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quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

"JACQUES E A REVOLUÇÃO"

Katia Iunes e Abilio Ramos em "Jacques e a Revolução", direção Theotonio de Paiva
(foto MarQo Rocha)

Abilio Ramos, Sol Menezzes, Marco Aurelio Hamellin e Katia Iunes em "Jacques e a Revolução" direção Theotonio de Paiva, texto de Ronaldo Lima Lins (inspirado em Diderot).
(Foto de MarQo Rocha) 

IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

     Ora, ora, ora, quando menos se espera, encontra-se um texto extremamente inteligente, sutil e universal, levando-nos à apreciação do bom teatro. Trata-se de "Jacques e a Revolução - ou como o criado aprendeu as lições de Diderot", de Ronaldo Lima Lins, professor emérito da UFRJ e premiado autor. Inspirado em Diderot, "Jacques, o Fatalista, e seu amo" - o espetáculo chamou a atenção desta crítica.
     O relato de Diderot contando a viagem do conde de Bougainville, o historiador-aventureiro do século XVIII, ao Atlântico Sul - mais propriamente até as Ilhas Falklands (Malvinas, Argentina), em direção ao Tahiti - nos traz suas aventuras e o delicioso relato desenvolvido entre o servo Jacques e seu amo e patrão. Faz lembrar Brecht, que escreveu bem depois "O Senhor Puntila e seu criado Matti", onde há essa troca "amigável" entre Matti e o Sr. Puntila, porém o patrão só fica amigo quando bebe. Há muitas cenas inspiradas neste entrecho, como, por exemplo, a feita no cinema por Charles Chaplin e seu patrão bêbado, e tantos outros. Porém, no caso de Lins, foi a Revolução Francesa que estabeleceu essa troca. Ao menos é o que fica subentendido, na manifestação de Jacques, que chega a cantarolar a Marseillaise...
     Mas voltemos a Lima Lins. Os "relatos" de Jacques, destacados com humor por Lins, são a delícia da peça e nos trazem acontecimentos ligados a outras épocas: historias de amores, perdas, desilusões, armadilhas. A narrativa de Jacques, bem-humorada, a tudo alcança. Entretanto, em seus encontros com o patrão (na peça um empresário moderno), a atualização da roda da fortuna fica por conta destes seres que representam o  destino: Jacques e seu patrão. Daí o titulo dado por Lima Lins, a partir de "Jacques, o Fatalista", de Diderot. O Jacques de Lins também é um fatalista.
     A diferença (grande), que existe entre o texto de  Bougainville e os relatos de suas viagens, escritos por Diderot - e modernizados para o século XX, no atual 'condensado', relatam a situação dos seres humanos do século XXI! O diretor Theotonio de Paiva aproveita muito bem essa relação ao colocar em cena duas atrizes (ótimas, por sinal: Sol Menezzes e Katia Iunes), preenchendo com malicia os acontecimentos relatados por Jacques. Os mesmos são narrados pelo historiador e conde Bougainville, em suas aventuras pessoais. Elas se passam na ilha de Tahiti, cujos costumes amorosos se assemelhavam ao paraíso na terra.  
     Na montagem a que nos foi dado assistir havia referências também a hinos italianos (cantarolados por Jacques), e textos que recordam "Ubu Rei", de Jarry, junto a outras "iluminesciências" de nossos tempos. Tudo muito divertido e inteligente, graças à maneira pela qual foi desenvolvido o espetáculo, e o desempenho dos quatro atores - aí incluídos também os excelentes Abilio Ramos e Marco Aurelio Hamellin, respectivamente Jacques e o 'Empresário Moderno', que parece se preocupar com os seus "dependentes".
     É incrível essa máquina azeitada que torna o jogo cênico possível. Em todos os sentidos. Diz o diretor Theotonio de Paiva que seu grupo tem entrosamento, costuma trabalhar junto há alguns anos e, realmente percebe-se, no acabamento do produto, o resultado esperado. O cenário, criativo, é composto por correntes e enormes carretéis de construção para grandes empreendimentos, e para o que mais vier. Quanto à expressão corporal (meus amores!) foi delegada a responsabilidade da grande coreógrafa que é Carmen Luz. Ponto para o espetáculo! Na Trilha Sonora temos Caio Cezar e Christiano Sauer, dupla que, segundo Theotonio, está afinada desde sempre com o seu trabalho. Muito boa, a trilha sonora. A Iluminação é de Renato Machado, "o iluminador que faz a luz falar" - cito-o sempre. Nota 10 para a Ficha Técnica, não esquecendo a Assistente de Direção Flavia Fafiães e Direção de Arte de Marianna Ladeira e Thais Simões, que deve ter caprichado nos figurinos. Produção 'NONADA' - Arte e Cultura contemporânea         
                  O texto de apresentação da peça, no programa e no livro, "Jacques e a Revolução" é de Theotonio de Paiva, e tem no livro, como subtítulo do mesmo "o tabuleiro de quadrantes alternados", se dispondo a esclarecer o caminho do  diretor em seu trabalho, e dando uma avaliação letrada do que vai acontecer em cena. E os motivos anteriores (narrativa da historia), que o levaram a ele. Trata-se de um livro que pode acompanhar o espetáculo. Editado pela "Aves de Água".  
     O texto de Theotonio, no livro, é rebuscado e esclarecedor, em sua ênfase na cultura: "Uma visada contemporânea - como diz o diretor - "o teatro dentro do teatro", com lacunas a serem preenchidas pelo espectador. É o mistério da condição humana".
      E há, no espetáculo, uma pergunta recorrente que Jacques e seu Empresário se fazem, sem conseguir resposta: "quem é mais digno de pena, o que bate ou o que apanha?" e neste jogo entre Empresário e Jacques o público navega em várias direções. É a  Historia, com suas armadilhas e contradições'. É Brecht! ... e fica a pergunta: "ainda há algo a fazer?"
     Insisto: é uma apresentação sem pretensões a ser "o grande espetáculo da temporada"... MAS O É!  (+) (Cotação: Cinco Estrelas). 

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