Páginas

quinta-feira, 17 de maio de 2018

"A MARCA DA ÁGUA"



IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)
Cena de A Marca da Água, direção Paulo de Moraes

       A noite, os arredores, a concepção do teatro, o público que o frequenta, dão-nos uma segurança e um envolvimento de Primeiro Mundo. Trata-se do Teatro Nelson Rodrigues, da CEF, e a noite é dedicada ao espetáculo 'A Marca da Água', concepção de Paulo de Moraes e Mauricio Arruda Mendonça, do Armazém Companhia de Teatro. A direção do espetáculo é de Paulo de Moraes.

     Em Primeiro Lugar, o teatro. A impressão que nos domina, ao nos aproximarmos do Teatro Nelson Rodrigues, na  Avenida Chile, é a perfeição do que nos cerca, e aí vem a vontade de fazer um pedido: nunca, mas nunca mesmo! pensem em nos negar este teatro... e também o "Teatro da Caixa", logo ali ao lado, na Av. Almirante Barroso. Ambos são espaços da CEF, que muito honram a cidade do Rio de Janeiro.
     
         A Armazém Cia. de Teatro festejou, em 2012, os seus 25 anos de existência com 'A Marca da Água'. Em 2018 tivemos uma reestreia da peça. Para quem ainda não viu, aconselha-se. O diretor comenta:

        "Na nossa sala com paredes de tijolos aparentes, no coração da Lapa carioca (sua sede é na Fundição Progresso), alguma sensação primitiva nos impulsionava no sentido de reafirmar certas questões (...) buscando novos códigos, novas formas de se relacionar com o processo criativo, com o  espaço cênico e com a narrativa. (Paulo de Moraes).   

          A proposta foi atingida, em sua plenitude. A maneira desta Cia, "de se relacionar com o processo criativo" abre portas para novas percepções, misturando estilos e jogando com emoções contraditorias. Laura, a protagonista, interpretada por Patricia Selonk, nos traz um personagem rico em nuances, apresentando-nos momentos de puro surrealismo ligados a uma consciência forte de quem entende o que está acontecendo. E muitas coisas acontecem com a protagonista! 

          Os autores aproveitam o texto e trazem um problema jamais enfrentado em teatro, e o enfrentam, com leveza e humor. Sei, vocês vão dizer que existem muitas peças que tratam de problemas neurológicos! Mas nunca dessa maneira tão clara (um dos atores - Ricardo Martins - interpreta o neurologista), expondo com  clareza o problema. São nuances que podem afetar o cérebro que sofreu uma lesão cerebral. Estas nuances afetam Laura, e ela as transmite aos que a cercam. São detalhes de um cérebro ferido por um impacto que transformou a sua vida aos 10 anos de idade. E o texto vai nos narrando os detalhes do problema, com o auxilio da pesquisa realizada pelos autores com a obra do neurologista britânico Oliver Sacks. O cérebro, a água no cérebro, a 'marca da água', que pode fazer o cérebro explodir... E a opção de Laura adulta, aos 40 anos, de  aceitar o inevitável . 

               E tudo começa com a narrativa surrealista de um peixe gigante que atravessa a vida do casal Jonas e Laura, e que desencadeia o processo que a atormentou a vida toda, e que retorna: a pressão cerebral, os sons que essa pressão desencadeia, e a maneira pela qual essa lesão vai tomando conta de sua vida. Laura aposta na possibilidade da morte, em sua obsessão ao se negar aos médicos e ao tratamento, preferindo captar a música imaginaria que sobrevém de seu distúrbio cerebral. E aí entramos em uma possível recuperação do que seria o seu repertorio musical, através de um concerto interpretado pelo elenco através de diversos acordeões, acompanhados pela guitarra de Ricco Viana, o diretor musical, criador da trilha sonora (original) da peça. 

                 O que torna irresistível a presença no palco - além do relatado acima - é o brilhantismo do elenco: cada ator é dono de sua interpretação, com sutileza. Este fato só se torna possível em companhias que tenham um repertorio variado e uma presença cênica constante, dos atores. Entre eles a mãe, Eugênia, interpretada por Lisa Eiras, e as personagens masculinas: Marcos Martins, o marido Jonas; Ricardo Martins o médico e o pai; Marcelo Guerra, o irmão Domênico. O cenário, impressionante, reproduz uma piscina gigante com seu jogo de luz (cenário de Paulo de Moraes e luz de Maneco Quinderé). Os muito citados figurinos de Rita Murtinho, que fazem, com o material adotado - neoprene e tactel - absorver o impacto da água (pois os atores convivem com o mundo líquido onde aparecem peixes e escafandros, além de uma piscina!) As projeções também causam impacto. Enfim, sempre que Paulo de Moraes está em cartaz, aconselha-se uma ida ao teatro. Quem sai ganhando é o espectador!                
          
                 
       

Nenhum comentário:

Postar um comentário