Elenco de "INCÊNDIOS": |
IDA VICENZIA
(da Associação Internacional
de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)
"A
gente constrói a historia em cima de outras histórias". Saímos de
"Incêndios" com essa frase na cabeça. A peça constrói vários caminhos.
Desenvolveremos o caminho do amor. No caso de "Incêndios", peça do
libanês Wajdi Mouawad, dirigida por Aderbal Freire Filho (tradução de Ângela Leite
Lopes), vemos representada a força do amor - e as consequências da sua falta.
Sempre
que surge alguém querendo preservar os valores humanos é logo transformado em lenda,
como se a bondade e a boa vontade não fizessem parte do mundo "real".
Esse é o caso de Nawal (magnífica interpretação de Marieta Severo), transformada
na mítica "Mulher que Canta". A humanidade, para sobreviver, necessita
de Mitos. No caso de Nawal, a sua voz contra o desamor é transformada em
silêncio, e sua passagem pelo mundo em mistério mítico.
Como
o autor não está interessado em fazer nenhum estudo sobre a ambição humana, ele
poetiza os acontecimentos (a poesia nem sempre fala de coisas belas), dando ao
público o resultado terrível da ambição funesta. Talvez o mais aterrorizante
seja aquele filho do deserto (Julio Machado, também magnífico) ... aliás, achamos
que este adjetivo vai aparecer inúmeras vezes neste espaço... Nihad, o segundo elemento
dessa tragédia do amor, mostra como a sua perturbada sensibilidade de artista
assimila a cultura do opressor e a sedução do mal. Estamos nos referindo à arte
agressiva dos "Senhores do Norte", e seus reflexos. Por exemplo: os
acordes da guitarra assassina de Nihad.
É
tudo tão espantoso, tão forte, neste espetáculo, que temos a bendita sensação de
estar na presença do teatro puro, daquela perfeição que transfigura o ator. O desempenho dos atores é de uma entrega absoluta: a mãe rancorosa que não tem consciência do
seu ódio; a generosa avó, que ensina o caminho a Nawal, depois que o "incêndio"
estoura em seu peito (a proibição de amar seu filho); ou a parteira, cuja
intervenção na historia impulsiona a tragédia. Todas elas representadas por
Fabianna de Mello e Souza, uma surpresa de atriz e seu poder de transformação.Felipe
de Carolis e Keli Freitas, os gêmeos Simon e Jeanne, tão jovens, possuem uma
experiência de cena acèss rare.
Kelzy
Ecard e Isaac Brenat. Kelzy
representa Sawda, em sua vontade de crescer, de conhecer um mundo melhor. Isaac,
e seus diversos personagens fazem uma mutação de cena impressionante. Marcio
Vito, ator carismático, é também uma surpresa como Hemili Lebel, inventariante
e amigo de Nawal. É atribuído a seu personagem a ligação entre as três
histórias, paralelas que compõem a cena.
Aderbal
Freire Filho, com o material talentoso que teve em mãos, construiu o que talvez
seja o melhor espetáculo de sua carreira. Nada como a maturidade unida a um
texto excitante, duro e concreto como a própria vida. Tempos e momentos se
entrecruzam, e o autor nos conduz, com segurança, em seu relato construído sob as regras do
teatro contemporâneo. Trata-se de uma narrativa levada ao público em duas
horas. E poderia durar mais. Não sentimos o tempo passar, tal o envolvimento
com a trama proposta por Maouwad. A cada momento uma revelação, no mais
tradicional estilo trágico. E, no entanto, o desenvolvimento do texto, e da
cena, mostram a mais contemporânea das linguagens.
Traduzida
para o nosso momento, essa tragédia nos parece violenta, mas o mundo em que
vivemos é violento. Trata-se de uma narrativa atual, onde reina no mundo o
demoníaco império das armas. Eis o comercio que ensanguenta o mundo e dissemina
o ódio. Ter uma arma nas mãos, como se sabe, é ter um poder irrefreável.
A
ficha técnica nos traz Marcia Rubin controlando os movimentos: garantia de cena
bem produzida. A luz aberta e reveladora em seus tons
dramáticos é de Luiz Paulo Nenen. Cenário e objetos de cena de
Fernando Mello da Costa, que sempre nos traz belos trabalhos criativos.
No
continente, e no país em que vivem os personagens, a linguagem simbólica é
importante, daí os símbolos refletidos nos objetos de Fernando. Os figurinos de
Antonio Medeiros falam através dos personagens. Trilha sonora de Tato Taborda.
Visagismo, Lu de Morais. As perucas de Emi Sato são responsáveis pela desconcertante
e rápida mudança de personagens, principalmente no caso de Isaac Bernat.
Assistência de direção Fernando Philbert. Trata-se de um trabalho enxuto, no
qual a direção dos atores e a técnica cênica estão em profunda comunicação.
Direção de Produção: Maria Siman. Produção Executiva: Luciano Marcelo.
Aconselha-se calorosamente.
Oi Ida, quando vi essa peça, no ano passado, você estava no Sul. Quando saí do teatro, às lágrimas, encontrei o Aderbal e dei um abraço nele (apesar de ele não me conhecer). Fiquei fascinada com a montagem, as interpretações, a direção, tudo. É magnífica! Beijos. Saudades.
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