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domingo, 6 de maio de 2018

"INCÔMODOS"



IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

                               Elenco de "Incômodos", direção Kel Gogliatti. Atrizes: Ângela Valerio, Andessa Guerra Bia Quadros, Gabriela Inoujain, Helena Bielinski, Luisa Olinto, e outras. (Foto Produção):


INCÔMODOS

     Antes de tudo, trata-se de uma Celebração. Um ritual de acolhimento saudado por "Salve Regina", entoado por vozes ocultas para a plateia que, ao entrar, está de olhos escondidos por detrás de vendas negras... Estaremos quebrando algum misterio do espetáculo? Alguma surpresa? 

     O fato é que INCÔMODOS (pois é dele que se trata) acolhe um bom público de adolescentes - garotas e garotos  - e homens e mulheres! - interessados nesta nova tentativa de compreensão do feminino. A "celebração" inicia-se com a entrega do sangue e da carne (femininos), em verdadeira transposição dos rituais masculinos. E onde está a mulher? "Tomai e bebei" ... dizem as novas bacantes - este vinho é o meu sangue. Esta hóstia é a minha carne". trata-se da "desconstrução" do proibido. Mulher só tem sangue quando menstrua: e à mulher não é permitido o gozo da carne... da sexualidade! E Vêm estas atrizes, estas meninas! - dizer o que devemos (elas devem) fazer?! 

     São 18 jovens em cena - 18 mulheres no esplendor de sua beleza e juventude! E se pensamos que a historia da mulher já está muito bem contada, nos enganamos. Ouvimos, na saída do espetáculo,  rapazes comentando, como se tivessem percebido as obrigações sociais da mulher naquele momento, e uma dessas obrigações é ser bonita... (Quando pensamos que todos sabem tudo, eis a surpresa...). Também no espetáculo é contestada a tão famosa vocação materna da mulher. Uma invenção da nossa sociedade! Há muitas mulheres que não têm essa vocação... elas são consideradas desnumanas! 

     Mas voltemos à celebração... sem medo de romper com o misterio! Conhecemos, nos primeiros passos das bacantes (se as pudermos assim chamar) - jovens vestidas com véus cor de carne, que deixam expostas as suas caracteristicas femininas. As mulheres apresentadas como heroínas, em outros séculos, enfrentaram o mundo cultural (dos homens) e se destacaram. A Curadoria de Kel Cogliatti - e suas companheiras - fazem citações sem visão política: somente constatações da atuação destas mulheres. O espetáculo não é uma manifestação política mas, insistimos, uma "Celebração" ao feminino. Estaremos erradas? 

     ... E assim Rosa Luxemburgo é citada, como também Nísia Floresta, e tantas outras que cultivaram idéias, colocando-se acima da submissão estabelecida. Não há perdão para a inação de  nossas contemporâneas. As mulheres citadas atuaram, apesar da repressão contra elas, em todos os tempos!

     Ficou a cargo de Kel Cogliatti a direção do espetáculo. A "Casa Rio" foi pensada para dar acolhida a estudantes vindos de fora do país. Ela também funciona como espaço cultural. Já funcionou, em passado recente, como Museu do Teatro do Rio, mas sua administração não surtiu efeito. Hoje o espaço está sendo aproveitado com espetáculos experimentais como este a que nos referimos, no qual entram performances, música, e interpretação. "Incômodos", que nos deu a conhecer o local, apresentou  dele um bom aproveitamento. E aqui respiramos um pouco, nos divertindo com a reação do público. O chamado para o espetáculo já é aterrorizante, mas, felizmente, o prometido não acontece. Os destaques arrepiantes são muitos!  Será uma jogada profissional? O fato é que a Casa Rio fica lotada todo fim de semana! (Este é o último) E quais são estes chamados? Na "planta baixa" de uma casa, desenhada no programa, acontecem coisas estranhas... "entre quatro paredes"... como sói acontecer com as nossas companheiras de sexo... daí a impressão de o espetáculo ser uma sucessão de depoimentos. Não é. Mas, na cozinha desenhada no programa destaca-se que  "476 mil estupros já foram realizados no Brasil"...  (número é espantoso, já que não há referência das datas!) No "Escritorio" do desenho ficamos sabendo que "a cada 11 minutos uma mulher é estuprada"!   ... e acabamos nos informando também (que coisa pavorosa!), que "uma mulher foi morta com um espeto de churrasco!" Pode ser até engraçada, tanta desgraça, mas também dá pra arrepiar os cabelos e fazer como Paula Lavigne: se revoltar por ter nascido mulher!

     A reação do público ao espetáculo é respeitosa. Parece até mais tranquila e conhecedora dos rumos do que é ser mulher (no Brasil e no Mundo)!!! A temporada na Casa Rio terminou, mas prestem atenção! pois a aventura do feminino deve continuar em outros locais. VAMOS TORCER PARA QUE TAL ACONTEÇA!           

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