"A Dama do Mar", de Henrik Ibsen, dirigida por Paulo de Moraes (foto Vanessa Cardoso) |
IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)
A DAMA DO MAR
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)
A DAMA DO MAR
Em
cartaz no Teatro Laura Alvim "A Dama do Mar", da fase simbolista de
Henrik Ibsen. O diretor Paulo de Moraes capturou o sofrimento da
"Dama", em sua tentativa de sobreviver a um naufrágio do espírito.
Nesta releitura de Ibsen, Moraes resistiu à tentação de acrescentar, como
costuma acontecer em encenações desta peça, pirotecnias que fazem distrair a
fala do autor. É verdade que Moraes não se negou a cenas de impacto, porém, na versão
de Maurício Arruda Mendonça, a solução narrativa não se perdeu. Como de hábito,
Paulo de Moraes abrigou, no cenário por ele criado, um espaço para a excitação
visual (a representação do mar). Essa é uma representação bem sucedida, que não
interfere na vida cotidiana da família Wangel, pois é passada na recordação da Dama.
A
peça trata, essencialmente, de libertação. É através da personagem de Élida, a
Dama do Mar, que o autor desenvolve seu tema preferido: dependência e
libertação. Há, no relacionamento de Élida com Wangel, o marido, a marca da
dependência e da loucura. Essa dependência é mostrada principalmente através do relacionamento de Élida com o
personagem Estrangeiro. Élida declara que não pode olhar em seus olhos. Ela
teme, e ao mesmo tempo é fascinada por esta personagem que a liga ao Mar. É como
se uma estranha energia a comandasse. A Dama "pertence" ao Estrangeiro,
e Ibsen concretiza este "pertencimento" através da união dos dois
pela água, em uma cena muito bem sucedida, na criação de Moraes.
Para
Élida, este é o mistério que a tudo transforma: e que a faz declarar "eu
costumava ser o Mar e sempre voltar ao começo de tudo, mas aos poucos foram me
aterrando, me afastando". Este afastamento é o momento mágico da peça. O
autor insinua, de maneira sutil, nesta fala de Élida, a passagem do homem de seu habitat natural, a água, para se transformar, ainda na forma de um réptil, em um
habitante da Terra.
A
história se passa na intimidade da família Wangel, e dos acontecimentos que a estremecem,
sendo o principal a transformação da "Dama do Mar" (é assim que as filhas
de Wangel a chamam), em uma criatura amorosa. Este médico viúvo se casou com
Élida por amor, e é este envolvimento de amor que proporciona a liberdade de escolha
da Dama. Finalmente ela descobre que o Estrangeiro não interfere mais em seu caminho.
Esta
é a visão geral do que é narrado. É preciso compreender o que levou Ibsen a contar esta história que é também a historia da
evolução da burguesia. Os personagens femininos de Ibsen sempre dão um passo a mais
nesta evolução. O livre arbítrio de Élida estabelece a mudança.
A
atriz Tânia Pires está convincente no papel da "Dama". Ela possui uma
"aquosidade" no olhar que a transforma em um ser "do mar". Seus
gestos, indecisos, oscilam entre sentimentos opostos. A atriz passa muito bem
para o público a angustia de Élida. Aliás, os personagens de Ibsen, em geral, e
principalmente nesta peça, oscilam entre "fantasias inquietantes" e a
realidade. Essa fantasia é também vivida pelo jovem Lyngstrand (Leonardo
Hinckel), que desconhece a sua precária situação de saúde e insiste em projetos
artísticos. Leonardo se coloca em uma posição bem definida entre o jovem
ambicioso, e seu cândido egoísmo. Ele quer ser um escultor famoso. E aqui observamos,
que nas peças de Ibsen, há sempre uma alusão à escultura como representação da
vida. Lynstrand quer esculpir, mas, curiosamente, sua proposta é uma
representação da morte.
A
Dama busca o amor e o acolhimento da família, na qual ela se sente uma
estrangeira. Wangel, o marido, interpretado por Zeca Cenovicz, mostra a
aceitação (e resignação) do amor. Ele é a pessoa forte, o representante do homem.
Cenovicz está adequado ao personagem. O "Estrangeiro" de João Vitti
acumula momentos de sedução e agressividade com precisão assustadora. As duas irmãs, Bollete e Hilda, filhas de
Wangel, interpretadas por Renata Guida e Andressa Lameu, permanecem (quais
personagens de Tchecov) sonhando em abandonar o fjord e "viver a vida",
coisa que jamais farão. Ambas resolvem seus problemas de maneira prática e
alegre. Ao declararem seu amor pela madrasta, eliminam a sensação de exclusão
que atormentava Élida. A propósito, os figurinos das irmãs (de Carol Lobato), acrescentam
uma colocação temporal de moças bem educadas às duas irmãs. Bem ao estilo século
XIX, elas não possuem rebeldia ou agressividade. Quero significar com isso que
o texto e a indumentária foram respeitados. O professor Arnon (Joelson Medeiros)
representa uma opção de futuro para as meninas, uma libertação dos fjordes,
porém ele jamais alcançara o seu desejo.
Maneco
Quinderé é o responsável pelas delicadas mudanças de luz entre o real e o
simbólico. O texto de Ibsen mostra-se atual, e pode conduzir o público a um
entendimento do autor. A trilha sonora original é de Ricco Viana. Há algumas
fragilidades na narrativa cênica, é desnecessário, por exemplo, aquele aquário,
representando para as irmãs os habitantes da água. A idéia é boa, porém
chocante (talvez esta seja a intenção do diretor/cenógrafo). Na verdade,
encenar Ibsen não é uma fácil missão. Devemos aplaudir esta iniciativa
agradável.
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