Jaderson Fialho (Carlos), Ivone Hoffmann (Dona Saudade), Brígida Menegatti (Luisa), Fabio Cardoso ( Vicente), Isabella Dionísio (Maria Isabel), em "Dona Saudade", direção de Camila Amado. |
DONA SAUDADE
Ida Vicenzia
(da Associação Internacional de Criticos de Teatro - AICT)
(Especial)
É
sempre interessante perceber a escola européia influenciar nossos autores. Desta
vez é o jovem Bernardo Florim, dramaturgo várias vezes premiado, que nos
apresenta, em pleno século XXI, uma das mais belas peças simbolistas vistas
ultimamente. A ação se passa junto ao mar (a atração do mar) e mulheres
solitárias, fantasmas e jovens apaixonados convivem com a mesma emoção: a solidão.
Com exceção de Maria Isabel (Isabella Dionísio), que percebe a vida com emoção
e alegria. Recente estreia no Teatro III do Centro Cultural do Banco do Brasil., "Dona
Saudade" merece uma visita do público.
Em
um espaço aberto (cenografia de Doris Rolemberg), à direita de quem
entra na despojada arena teatral há um telão, projetando o nascer do sol. Há várias
interpretações para este alvorecer, ficamos com a beleza do
espetáculo da natureza. Este é o primeiro símbolo identificado. Dona Saudade
(Ivone Hoffmann) surge na cena com uma expressão angustiada. Aos poucos o clima
vai se adensando, e o público reconhece o motivo de tanto sofrimento: Dona
Saudade pensa na filha morta.
Seu
sofrimento é povoado de reminiscências do passado, mas também o presente interage,
estabelecendo um jogo poético. A filha Luisa (interpretada com intensidade por
Brígida Menegatti), alterna momentos de rebeldia e fuga, e seu retorno vive sempre na imaginação
da mãe. Luisa está presente, viva ou morta, na recordação dos vivos. Certamente o autor, que deixou livre para a crítica o espaço da interpretação, não esperava uma visão simbolista "maeterlinckiana" para a sua obra. No entanto, o
tráfego espiritual que ronda a ação nos faz lembrar os cânones
simbolistas.
O
presente é reconhecido pela intervenção de Carlos (Jaderson Fialho), na qual o
constante diálogo com Dona Saudade vai inspirar-lhe a escrita. Há também o
jovem Vicente, que procura vestígios do túmulo da mãe morta (Luisa). E sempre a
menina Maria Isabel, tentando ser livre e acreditando na vida. O autor, como já foi mencionado, deixa
explicito no programa qual a sua intenção ao escrever esta peça, mas deixa o
terreno livre para quem quiser refletir sobre ela. Com efeito, pode haver vários olhares para o que ocorre em cena.
"Dona Saudade" é uma
pequena joia, na qual os amantes da delicadeza encontrarão motivos de júbilo. Há mortos que retornam (inesquecível a cena em que
Luisa morta se confronta com Carlos. O olhar distante da morta parece
reconhecer algo do passado), há coisas não ditas que aos poucos vão sendo desvendadas. E a motivação da filha em sua procura por uma vida nova vai transformar a mãe, afetada pela tristeza do abandono. Ivone Hoffmann comunica a emoção, a tristeza e a indignação pelo abandono. Seu
desempenho é algo a registrar.
A
luz de Luiz Paulo Nenen e a cenografia de Rollemberg ampliam o espaço cênico,
limitado, do Teatro III. A direção de movimento é de Rafaela Amado. A música,
de Marcelo Alonso Neves, é responsável pelo clima onírico da peça (prometemos,
da próxima vez, anotar as sutilezas musicais deste ótimo profissional). Há frases
(não musicais), desconexas no texto, como a citação da "filosofia que não
é para mortos, que não pensam em nada", surgida ao acaso, sem ligação com
o que acontece em cena, reforçando o "estilo Maeterlinck",
inconsciente, do autor. A diretora Camila Amado, que também é responsável pela
concepção do espetáculo, realizou um trabalho sensível, que aprofunda as possibilidades
do texto. O autor Bernardo Florim foi premiado três vezes pela Seleção Brasil
em Cena, do CCBB. No entanto, esta peça parece um reflorescer da fase
simbolista de Henrik Ibsen ou do estilo de Maurice Maeterlinck, o que a torna bastante
européia. Diz o autor de 21 anos que a escreveu tentando "romper a casca
(da família) que, tentando me proteger, apenas me separava do resto do mundo"
Está explicado.
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