IDA VICENZIA
(da Associação
Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)
É interessante parar um pouco com essa
correria de narrativas modernas e pós-modernas, do atual teatro carioca, e darmos atenção ao texto de João Bethencourt. Nesse "Tem um psicanalista na nossa
cama", em cartaz no Teatro Vannucci, a tal comédia
"bethencourtiana" (que obedece aos mais puros mecanismos do teatro de
situação), o autor consegue, em meio a soluções absurdas, colocar um pouco de
verdade na ação... e, pasme!, fazer o público pensar. Aliás, recurso encontrado
em várias de suas comédias, basta lembrar de "Bonifácio Bilhões", texto
em que ele encaixa momentos políticos brasileiros que estão sempre rondando o
nosso dia-a-dia, como a frase do FHC "esqueçam tudo o que escrevi no
passado", dito pelo burguês professor de economia política, interpretado
por José de Abreu... Em "Tem um psi..." o autor faz uma brincadeira
com a psicanálise.
Bethencourt continua, descaradamente, a ser
o verborrágico de sempre, obrigando a seus atores a se sobrecarregarem de
texto, com pulmões - e memória - dedicados a medir a sua capacidade, na medida
em que as frases são descarregadas sobre o público. Às vezes tal "voragem
argumentativa" (pleonasmo para significar excesso), refreia até uma
possível comicidade da cena. Entretanto...
Em alguns casos, como o do psicanalista, interpretado
de maneira convincente por Cristiano Gualda, o autor chega a nos mostrar a sua antiga verve, ao fazer
o psicanalista ficar escutando as maluquices das outras pessoas, e demonstrar
que tal fato pode ajudá-las. Sim, Bethencourt acaba nos convencendo disso. O
seu "psi" sustenta que a paciente, ao ser confrontada com o marido,
encontra-se "em fase de não retorno"
ao seu antigo estado de submissão (patética), ao casamento tradicional, graças à psicanálise!
O "plot", que envolve
(obsessivamente) brigas por ciúmes, e outros expedientes que costumam ocorrer entre
marido e mulher, agradará, ainda, à burguesia que assiste às suas peças? Talvez
sim, porque João não se contenta só em ser crítico e deixar a nu alguns defeitos
da burguesia, ele se compraz em desafiá-la.
Dirigida por Glaucia Rodrigues, e
interpretada pela excelente Solange Badin, como a esposa Dolores, a maluca
"ex-submissa" que confronta o marido Eduardo (interpretado pelo
não menos "desempenhado" Lucci Ferreira), que se considera "dono e senhor" da
situação, até que a situação se inverte. Isso também pode acontecer.
Bem, descontados alguns exageros dignos
deste João, um dramaturgo formado em Yale, que aprendeu da escola americana ,
entre outras coisas, a correria do time
cômico da terra do Tio Sam,
(Bethencourt já foi um dos mais encenados dramaturgos pelo mundo a fora),
pode-se acompanhar uma historia que, no fundo, graças à conclusão do
psicanalista e ao amor que une o casal, pode ser considerada uma "comédia
de costumes" atual, apesar de alguns exageros típicos de Bethencourt!
Mas Edmundo Lippi, na produção, e Glaucia Rodrigues, na direção, acreditam na
eficácia do texto de Bethencourt. Salvo alguns excessos dignos desse autor, fica o recado (alentador) sobre a psicanálise: Gualda,
com a sua personalidade de ator, transmite com ironia o único texto convincente da peça: o da crença do psicanalista em sua função.
Inadaptável à critica é a situação, absurda, que se constrói, durante o
encontro dos dois ex-colegas de escola, e o confronto que se estabelece a
seguir, quando o marido, Eduardo, invade o local (sagrado) do psicanalista: o
seu escritorio. Diga-se, de passagem, que a "cama" que, por sua vez, o psi acaba invadindo, é a consciência do casal. E o autor aproveita para advertir - em um texto que é
puro non
sense - sobre a verdadeira influência que a psicanálise pode oferecer a um
casamento em crise.
O
cenário de José Dias acompanha, de maneira convencional, as necessidades da
cena. E os figurinos, algumas vezes exagerados, como manda a personalidade da
"ex-madame", são de Colmar Diniz. Para o figurinista, Gualda e
Ferreira herdam um toque simples, convencional. Wagner Campos compõe a música, e faz a
direção musical do espetáculo. A iluminação, de Rogerio Wiltgen, não apresenta
maiores novidades, adequando-se à encenação.
Trata-se de um espetáculo "equilibrado",
que não traz nenhum dos "problemas psicológicos" que movimentam o
nosso tempo. Também não era essa a proposta. Mas, estranhamente, a autocrítica
(principalmente a de Dolores, a esposa ciumenta), traz o tormento da "consciência de
si", tão caro às "idiossincrasias" que habitam o relacionamento entre
marido e mulher, em nossos dias. Entretanto, como espetáculo, "Tem um psicanalista na nossa cama" é uma diversão sem maiores consequências. Vale pelos atores, e a direção segura.