Katia Iunes e Abilio Ramos em "Jacques e a Revolução", direção Theotonio de Paiva (foto MarQo Rocha) |
Abilio Ramos, Sol Menezzes, Marco Aurelio Hamellin e Katia Iunes em "Jacques e a Revolução" direção Theotonio de Paiva, texto de Ronaldo Lima Lins (inspirado em Diderot). (Foto de MarQo Rocha) |
IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos
de Teatro - AICT)
(Especial)
Ora, ora, ora, quando menos se espera,
encontra-se um texto extremamente inteligente, sutil e universal, levando-nos à
apreciação do bom teatro. Trata-se de "Jacques e a Revolução - ou como o
criado aprendeu as lições de Diderot", de Ronaldo Lima Lins, professor
emérito da UFRJ e premiado autor. Inspirado em Diderot, "Jacques, o
Fatalista, e seu amo" - o espetáculo chamou a atenção desta crítica.
O relato de Diderot contando a viagem do conde
de Bougainville, o historiador-aventureiro do século XVIII, ao Atlântico Sul -
mais propriamente até as Ilhas Falklands (Malvinas, Argentina), em direção ao Tahiti
- nos traz suas aventuras e o delicioso relato desenvolvido entre o servo Jacques
e seu amo e patrão. Faz lembrar Brecht, que escreveu bem depois "O Senhor
Puntila e seu criado Matti", onde há essa troca "amigável" entre
Matti e o Sr. Puntila, porém o patrão só fica amigo quando bebe. Há muitas
cenas inspiradas neste entrecho, como, por exemplo, a feita no cinema por
Charles Chaplin e seu patrão bêbado, e tantos outros. Porém, no caso de Lins, foi
a Revolução Francesa que estabeleceu essa troca. Ao menos é o que fica
subentendido, na manifestação de Jacques, que chega a cantarolar a
Marseillaise...
Mas voltemos a Lima Lins. Os "relatos"
de Jacques, destacados com humor por Lins, são a delícia da peça e nos trazem
acontecimentos ligados a outras épocas: historias de amores, perdas,
desilusões, armadilhas. A narrativa de Jacques, bem-humorada, a tudo alcança.
Entretanto, em seus encontros com o patrão (na peça um empresário moderno), a
atualização da roda da fortuna fica por conta destes seres que representam o destino: Jacques e seu patrão. Daí o titulo dado
por Lima Lins, a partir de "Jacques, o Fatalista", de Diderot. O
Jacques de Lins também é um fatalista.
A diferença (grande), que existe entre o texto
de Bougainville e os relatos de suas viagens,
escritos por Diderot - e modernizados para o século XX, no atual 'condensado', relatam a situação dos seres humanos do século XXI! O diretor Theotonio de
Paiva aproveita muito bem essa relação ao colocar em cena duas atrizes (ótimas,
por sinal: Sol Menezzes e Katia Iunes), preenchendo com malicia os
acontecimentos relatados por Jacques. Os mesmos são narrados pelo historiador e
conde Bougainville, em suas aventuras pessoais. Elas se passam na ilha de
Tahiti, cujos costumes amorosos se assemelhavam ao paraíso na terra.
Na montagem a que nos foi dado assistir
havia referências também a hinos italianos (cantarolados por Jacques), e textos
que recordam "Ubu Rei", de Jarry, junto a outras "iluminesciências"
de nossos tempos. Tudo muito divertido e inteligente, graças à maneira pela qual foi
desenvolvido o espetáculo, e o desempenho dos quatro atores - aí incluídos também
os excelentes Abilio Ramos e Marco Aurelio Hamellin, respectivamente Jacques e
o 'Empresário Moderno', que parece se preocupar com os seus
"dependentes".
É incrível essa máquina azeitada que torna
o jogo cênico possível. Em todos os sentidos. Diz o diretor Theotonio de Paiva
que seu grupo tem entrosamento, costuma trabalhar junto há alguns anos e, realmente
percebe-se, no acabamento do produto, o resultado esperado. O cenário, criativo,
é composto por correntes e enormes carretéis de construção para grandes
empreendimentos, e para o que mais vier. Quanto à expressão corporal (meus amores!)
foi delegada a responsabilidade da grande coreógrafa que é Carmen Luz. Ponto
para o espetáculo! Na Trilha Sonora temos Caio Cezar e Christiano Sauer, dupla
que, segundo Theotonio, está afinada desde sempre com o seu trabalho. Muito
boa, a trilha sonora. A Iluminação é de Renato Machado, "o iluminador que
faz a luz falar" - cito-o sempre. Nota 10 para a Ficha Técnica, não
esquecendo a Assistente de Direção Flavia Fafiães e Direção de Arte de Marianna
Ladeira e Thais Simões, que deve ter caprichado nos figurinos. Produção
'NONADA' - Arte e Cultura contemporânea
O texto de apresentação da peça, no
programa e no livro, "Jacques e a Revolução" é de Theotonio de Paiva,
e tem no livro, como subtítulo do mesmo "o tabuleiro de quadrantes
alternados", se dispondo a esclarecer o caminho do diretor em seu trabalho, e dando uma avaliação
letrada do que vai acontecer em cena. E os motivos anteriores (narrativa da historia),
que o levaram a ele. Trata-se de um livro que pode acompanhar o espetáculo. Editado
pela "Aves de Água".
O texto de Theotonio, no livro, é
rebuscado e esclarecedor, em sua ênfase na cultura: "Uma visada
contemporânea - como diz o diretor - "o teatro dentro do teatro", com
lacunas a serem preenchidas pelo espectador. É o mistério da condição humana".
E há, no espetáculo, uma pergunta
recorrente que Jacques e seu Empresário se fazem, sem conseguir resposta: "quem
é mais digno de pena, o que bate ou o que apanha?" e neste jogo entre
Empresário e Jacques o público navega em várias direções. É a Historia, com suas armadilhas e contradições'.
É Brecht! ... e fica a pergunta: "ainda há algo a fazer?"
Insisto: é uma apresentação sem pretensões
a ser "o grande espetáculo da temporada"... MAS O É! (+)
(Cotação:
Cinco Estrelas).
Linda crítica para um maravilhoso espetáculo!
ResponderExcluirParabéns.
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