Cenários que se transformam em altares; Salas de jantar... Alcovas! Claro Escuro Expressionista! Mistérios! |
Gustavo Damasceno/Orgon, submetido à Bíblia! |
Cenário de "Um Tartufo", execução de Bel Lobo e Bruce Gomlevisky. |
Elenco de "Um Tartufo". Ao centro Yasmin Gomlevsky -Tartufo - (Fotos Dalton Valerio e Manu Tasca). |
IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro –
AICT)
(Especial)
UM TARTUFO
O teatro carioca passa por um reencontro dos
espetáculos
premiados, sucesso esse que alguns espectadores não tiveram
ocasião de presenciar anteriormente. Agora “Um Tartufo”
volta aos palcos, dessa vez no Maison de France, onde
se
destaca a criação de Bruce Gomlevisky para um texto de
Molière.
Trata-se de um espetáculo dos mais surpreendentes, em
relação
ao texto e à sua proposta.
Devemos frisar que a presente historia da peça Tartufo
é contada – e
compreendida - sem uma palavra do
texto a ser proferida. Temos,
em cena, a invasão de um falso religioso cujo desígnio
é tirar proveito
dos ingênuos que o cercam e, sendo eles ricos, melhor
ainda.
O texto de Molière destaca os maus sentimentos de um homem
de Deus:
ou assim autointitulado. Para nós, e para o autor, Tartufo
tornou-se
sinônimo de hipocrisia, um substantivo masculino!
Tanta vilania da parte de Tartufo podemos testemunhar durante
os acontecimentos que se seguem na casa de Orgon (interpretado
lindamente por Gustavo Damasceno, um ator que
acompanha
Gomlevski em várias de suas montagens). Orgon é um rico
pai
de família que recebe o religioso em seu lar. O rico burguês
tornou-se um fanático religioso, apaixonado pelos poderes e pelos
conselhos de Tartufo, e desdenhando as advertências da
esposa,
filho e agregados, que suspeitam da falsidade do homem
de Deus.
Aos poucos, mesmo para quem, na plateia, não domina o contexto
dessa peça de Molière, as intenções do mau religioso
vão se tornando
evidentes.
É aí que o diretor mostra-se genial, ao apresentar os
recursos
que tornam claras as intensões de Tartufo. O
religioso, quando
contrariado, brande
a sua sineta e bale, como as ovelhas, dirigindo-se
a elas, seus devotos. Ele as considera ovelhas encerradas
em seu
aprisco. Tartufo é interpretado por Yasmin Gomlevski,
e fazer
uma mulher interpretar um canalha joga com a
compreensão
profunda e a sutileza que o “sexo frágil” possui.
Yasmin está perfeita,
em sua interpretação de Tartufo!
E, ao mesmo tempo que o diretor vai testando as
possibilidades
expressionistas do espetáculo, de quebra ele vai expondo as
possibilidades de sedução de um hipócrita, em relação
às mulheres
da casa burguesa, subvertendo a ordem aparente. E, de
recurso
em recurso, o diretor vai imaginando brilhantes situações
e
desempenhos para seus atores.
As cenas ocorrem
de maneira tão perversa em relação a Tartufo,
que não haverá dúvida, mesmo para uma plateia que não
conheça
o texto (o que não é o caso do público do Maison de
France), pode
compreendê-lo.
A estética expressionista do espetáculo fala por si.
Trata-se de
uma postura sofisticada, que é revestida pela
competência de
um ritmo inovador. No caso, não seria exagerado dizer
que ele
lembra o cinema mudo de Murnau, porém ultrapassa os
recursos do cineasta! O que vemos no palco, além da música que sublinha a ação,
e a iluminação, os figurinos e a maquiagem que compartilham
dessa
estética, podemos perceber uma determinação da direção
em ultrapassar
as peripécias e maldades burguesas da sociedade de Tartufo,
expandindo
as intensões de Molière. No caso, podemos
imaginar o que os
“puristas” do tempo de Molière pensariam das
alterações de
Gomlevski, e com certeza bons protestos e debates
acalorados
surgiriam (parece que foi pior, veio a censura
religiosa!). Em todo
caso, Gomlevski se dirige aos nossos tempos, buscando
uma
conjuntura que sinaliza os perigos do atual fanatismo,
no qual
os religiosos não são somente fanáticos da religião! É
ver para crer!
