Mel Lisboa e elenco de "Dogville" Direção de Zé Henrique de Paula. |
IDA VICENZIA
(Associação Internacional de Críticos de Teatro –
AICT)
(Especial)
“DOGVILLE”
Nos teatros do Shopping da Gávea está
havendo uma unanimidade de pensamento em direção a um teatro mais sofisticado,
mais racional. Ao menos tal novidade está presente em dois espaços cênicos: o
do Teatro dos 4, com Harold Pinter em cartaz, e no Teatro Clara Nunes, com Lars
von Trier. È sobre este último, o espetáculo de von Trier, que vamos tratar aqui, porém, os mistérios do comportamento
humano são discutidos, apaixonadamente, pelos dois autores nas duas peças citadas:
“O Inoportuno”, de Harold Pinter, e “Dogville”, de Lars von Trier. Dessa vez,
em se tratando de Trier, é colocada a questão filosófica do estoicismo, com a
argumentação sobre a arrogância do bem. Para quem sempre procurou manter
distância de von Trier, é uma surpresa ver a racionalidade do autor ao tratar o
humano - e outra surpresa ao ver sua
aproximação do pensamento de Harold Pinter.
Através da primeira fala do personagem de von
Trier - o narrador (talvez o próprio autor) - tomamos conhecimento que Dogville
é uma pequena localidade, ideal para colocar uma lente de aumento no comportamento
dos humanos. A utilização dessa lente nos garante uma proximidade quase promíscua
com tal sociedade, e nada é melhor para a análise de um pequeno cosmos do que a
promiscuidade. É diante dessa lente que o narrador procura a verdade - e é nesta
busca da verdade que também se debate o espectador, nas quase duas horas de duração
do espetáculo. O final da peça – aliás, instigante como todo o seu trajeto – o
autor nos dá uma aula de como se prepara a “virada” para encerrar um
acontecimento teatral.
Caso raro nos espetáculos atuais –
excetuando os musicais – temos em cena 16 atores, sendo eles uma unanimidade em
termos de interpretação. Identificamos alguns, os mais conhecidos e com participações
artísticas destacadas, como Selma Egrei, Chris Couto, Bianca Byington, Fabio
Assunção, Mel Lisboa. Mas também temos Anna Toledo, Blota Filho, Dudi Ejchel,
Eric Lenate, Fernanda Couto, Gustavo Trestini, Marcelo Villas Boas, Fernanda
Thurann, Munir Pedrosa, Rodrigo Caetano e Thalles Cabral.
A historia é contada em capítulos, sendo o
nono o final deles, e a chave para a procura filosófica do autor. As “portas”
de Pinter se transformam, em von Trier, em “cortinas” a serem abertas. Através
delas podemos descortinar a verdade.
Trata-se de um espetáculo desconcertante, no
qual o poder do bicho homem se transforma em pesadelo. Destaca-se a atuação de Mel
Lisboa. Entretanto, o elenco é tão coeso, e a mão do diretor – Zé Henrique de
Paula – tão segura, que temos a sensação da novidade absoluta na atuação de
todo o elenco: uma novidade em matéria de teatro, se desenrolando diante de
nossos olhos. Há uma projeção que amplifica a expressão do ator, em closes
cinematográficos. A impressão que temos é de que a ação está acontecendo no
momento do acontecimento cênico (e talvez esteja). Como não conhecemos tais
recursos, o espanto é total. Fernanda Thurann, que também está na peça como
atriz, é uma das responsáveis pelo efeitos cinematográficos
A Direção de Audiovisual é de Laerte
Késsimos e a criação é do VJ Alexandre Gonzalez. Fotografia Ale Catan, e
Produção Executiva de Jaliana Trimer. Felipe Lima, da Sevenx Produções
Artísticas, se pergunta a respeito da reação dos moradores de Dogville, perante
a demonstração de bondade absoluta de Grace (Mel Lisboa): “Como os moradores
daquela cidade aparentemente tão simples e tão generosos poderiam ter cometido
tantas atrocidades a uma forasteira que ofereceu-lhes apenas o que tinha de
melhor?”
São os mistérios da alma humana, o seu
medo, a sua mesquinhez!
Com cenário de Bruno Anselmo e uma equipe
cenográfica de fazer inveja a qualquer produção, temos a iluminação de Fran
Barros conseguindo recursos jamais vistos em teatro, sua luz é uma mistura de
pincel artístico e reações flu de cores esmaecidas, estabelecendo novidade cênica. Os figurinos de João Pimenta
possuem sofisticação descontraída, mostrando as possibilidades de movimento dos
rústicos personagens. Há cores desmaiadas, em contraste com o marrom e o vinho
do figurino da protagonista Mel Lisboa, atriz que retorna, em boa hora, aos nossos palcos.
“Dogville” é um espetáculo bem cuidado, em
seus mínimos detalhes. A música de Fernanda Maia acentua, sem exageros, a
dramaticidade da historia a ser contada. Produção musical de Leo Versolato. O
visagismo de Wanderley Nunes é um dos responsáveis pela estranheza visual dos
habitantes de Dogville. E, à propósito: há a presença sonora (e irrecusável...)
da “espécie animal” que dá nome à cidadezinha. O Dog é o único ser normal, nesta
historia!
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