Julainne Trevisol e Amanda Vides Veras em "Uma Vida Boa", direção
de Diogo Liberano (foto Paula Mello) |
IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro -
AICT)
(Especial)
Como
dizia o nosso Paschoal Carlos Magno "teatro é humildade". O papel do
crítico também "é um ato de humildade", e incensar um espetáculo não
deveria incentivar vaidades. "La
critique est l'art d'aimer", e o olhar cansado desta
crítica se detém, no caso de "Uma Vida Boa", na esperança de algo
diferente. E encontra vida, fúria, loucura e humildade no texto, refletindo o
humano. Os sentimentos primordiais nos levam a enfrentar o nosso "outro
lado", o lado cruel que nos habita. É aí que reside o verdadeiro teatro.
Em "Uma Vida Boa", ou em "Sinfonia Sonho", uma
"inominável" caixa de segredos nos é desvendada pelo diretor Diogo
Liberano.
Na
peça criticada somos apresentados a uma atriz. Ela se chama Amanda Vides Veras,
que, interpretando B, o menino/menina, nos enche de ternura. Este sentimento,
combinado com o ódio que nos desperta a testosterona em excesso do personagem
de Daniel Chagas (que é uma doce criatura, conforme nos revela nos aplausos
finais), e Julianne Trevisol, uma promessa de atriz que entende e ama aquele
ser diferente. Na verdade, a peça é o retrato de um acontecimento real, um
assassinato que assombrou o mundo, comprovando que o "outro", o
diferente, provoca ódio. Nesta historia toda, Diogo Liberano faz questão de nos
levar pela mão para caminhos que negamos, ou não queremos lembrar que existem.
Temos a sensação de nos tornar melhores. Enfim, esta é a finalidade da arte. Sim,
os massacres existem ("Sinfonia Sonho"), a fúria e a bestialidade
também existem, e estão hospedados em "Uma Vida Boa". E, de repente,
estamos amando (e odiando) os personagens fictícios (ou reais), que já fazem
parte de nossas vidas.
Os
três atores são convincentes, e possuem uma técnica apurada. Meninos
"também" choram, e passam do pranto ao riso. A tristeza do personagem
B está em controle profundo; o menino sabe esconder a sua historia. Atores,
dizem, são seres perigosos, com a sua "aura" e a sua técnica. No caso
de Amanda, a voz e a postura feminina, quase infantil, apresentada quando se
dirige ao público no final, é surpreendente. A sua mudança de atriz/menina para
um rapaz, no palco, é também credenciada a João Pedro Madureira, com a direção
de movimento, e a Verônica Machado com o seu trabalho de voz. Trata-se de um trio
de grande qualidade.
A
trajetória do transexual é narrada com modernidade teatral. As mudanças de
espaço e tempo são interpretadas como acontecimentos reais. Mas devemos ficar
atentos a estas mudanças, pois vemos surgir, nas ruelas escuras de nossa
imaginação, e nas barras das prisões, a menina "cuja alma está em
desacordo com o seu corpo". Essas aparições nos transportam ao encontro
final das duas meninas. Trata-se de algo simbólico. Um gramado é projetado em espaço
ilusório, como se, para elas, houvesse futuro. E, finalmente, o assassinato de
B. Este é o último olhar no drama. O cenário de Brunella Provvidente, e a
iluminação de Daniela Sanchez nos transportam, assim como a trilha sonora de
Diogo Ahmed Pereira, para os locais onde a trama se desenvolve.
No
início do espetáculo nos deparamos com algo que se tornou a marca registrada do
diretor. Através de molduras e transparências iluminadas com cores vibrantes, há
a apresentação dos atores, que, com emoção contida, estabelecem o clima que
virá depois. Quem viu o filme "Meninos não choram" nunca poderá
imaginar o espetáculo do Centro Cultural da Justiça Federal. O cinema tem as suas
limitações...
Finalizo
com a frase do autor Rafael Primot: "As
pessoas mentem, matam e se transformam em outras para esconder segredos e seus desejos.
E a vida pode ser muito mais simples que isso - e muito menos dolorosa também.
Então é preciso aceitar nossa pluralidade como seres humanos".
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