No elenco, além do já citados Gustavo Damasceno e
Yasmin
Gomlevski temos Nuaj Del Fiot, artista visual e
performática,
que transmite os sentimentos de Mariane, noiva de
Valère
(interpretado por Gustavo Luz). Há a bela Madame
Elmira,
talvez uma das interpretações mais marcantes, com o
seu
cachorrinho interpretado por ela, ao mesmo tempo que
se
encarrega do tempo de sedução para dominar o mau homem
da religião. A propósito, Elmira (interpretada pela
ótima Patrícia Callai),
se encarrega de desmascarar Tartufo para seu marido
Orgon.
O diretor destacou oito personagens, dos quinze que
compõe o elenco,
havendo, no lugar de um policial, uma dupla... (deixemos
a surpresa para
quem vai assistir “Um Tartufo”). A soubrette de Molière
é um homem,
interpretado por Thiago Guerrante, que tem cenas “estouvadas”
e outras até
de certa beleza, como a das plumas que, atiradas por
ele, voam para aos
braços de Mariane, que está infeliz por causa das
artimanhas de Tartufo
querendo casar com ela, que ama Valère. No Tartufo de
Gomlevski as
coisas não se
resolvem como no tempo de Molière, tempo no qual o final
feliz era recomendação do Rei Louis XIV.
Temos o filho de Orgon, Damis, interpretado por Felipe
de Barros. Aliás,
todos os atores de Gomlevski são excelentes e cumprem
com o difícil papel
de interpretar emoções através de gestos precisos e contraídos.
Ricardo
Lopes representa o Estrangeiro, o homem com o olhar
crítico. Ele é
Cleanto, que introduz, versão
Gomlensky, outras crenças religiosas além
da Ocidental.
Mas sem fanatismos. Seu personagem é interessante e faz pensar.
O já citado Felipe de Barros, que interpreta Damis, filho de Orgon, sofre o
desamor e a descrença
de seu pai a tal ponto que chega a ser deserdado, em
favor de Tartufo, só
porque o rapaz quer alertar o pai a respeito do
hipócrita! Mas isso nós já
sabemos.
Temos neste espetáculo um momento histórico a ser destacado,
e
transmitido a gerações! Talvez filmá-lo? É impressionante
a submissão
decorrente da dominação. Devemos assistir “Um Tartufo”
como o caminho da Historia do Homem – um conflito perpetuo!
Até quando?
E agora a belíssima ficha técnica. Temos a impressão
de que a preparação
gestual foi um trabalho de grupo: criação coletiva e
individual. A música
desconhecida e atuante
é do compositor esloveno Borut Krzisnik, afamado
em seu país. A Luz é dada por Elisa Tandeta. Bravos!
Figurinos de
imaginação soberba e eficaz de Marina Duarte. A
Caracterização, trabalho
poderoso, é de
Mona Magalhães. Assistente de Direção: Luiza Espíndola.
Assessoria de Imprensa João Pontes e Stella Stephani. A
Cia. Esplendor
completa 10 anos, com espetáculos relevantes e belo
teatro. Parabéns!
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Antes da frescura que se transformou o computador eu podia mandar minhas críticas para quem eu quisesse. Agora não me correspondo mais com os leitores. Acho que vou mandar pelo Correio!
ResponderExcluirEstá bem, agora! Fico admirada com a "gaúcha" quando ela se irrita! ( a gaúcha sou eu...)
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