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quarta-feira, 28 de maio de 2014

UMA PILHA DE PRATOS NA COZINHA

A partir da direita: Rodrigo Rosado (Julio); Silvana D'Lacoc (Cris); Lozano Raia (Breno) e Akin Garragar (Daniel), direção Alexandre Borges.

IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

Dessa vez trata-se de uma experiência temerosa. Fazer teatro com um texto - limite como esse "Uma pilha de Pratos na Cozinha", de Mário Bortolotto (que de trivial só tem o título), é uma aventura. Quando Rodrigo Rosado e Silvana D'Lacoc convidaram Alexandre Borges para dirigi-los, os três já sabiam que estavam fazendo um "teatro de garagem", mal-educado, anti-convencional. Acertaram. O texto de Bortolotto soa estranho, e agrada a um público muito especial: os pesquisadores da alma humana.
Há quatro personagens nesse sub-mundo: o pianista Daniel (interpretado por Akin Carragar), que parece ser o mais estruturado. Ele, ao menos, exerce uma profissão, tem um dom e a alma sensível. Os outros três, talvez pela descrença (Julio), pela ação das drogas, ou talvez pela curiosidade, Cris (Silvana L'Dacoc), e Breno, o síndico desse sub-mundo (Lozano Raia).
Julio (interpretado por Rodrigo Rosado), parece ter ficado assim, "o gato de apartamento olhando pela janela" depois de uma desilusão amorosa. A culpada é a Cris... Irônico, ele aconselha ao ex-amor a ser mais "pragmática" ao falar, porque, afinal, ela possui uma formação universitária.
Aliás, essa interpolação de palavras cultas com palavras chulas é muito bom. Daniel: "é inerente ao seu caráter sardônico", referindo-se às ironias de Julio. A "misoginia" também é citada. Cris, a mulher, sofre desbragadamente, e não tem nenhum "super ego" incomodando-a. O "fazer a mulher sofrer", talvez seja uma característica da personalidade do autor. Talvez um misógino? O fato é que todos os personagens "sofrem desbragadamente".
Enfim, o jogo de cena está muito bem armado pelo diretor Alexandre Borges e a cenógrafa Daniele Geammal. Um palco nu, um ator solitário, um compasso monocórdio. De repente, estoura a música e o espaço vira cena. Esse ritmo de rock, agitado, Borges conseguiu de seus atores, passando para o público o teatro de Bortolotto. Ótima direção.
O autor não julga, ele apenas atira questões aos expectadores. Há frases que fazem pensar, como a de Julio (Rodrigo Rosado): "O medo é o segundo estágio [...], para ter medo eu preciso ter interesse". Essa conclusão serve para qualquer experiência humana. No caso, foi a respeito de um papo sobre homossexualismo. Quem fica com o clichê é o síndico homossexual enrustido, Breno, interpretado com entrega por Lozano Raia. Todos são desesperados. "Encarando a morte", como diz Cris.
É bom assistir "Uma pilha de pratos...". Encontramos um texto inteligente, com várias referências, inclusive musicais (estilo do autor),.e uma grossura que certamente vai ferir os mais delicados. Há também um humor sombrio. O público precisa saber o que está fazendo, ao escolher um texto de Bortolotto para assistir.
A luz de Aurélio di Simoni não é poética. Sua luz é às vezes velada, às vezes aberta: direta e certeira como o texto. Nos figurinos (essa maneira Praça Roosevelt de ser), Daniele Geammal; Cenotécnico e Pintura de Arte, Renato Marques; Assessoria de Imprensa: Minas de Ideias; Idealização: Rodrigo Rosado e Silvana D' Lacoc.
Embora aflitivo, esse teatro é bom. E é bom ver bom teatro!


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