para o seu casamento, preferindo a
separação. Na minha rígida cabeça de menina
criada em colégio de freiras não
havia lugar para o que aconteceu depois.
E Harold Pinter continuou sendo para
mim um autor inacessível. Assisti-lo era (e é)
para mim, como se eu estivesse
vendo uma foto
em
negativo,
uma imagem sem contorno (muito alterada) do que poderia ser a
realidade.
Assisti a outro "A Volta ao Lar"
antes de "A Festa de Aniversario". Foi uma peça
dirigida por Bruce Gomlevisky, que fazia o irmão do
marido?! Achei o personagem
masculino de Bruce muito violento e, para surpresa
minha, acabei aceitando a proposta
do autor e "lendo", à minha
maneira, o que estava acontecendo em cena, neste
Hommecoming. Era algo muito bem guardado no interior de alguns personagens,
e é assim que sempre recebo os textos de Pinter.
O caso atual, de "A Festa de
Aniversario" tem o acréscimo, agora percebido,
de ser uma crítica aos
humanos. Mas os personagens de Pinter são assim mesmo?
Quem olha as fotos
daquele verdadeiro "lord inglês" - o autor - não diz que ele trás
escondido dentro de si
tanto horror... e conclui que a inteligência e o talento são um mistério!
Mas passemos a "A Festa de
Aniversario". São seis atores em cena, e um pianista
que dá o clima da
peça com o seu piano nervoso, de compasso dominador e presença física
quase invisível
!!! Aparece só uma vez, e nas alturas do cenário. Toca um piano magistral,
por sinal, assim
como o seu Beethoven! É André Poyart, tocando ao vivo e dando
um clima irreal - e terrível! - aos
acontecimentos! Registro ainda, e principalmente,
o desenvolvimento das cenas
de tortura incluídas no texto ("Festa" foi escrita em 1957,
Pinter
estava ligado!) e a semelhança é surpreendente com os relatos de Sergio
Sant'Anna, dez anos depois, em "Confissões de Ralfo": as frases de
seus torturadores
se assemelham, lembrando acontecimentos da vida cotidiana (no
caso do livro de
Sant'Anna, a tortura começa com uma pergunta: "Quem foi
que descobriu o Brasil?"),
no de Pinter, com perguntas sobre a vida
particular de outro pianista, esse acossado,
escondido em uma pensão (a
perseguição à arte?), interpretado por Alexandre Galindo.
O ator Rogerio
Freitas, o "visitante" de Pinter, um ser encantador e sociável, subitamente
se transformando em um horripilante torturador! Rogerio Freitas pode ser o mais perfeito
comediante, como em "A Revista do Ano - O Olimpo Carioca", quando interpreta
Hefaísto,
o deus do fogo, e joga para a plateia um divertido Oscarito, como nas comédias
da Atlântida!
Pois em "A Festa de Aniversario" ele, do amável
visitante do início da peça, se converte num
personagem de olhar terrível e
atitudes não menos. A partir dessa mudança, não há mais
sociabilidade naquele visitante - há "o horror"!
É tudo tão seguro, tão determinado, que não soa falso.
São os mistérios do
talento...
Mas por que a "Festa" se
transforma em horror? Procuramos dar uma olhada em Pinter: "Nascido em um
subúrbio pobre de Londres, filho de pais judeus do Leste Europeu!
Ativista político!" (Está explicado? O "lord" criou uma estirpe!
Criou-se, sobre o seu estilo o nome de "pinteresco", no qual personagens normais são colocados
repentinamente frente ao inesperado e não apresentam reação" (...). Acho
que está explicado o seu estilo, embora todos digam que Pinter é um dos
representantes do "teatro do absurdo". Não é um pouco facilitado,
isso? Desculpe, Paso, e você sabe disso melhor do que eu... Mas para mim, para mim, todos os teatros podem ser do
absurdo! (Mas deixemos estas questões...). Premiadíssimo, Prêmio Nobel, etc, eis
Harold Pinter.
Pois este autor - com a colaboração, não podemos
esquecer! - de outro mágico teatral que é Gustavo Paso, o diretor (sempre que o
assisto saio mobilizada), - dá o clima da peça, ao qual ninguém escapa! Há
ótimos atores complementando a cena. E outro mistério: quem é Alexandre
Galindo, que resolveu produzir a peça? Parece-nos que se lança como ator, mas a
naturalidade com que ele atua é surpreendente, jogando-o entre os veteranos! Há
também uma deliciosa (e louca!) Andrea Dantas, em seu papel de dona de casa alienada.
Comedia pura! Ah, essa família Dantas! E a menina Raíza Puget, fazendo a
adolescente desafiadora, inconsciente e vaidosa! Que cenas ela nos proporciona!
Marcos Ácher é o mais pinteresco (na
acepção do termo, o homem que não participa, se exime, se acovarda. Ele
representa aquela classe de homem do povo que Pinter detesta: o
"morno"). E o faz muito bem. E há Guilherme Melca, o
"representante" dos subúrbios, mundo muito conhecidos de Pinter... Querem
festa melhor?
A ficha técnica sempre me deixa com
vontade de estudar cada uma das referências: A Tradução é feita por Alexandre
Tenório. Eu jamais seria tradutora, enlouqueceria! E a Iluminação? Que entendo
eu de Iluminação? Só a sinto, me emociono. Ela dá o clima, me transporta, assim
como a música - que já entendo melhor... Pois a Iluminação é feita por Bernardo
Lorga. O cenário é conduzido por Gustavo Paso, e eu entendo aquelas armadilhas,
as correntes, os buracos, os sobressaltos... Como não estabelecer o pânico? O
cenário faz um jogo infernal com a luz... A Trilha Sonora, como já dissemos, é
do excelente músico André Poyart. Assistente de Direção: Marcos Árcher. A "Administração
de Temporada" é do nosso apaixonado por teatro Antonio Barboza, que agora
continua o seu trabalho de ator na TV Globo! Muitas felicidades para você,
Antonio! Direção de Produção: Luciana Fávero, que também se encarrega dos
figurinos e adereços. Parece-me que Gustavo Paso tem uma equipe fiel, que o
acompanha em seus trabalhos fora de seu grupo, como este "A Festa de
Aniversario". Estes dois últimos artistas/técnicos citados fazem parte do seu
grupo! Há certamente outros, não citados, como o Cenotécnico Eduardo Andrade.
Enganei-me? VIDA LONGA, E PRAZEROSA, A ESTES ARTISTAS! É BOM VER BOM TEATRO!
DIGAM-ME UMA COISA: CRÍTICA DE TEATRO É TAMBÉM ARTE? PELO MENOS ELA FIXA UM
INSTANTE DESTA EVANESCENTE ARTE. E COM ENVOLVIMENTO EMOCIONAL!
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