CRITICA TEATRAL
IDA VICENZIA FLORES
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT)
(Especial)
Em temporada até
dia 16 de dezembro, no Solar de Botafogo, “Lar Longe Lar”, uma comédia dramática a respeito da imigração
de uma família judia vinda da Polônia, nos anos 30, que escolhe o Rio de
Janeiro para escapar do furacão nazista que se aproxima. Escrita pela
dramaturga Miriam Halfim, é um relato verídico de acontecimentos que
antecederam a II Guerra Mundial, com um ramo de sua família, cuja tia, Berta
Loran, muito menina ainda, era uma das refugiadas. “Lar Longe Lar” é dirigida, com precisão e sensibilidade, por Gilberto Gawronski, que trabalha cinco atores vindos de
experiências e escolas as mais e variadas: a atriz que
faz Helena, a mãe (Raquel Tamaio), é formada pela EAD, de São Paulo e trabalhou
como atriz e orientadora no grupo de Cacá Carvalho e Roberto Bacci (da
Fondatione Pontedera de Teatro), em São Paulo. Rafael
Frazão é oriundo da CAL/RJ, e interpreta o primo Efraim, que reside em Buenos Aires , e o patriarca Arão, morador de Varsóvia.
Frazão consegue um bom rendimento na dupla interpretação. Como a peça é um
vai-e-vem entre Brasil e Polônia, há boas ocasiões para ele demonstrar seu
talento. Nina Reis, que interpreta Berta (a própria Berta Loran), é uma atriz que possui grande carisma e
consegue transmitir, sem dramas, esse viver no “fio da navalha” que é relatado
na peça.
Os primeiros contatos de Berta em sua nova
pátria, o Brasil, já apontam para uma carreira de sucesso da própria Berta
Loran, no teatro. Ainda que estes contatos tenham se iniciado no teatro amador,
ainda que muito menina, seu futuro está traçado. José de Ipanema interpreta o
pai de Berta, José, um apaixonado pelo teatro, que inicia a filha na carreira.
Há ainda o irmão menor, Manuel, interpretado com entusiasmo por Thiago Freire,
e o filho Simão, o mais juisch de todos, tem Diego Araujo a dar-lhe vida. Neste
“meio de campo” entre a tragédia e a ação cômica, os cinco atores conseguem
equilibrar o que poderia ser um angustiante relato.
A autora Miriam Halfim, com o vai-e-vem
que deu à sua narrativa, consegue prender o público e fazê-lo torcer para que
tudo dê certo. Há, entre os membros da família, pessoas que acreditam na
tragédia iminente, e outras que relutam em aceitar o pesadelo que envolveria a
Europa. A ação constante faz-nos entrar naquele período de triste lembrança,
porém não há o habitual clima negativo envolvendo o relato. Ilustrando a ação,
estão os bem desenhados do perfil da “mãe judia”, do marido amoroso, e das
rusgas por amor, que se aprofundam e podem ser trágicas, naquele povo que se
tornou unido pela esperança e desamparo. Aliás, a esperança é o tema dominante,
na historia que ouvimos contar. Complementando o texto de Halfim, o cenário e
figurinos de Ney Madeira, Dani Vital e Pati Faedo acentuam o toque de realidade
do texto. As inscrições em hebraico - marcas de um povo – acentuadas pelas
“passagens” do cenário, com seus planos
diferenciados para localizar o país, e o tempo em que se passa a ação,
tornaram-se excelentes recursos para reforçar a dinâmica do texto. A luz de
Paulo César Medeiros complementa os ambientes, e a trilha sonora de Warley
Goulart dá vida à época dos acontecimentos. As músicas são trechos de
interpretações de Carlos Gardel (quando José visita seu primo e tenta se
estabelecer em Buenos
Aires ), ou em visita
ao Rio de Janeiro, destacada a região por trechos de músicas na voz de
Francisco Alves, Vicente Celestino, ou Carmem Miranda, entre outros. E, para
nossa surpresa, encerrando o espetáculo, a interpretação da famosa canção brasileira,
“Asa Branca” em hebraico!
Podemos considerar o texto de Miriam
Halfim como uma volta “ao contrário” do que aconteceu com Anne Frank e seus
familiares, na Holanda. Os que ficaram na Polônia, no texto de Halfim, foram o
patriarca Arão e o filho mais velho de Helena e João, Simão (interpretado por
Diego Araujo) e sua esposa e filho (eles só são citados, na historia), que não
tiveram a mesma chance. Os cinco atores formam hoje (salvo engano) o grupo
“Poeira de Teatro”. Eles trazem, para o espetáculo, além do adequado phisique du rôle, a correta compreensão
do núcleo familiar tão específico como é o da “família judia”. Às vezes ficamos
com a sensação de que estamos vendo, em teatro, o que Woody Allen nos deu, no
cinema, ou seja, essa maneira muito específica de se relacionar, que os judeus
possuem. Embora transmitidos com naturalidade, os sentimentos exacerbados desse
povo causam estranheza e divertem os “goys”.
Interessante entrar nesse mundo de
verdades estabelecidas e amores solidários. É uma lição de solidariedade
familiar, embora, no presente, este sentimento esteja deturpado, em relação a alguns grupos
humanos. Mesmo assim, vale a pena assistir a este espetáculo, para lembrar que
os bons sentimentos do passado estão aí, no teatro, e podem voltar ao mundo
real, a qualquer momento: a guerra foi, e sempre será, o flagelo da humanidade.
“Lar Longe Lar” é uma história difícil de contar, na qual se misturam aspectos
sociológicos e políticos que não podem ser esquecidos. Aconselha-se veementemente
dar uma conferida neste espetáculo.
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