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segunda-feira, 2 de maio de 2016

"O COMO E O PORQUÊ"

Suzana Faini e Alice Steinbruck em "O Como e o Porquê" - texto de Sarah Treem, direção, Paulo de Moraes.
                                                           (Fotos Fabiano Cafure)             

                      IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

O   QUE  E  O  PORQUÊ
     Até o dia 1º de Maio, o Dia do Trabalho, foi possível assistir a peça "O Que e o Porquê" no Teatro Ginástico, Centro do Rio de Janeiro, Espaço SESC. Durante o mês de maio, o espetáculo irá para o Teatro Fashion Mall, na Barra da Tijuca - Rio de Janeiro. NÃO PERCAM! É um dos textos mais inteligentes que já esteve presente em nossos palcos, encenado por duas grandes atrizes: Suzana Faini e Alice Steinbruck. Trata-se de um "texto-pesquisa" sobre a mulher, elaborado por Sarah Treem, e dirigido por Paulo de Moraes, da Cia. do Armazém. Melhor conjunto de artistas não poderia haver. E o assunto da peça é muito curioso.
       Explico: a partir de uma indagação biológica sobre a defesa do organismo contra elementos patogênicos contidos no esperma, e neutralizados através do endométrio feminino, uma jovem pesquisadora,  pós-doutoranda em Biologia, Rachel Hardman - ficção, diga-se de passagem,  brilhantemente interpretada por Alice Steinbruck - cria toda uma tese sobre o assunto. O nome da pesquisa? A "Teoria da Menstruação como Defesa". O fato é que o texto nos conduz a possibilidades fascinantes, inclusive a de ele (o endométrio) proteger o organismo da mulher do contato direto com o espermatozóide! Isso exclui as mulheres na menopausa.
     Acontece que, para tratar desse assunto, a autora criou outra pesquisadora, a Dra. Zelda Mildred Kahn, (personagem de Suzana Faini), que se preocupa com a mulher na menopausa... - e enfatiza a questão, com uma pesquisa intitulada "A hipótese da avó" ou "A Teoria da Avó". Pois bem, esta pesquisa da Dra. Zelda "não é" para livrar a mulher, no climatério, de se contaminar com "o esperma assassino" ... mas, tenta provar a vantagem evolutiva da menopausa que, com a concentração de energia, que ela não gasta mais com a atividade reprodutiva, a mulher,  agora, pode se dedicar a outros assuntos. E aí, diz o programa da peça, a mulher "andropáusica" pode se dedicar à sobrevivência de filhos e netos. Diz o texto: "Quando as mulheres começaram a criar os filhos de seus filhos, elas inventaram a infância, o que, consequentemente, criou a humanidade".
     Teoria bastante ambiciosa, e discutível. Trata-se, na verdade, de uma teoria popular que a antropóloga (na vida real), Kristen Hawkes, da Universidade de Utah, em Salt Lake City, transformou em possibilidade de estudo, com foco em tribos primitivas. No entanto, o que é interessante nesta peça é o relacionamento das duas pesquisadoras. Elas também comentam a já aceita "Teoria da Evolução", de Charles Darwin, que nos demonstra serem, todos os tipos de animais (inclusive nós),  transformações do mesmo átomo, portanto, temos a mesma consistência inicial (quem ama os animais sabe disso). A propósito, essa teoria foi pensada por um homem há quase dois séculos, e quando ganhou publicidade, no século XIX, foi combatida e ridicularizada. Hoje todos - "ou quase todos", a aceitam. Na peça, as duas ambiciosas pesquisadoras citam ainda Charles Morton, 'pai da terapia da reposição hormonal'.
     É um assunto empolgante. Essas quatro pesquisas científicas são essenciais para o desenvolvimento da peça. O  fato é que o texto aborda um assunto complicado: "Se desfazer de uma camada endometrial a cada mês requer muito gasto calórico. E para nossas antecessoras pré-históricas, que passavam suas vidas inteiras desnutridas, qualquer caloria contava."
