Foto do elenco de "As Meninas", peça de teatro adaptada do romance de Lygia Fagundes Telles; adaptação, Maria Adelaide Amaral, direção Yara de Novaes. (Foto Priscila Prade) |
IDA VICENZIA
(da Associação
Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)
Sim, faz sentido montar AS MENINAS, agora.
Os jovens devem prestigiá-las, é bom que eles vejam o que realmente aconteceu
com os estudantes, na década de 70. Não foi
nada romântico, muito menos heroico, foi desalentador, e é de dar dor no
estômago ver essa historia contada agora. O Theatro Poeira, em seu pequeno
espaço, recebe um público jovem, em sua maioria da classe teatral. Enfim,
estamos falando para a nossa própria gente, quando deveríamos alcançar um
público muito maior. Esta peça deve ser apresentada em praça pública, meninas!
No
texto de Lygia Fagundes Telles, com adaptação para a cena teatral de Maria Adelaide
Amaral, fala-se na Operação Bandeirantes, a "OBAN" de triste memória,
financiada pelos empresários brasileiros (e pelo capital internacional), em
cujas masmorras se torturavam jovens que acreditavam em um Brasil independente.
Imaginem que naquela época não se podia pesquisar, os cientistas brasileiros
tinham que se abrigar em outros países, para poderem exercer as suas funções: o
Brasil da época exportava cérebros para o estrangeiro! E a carreira de
cientista social era proibida, perseguida, em seu próprio país! Uma das heroínas
da Lygia, justamente a que faz Ciências Sociais, é a que tem consciência do que
está acontecendo: ela representa aquela fração da juventude que acabou pegando
em armas, e que em sua maioria foi assassinada. Os tempos não estavam para
brincadeiras.
O OBAN, financiada pelo capital - brasileiro e internacional - era um porão
sórdido, bem no coração de São Paulo. Sim, havia outros centros de horror no
coração de São Paulo: como o soturno "DOPS", o "Departamento de
Ordem Política e Social", no qual os militares trucidavam a juventude
brasileira que acreditava na independência de seu país. A ditadura militar, de tão triste lembrança,
torturava jovens. É bom que os jovens de hoje, os que se querem idealistas, assistam
"As Meninas". É a derrocada final de uma geração. O espetáculo, tão necessário
neste momento, é encenado somente às terças e quartas feiras! É muito pouco
espaço: o tempo que ele relata foi um tempo que não deve ser repetido. Nunca
mais.
Dizem alguns que as "ideologias"
estão divididas, hoje em dia. Como assim?! Que os rebeldes extremistas de
esquerda são concentrados nos "blogs". Se isso é verdade, é nas redes
sociais que a juventude deve se manifestar. Mas há um engano: a internet abriga
todas as "ideologias", para o bem ou para o mal, mas talvez ela (a internet) consiga nos salvar dos tempos sombrios (que sonham em voltar).
Ser "ideológico" no bom sentido
é não querer ver os nossos jovens passarem pelo que passou a geração que hoje
está de cabelos grisalhos. Neste sentido, somos todos "ideológicos",
como queria Cazuza: "eu quero uma ideologia pra viver". É bom não
esquecer.
O texto de Maria Adelaide Amaral é denso,
entrecortado por momentos de humor, para dar "respiração" ao drama terrível.
A irmã do pensionato (Sandra Pera em um ótimo momento), e a
"mãezinha rica" -personagem de Clarisse Abujamra. A atriz devia se
soltar mais na cena da dança! pois, afinal, a "mãezinha" é uma mulher
"muito louca", apesar de - ou
por causa - ser uma paulistana "quatrocentona" -, sua personagem,
não esqueçamos, representa a repressão enraizada nas famílias "de
bem". Sandra e Clarisse dão sua contribuição (poderiam dar mais), provando que "os tempos
não mudam".
"As Meninas" está em cartaz
desde 2009. A diretora Yara de Novaes
justifica: "Denunciar abusos morais e políticos que imperaram no Brasil
obscuro do início dos anos 70, ainda faz-se necessário nesse 2015 de extremos
indecentes e aviltantes". Aqueles "anos 70" eram habitados por
pessoas que continuam as mesmas (não importa o tempo), e devem ser recordados,
sim, para os horrores não se repetirem. A juventude "que se quer engajada, hoje"
- deve assistir "As Meninas" e testemunhar uma desilusão. É Lygia Fagundes
Telles quem fala: "Enquanto escrevia esse romance, recebi um terrível
panfleto de um homem torturado pela ditadura descrevendo - até a morte, talvez
- todo o horror pelos quais ele passou (...) O panfleto aproveitei-o inteiro e,
através de Lia (a estudante de Ciências Sociais), criei essa circunstancia que
me pareceu ideal".
Com um cenário funcional
de André Cortez, a ação transcorre em sintonia com o drama. Os figurinos,
simples, sóbrios, de André e Fabio
Namatame, colaboram para a cena tensa e "descomplicada", ao mesmo
tempo, jogando com acerto os momentos do drama, seus altos e baixos, possibilitando
a sua "respiração".
Deixemos Lygia Fagundes Telles falar
novamente: "Escrevi emocionada esse romance "As Meninas",
publicado em 1973, durante a ditadura militar. Minha intenção era testemunhar
essa dura fase política do nosso país". São três meninas, colegas de
pensionato. Lia, estudante de Ciências Sociais, é a que mais se envolve com a
política estudantil e com a repressão. Ana Clara representa aquela facção de
juventude que se deixou envolver pelo desespero e as pelas drogas (eles foram
muitos). E a burguesa Lorena, a que sente "culpa e pena" pelo que
está acontecendo (diz o texto que esses sentimentos são os de quem se considera
superior, será?), porém só se preocupa com o amor que tem por um homem mais
velho.
A personagem mais sensata parece ser Lia,
a jovem cientista social. São três as atrizes: Clarissa
Rockenbach (pelo nome podemos identificar Ana Clara); Luciana Brites e Silvia Lourenço.
Há um ator convidado, ele preenche a necessidade do papel do homem jovem, nas circunstâncias
dadas, na historia de Lygia Fagundes Telles. Todos estes homens são representados
pelo ator convidado, Daniel Alvim, que cumpre com acerto a sua função.
Há músicas, e comentários musicais, tudo
iluminado por Juliana Santos. A direção do espetáculo é de Yara de Novaes. Damos
novamente a palavra a Yara: "Lygia
Fagundes Telles versa de A a Z sobre o que há de mais humano em nós, com
provocações filosóficas e estéticas sem comparação". Yara de Novaes
conseguiu superar o mal estar de uma época, e dar vida a algo inenarrável, sendo
ajudada, e ajudando, a Lygia e Maria
Adelaide, a "denunciar os abusos morais e políticos que imperaram no
Brasil obscuro do início dos anos 70". O espetáculo ajuda a dessacralizar,
para os jovens, a aura romântica que envolve (para eles, os jovens) aquela
época de horrores. Como se diz entre "companheiros", é preciso ter "estômago
forte" e coração valente para assistir "As Meninas". Recomenda-se!
Produção Fernando Padilha. Divulgação Lu Nabuco.
OBS: Fiz questão de não
entrar em detalhes sobre "quem é quem" no elenco, pois o programa não
esclarecia. Minha luta com a classe, hoje em dia, é com acertos no "espaço
cênico" (que pode definir um espetáculo), daí a sugestão da praça pública como espaço
para "As Meninas"; e com os programas incompletos, que não indicam "ator
e personagem", como se os críticos tivessem obrigação de conhecer todos os
atores!
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