Ricardo Kosoviski e as "Tripas". Autoria e direção Pedro Kosoviski. |
IDA
VICENZIA
(da
Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)
Interessante como uma peça de teatro pode
proporcionar várias leituras. No último semestre de 2017 estive fora do Rio e, em
conseqüência, não assisti às últimas estreias do ano. Mas não fiquei sem
notícia das mesmas, pois as nossas boas amigas do teatro, as da divulgação, sempre
enviaram aos críticos press releases
e convites para as estreias. Eu não pude corresponder aos cuidados de Catharina
Rocha, por exemplo, porque estive em
andanças entre Rio Grande do Sul e Amazonas, aproximando-me dos afetos.
Felizmente há a retomada, há as reestréias.
E este 2018 já me proporcionou assistir "Tripas" e "Tom na
Fazenda" - sendo que os próximos teatros serão "Boca do Inferno"
e "Alice Mandou um Beijo"... E também há estreias! Como essa dos
Fodidos Privilegiados, "Pressa", com direção de João Fonseca e Nelo
Marreze. E também vem Bia Lessa, de São
Paulo, nos trazendo Guimarães Rosa e seu "Grande Sertão" nordestino.
E viva o Rio de Janeiro!
Ao recuperar, agora, as peças que não
assisti em 2017, vejo-me na plateia de "Tripas", texto de Pedro Kosovski,
interpretado por Ricardo Kosovski. Eis que, a talentosa família (há ainda a filha
de Ricardo, Lídia Kosovski, no cenário, e Marina Kosovski no design gráfico.
O que quero dizer neste início inusitado
de crítica (como também inusitado o espetáculo), é que fui assistindo e fazendo
a minha "leitura" da peça e, quando vi aquela "lula" sendo
jogada em cena por Ricardo, não a associei à semelhança com o intestino grosso
(o ator carregou uma verticulite aguda), mas a considerei uma citação ao nosso ex-futuro
presidente. Quando, no final, há o beijo entre homens, liguei-me nos episódios recentes
em que o beijo entre iguais é abominado pelos 'cegos de plantão', e dei razão,
mais uma vez, ao diretor (e autor) Pedro Kosovski. Pensei: "teatro é vida,
e os acontecimentos políticos fazem parte da vida, por isso o teatro é tão
perseguido".
Faz sentido, a minha interpretação.
Aconteceu assim porque não quis me influenciar pelo press de Catharina Rocha! Tudo aconteceu por causa da minha teimosa: resolvi assistir munida apenas de visão artística!
Ledo engano. Segundo o autor, esta peça é "uma autoficção, onde falo
através de meu pai".
Mas, impressionada com a interpretação de
Ricardo Kosovski, comecei a pensar que temos, neste monólogo, um grande ator e
seu personagem. Na verdade, a frase "eu quero agradar vocês", dirigida
à platéia inúmeras vezes durante o espetáculo, eu a tomei como uma celebração
da vida! Pois bem. A verdade é que a vida de Kosovski passou por um terremoto,
e vamos reencontrá-lo com a sensibilidade à flor da pele! Sim, ele esteve entre
a vida e a morte, e agora festeja a vida, e repete, às vezes de maneira
carinhosa, às vezes obsessiva: "eu quero agradar vocês". Estas
palavras referenciam a ação!
E tudo começa no Golfo de Ácaba - fronteira
do Oriente Médio com Israel, perto do Monte Sinai! - onde pai e filho foram buscar
a sua historia, as suas raízes. E o texto se constrói a partir destas
descobertas. É surpreendente a movimentação corporal de Ricardo, que já nos
pega na primeira cena! À medida que a peça caminha as surpresas vão se
multiplicando e desistimos da leitura "dos últimos acontecimentos
políticos no Brasil", e embarcamos no talento do ator. O que Ricardo Kosovski
nos proporciona são momentos surpreendentes de teatro. Estamos na presença de
um dos grandes atores cariocas, seu domínio sobre a platéia é total. O
inusitado da proposta nos dá a certeza de que testemunhamos algo excepcional: a doença e a cura - e, para a platéia
não se recusa nada! Parafraseando Ricardo, trata-se de um trabalho que faz
"Das tripas... autoficção"!
Na Ficha Técnica temos, além dos já citados,
a magnífica iluminação de Renato Machado e a música de Pedro Nêgo, com direção
musical de Felipe Storino. (e direção de movimento - adorei! - de Toni
Rodrigues). Assistente de direção Julia Stockler; Video: Lourenço Monte-Mór;
Interlocução artística: Renato Ferracini.
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