     O que nos fascina, nesta peça, é a maneira como as duas mulheres vão se colocando, e às suas ambições... que vão muito além das prendas do lar!      Para Alice Steinbruck, a atriz-tradutora, as duas teorias criadas por mulher "afetam a forma como a comunidade científica percebe as mulheres e seus corpos"... 
     Passemos à ação, que depende muito do cenário e da direção de Paulo de Moraes. Suzana Faini, interpretando a Doutora Zelda Kahn, colore seu personagem com sensibilidade e perfeição - a mesma que a faz uma atriz admirada por quem ama teatro. O mínimo gesto dessa atriz, sua modulação de voz, são perfeitos. A Dra. Kahn é uma mulher dedicada ao trabalho, e carrega consigo a impossibilidade de ter nascido mulher, e ser cientista. Ela não carrega essa impossibilidade como "uma limitação à sua paixão", o que significa, em outras palavras, que a cientista não abdicou do papel social que lhe é de direito - por ter nascido gênio - para limitar-se ao fato de ser mulher. Sendo assim, o pensamento, e as atitudes, da Dra. Kahn (Suzana Faini), é que tornam essa peça tão fascinante.
     A atriz Alice Steinbruck transmite a emoção e o desconforto de ser Rachel Hardman, a jovem cientista que possui um futuro que a fará sofrer. E brilhar. Podemos afirmar que a determinação com que as atrizes Alice Steinbruck e Suzana Faini perseguiram os seus objetivos transformou "O Como e o Porquê" em um brilhante espetáculo.
     Não vou desvendar os meandros do pensamento de Kahn, nem o encontro das duas pesquisadoras. Deixo essa função para quem for assistir a peça, porém observo que "esses meandros" são muito interessantes. Você pensa que sabe tudo sobre o pensamento feminino - e a necessidade das paixões - mas não sabe nada! Você só vai saber, com clareza, após ter assistido o confronto dessas duas mulheres. "O Como e o Porquê" é uma peça inesperada,  profunda.
     Já dissemos quase tudo sobre o tema da peça, para onde vamos, agora? Optamos pelo cenário, com "as cadeiras", do diretor e cenógrafo Paulo de Moraes; cadeiras com seus diversos "designs". Podemos dizer que o cenário "não é" um estudo sobre mobiliário, porém tudo nele é  esteticamente perfeito. Aliás, nos permitimos uma observação: em geral, os cenários das peças de Paulo de Moraes apresentam constante preocupação com o "estético": o belo e o terrível como linguagem. Tal fato impregna o movimento dos atores. Veja na foto a beleza simples de "as cadeiras", e sua praticidade.             
NÃO PERCAM!
     Na ficha técnica temos o cuidado da iluminação de Maneco Quinderé. Nos últimos anos Quinderé vem atuando primorosamente nas peças do diretor Paulo de Moraes. A segurança de seu trabalho é uma das razões que possibilitam à peça, complexa, caminhar com clareza. A iluminação de Quinderé destaca, sutilmente, os momentos-chave para a compreensão do espetáculo. A trilha sonora original é outro fator importante para marcar o andamento do texto. É Bianca Gismonti, na criação musical. Fabiano Cafure, com sua 'Arte e Teaser' é também o encarregado das fotos da peça. Muito oportuna a foto das atrizes, incorporando os bonecos de armar,  pela oportunidade que temos, de ver nos desenhos de seus corpos a evolução da espécie humana, e as descobertas científicas ali assinaladas. Os figurinos, muito acertados, marcando o cotidiano das duas cientistas, são de Desirée Bastos. Trata-se de um espetáculo bem cuidado.
     No programa da peça há uma observação que devolve, para nós, o seu misterio inicial: "As duas mulheres são ficcionais, mas as teorias que elas apresentam são reais". Entende-se que seja ficcional o relacionamento entre as duas mulheres, na peça, porém, essa ficção nos desperta para  o mundo real, e queremos conhecer uma possível "verdadeira historia" dessas cientistas! Não a encontramos: sabemos que essa não é a proposta da peça, mas somos desafiadas (a peça é um desafio constante!).
EM TEMPO: A peça comemora os 50 anos de carreira de Suzana Faini, e  pela primeira vez é encenada na America Latina. NÃO PERCAM!

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