela não carrega essa impossibilidade como "uma
limitação à sua paixão", o que significa, em outras palavras, que a
cientista não abdicou do papel social que lhe é de direito - por ter nascido
gênio - para limitar-se ao fato de ser mulher. Sendo assim, o pensamento, e as atitudes, da Dra. Kahn (Suzana
Faini), é que tornam essa peça tão fascinante.
A atriz Alice Steinbruck transmite a
emoção e o desconforto de ser Rachel Hardman, a jovem cientista que possui um
futuro que a fará sofrer. E brilhar. Podemos afirmar que a determinação com que
as atrizes Alice Steinbruck e Suzana Faini perseguiram os seus objetivos
transformou "O Como e o Porquê" em um brilhante espetáculo.
Não vou desvendar os meandros do
pensamento de Kahn, nem o encontro das duas pesquisadoras. Deixo essa função
para quem for assistir a peça, porém observo que "esses meandros" são
muito interessantes. Você pensa que sabe tudo sobre o pensamento feminino - e a
necessidade das paixões - mas não sabe nada! Você só vai saber, com clareza,
após ter assistido o confronto dessas duas mulheres. "O Como e o Porquê"
é uma peça inesperada, profunda.
Já dissemos quase tudo sobre o tema da
peça, para onde vamos, agora? Optamos pelo cenário, com "as
cadeiras", do diretor e cenógrafo Paulo de Moraes; cadeiras com seus
diversos "designs". Podemos dizer que o cenário "não é" um
estudo sobre mobiliário, porém tudo nele é
esteticamente perfeito. Aliás, nos permitimos uma observação: em geral,
os cenários das peças de Paulo de Moraes apresentam constante preocupação com o
"estético": o belo e o terrível como linguagem. Tal fato impregna o
movimento dos atores. Veja na foto a beleza simples de "as cadeiras",
e sua praticidade.
NÃO
PERCAM!
Na ficha técnica temos o cuidado da
iluminação de Maneco Quinderé. Nos últimos anos Quinderé vem atuando primorosamente
nas peças do diretor Paulo de Moraes. A segurança de seu trabalho é uma das
razões que possibilitam à peça, complexa, caminhar com clareza. A iluminação de
Quinderé destaca, sutilmente, os momentos-chave para a compreensão do
espetáculo. A trilha sonora original é outro fator importante para marcar o
andamento do texto. É Bianca Gismonti, na criação musical. Fabiano Cafure, com
sua 'Arte e Teaser' é também o encarregado das fotos da peça. Muito oportuna a foto
das atrizes, incorporando os bonecos de armar,
pela oportunidade que temos, de ver nos desenhos de seus corpos a
evolução da espécie humana, e as descobertas científicas ali assinaladas. Os
figurinos, muito acertados, marcando o cotidiano das duas cientistas, são de
Desirée Bastos. Trata-se de um espetáculo bem cuidado.
No programa da peça há uma observação que
devolve, para nós, o seu misterio inicial: "As duas mulheres são
ficcionais, mas as teorias que elas apresentam são reais". Entende-se que
seja ficcional o relacionamento entre as duas mulheres, na peça, porém, essa ficção
nos desperta para o mundo real, e
queremos conhecer uma possível "verdadeira historia" dessas cientistas!
Não a encontramos: sabemos que essa não é a proposta da peça, mas somos
desafiadas (a peça é um desafio constante!).
EM
TEMPO: A peça comemora os 50 anos de carreira de Suzana Faini, e pela primeira vez é encenada na America
Latina. NÃO PERCAM!
Sensacional! Não vou perder.
ResponderExcluir