IDA VICENZIA
(da Associação
Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)
Bem, já que estamos no terreno da
narrativa, e que não pertenço ao "povo da Bíblia", mas compartilho de
sua melancolia (leia-se Walter Benjamin) - eu - membro rebelado que sou da não menos melancólica
"aristocracia rural brasileira", a qual não se permite outro tipo de
cultura a não ser a bovina (tomara que nenhum deles leia isso!) - "cultura"
essa que não compartilho - no momento procuro entender Diogo Liberano, diretor
e dramaturgo carioca.
Faz-se a dúvida sobre a natureza de sua
melancolia. Em um depoimento-vida, ou "narrativa", que presenciamos no
encontro com Diogo - uma mélange de reflexões
caseiras (porém não menos solucionadas), unidas a reminiscências e presenças,
ficção e poesia, (procuro esquecer a internet e e.mails citados), qual é,
afinal, a verdadeira natureza deste artista? Ele se apresenta, todos os fins de semana, até o dia 27 de
setembro, na Casa da Gávea. Na verdade, o que nos mostra Diogo são lembranças -
pessoais, inspiradas nas reflexões de Walter Benjamin em "O Narrador
- considerações sobre a obra de Nikolai
Leskov" - porém, dessas reflexões Diogo só nos revela os ensinamentos da
narrativa livre, ao seu bel prazer, presença única do "narrador-criador",
o que ele pretende ser, estranhamente, para uma platéia (reduzida, porém atenta),
na Casa da Gávea.
Bons motivos teve o Sr. Benjamin, a quem
muito admiro, para pensar em seus contratempos. Desconheço - ou desconhecia -
os contratempos do nosso Diogo Liberano, porém posso assegurar-vos que ele ama
um desafio. Não posso negar-me (essa que vos escreve foi merecedora de
castigos, segundo sua família, por amar a arte, e isso não tem nada a ver com a
minha mania de falar sobre ela, a arte), não posso negar-me a esse narrador
moderno, embora a tentação do meu silêncio seja grande. Aliás, já deveria ter
aprendido a esperar, de Diogo Liberano, aquele artista que nunca nos prometeu "a rose garden", coisas as mais terríveis,
como "Sinfonia Sonho", por exemplo.
Mas constatamos, com surpresa, que a autopiedosa
ironia de Liberano se assemelha ao humor judeu! Sim, não há nada mais poderoso
do que se submeter a um desafio dessa ordem, incorrendo no perigo de encontrar,
passo a passo, a própria insanidade, e incutindo nela o humor irônico.
Constatamos a sua fascinação por abismos quando
relata a sua intimidade com a morte. As passagens a que se propõe, contando-as
em números - os mesmos, angustiados, passos de Benjamin - dão continuidade à narrativa e são recursos de autocompreensão.
Enfim,
desse encontro com Liberano o mais importante é o contato com a sua
desesperança. O fascínio pelos abismos e o encontro irresistível com a morte
são episódios que todo o sensitivo carrega na alma. Após a narrativa de
Liberano, certamente houve o encontro com seus semelhantes. Retiro-me, acabrunhada.
Impossível presença, a morte me acompanha. Seria o seu, um relato leskoviano?
Segundo Benjamin, Leskov é o narrador que sustenta os traços grandes e simples
de uma verdadeira narrativa. As da morte? Voamos como Ícaro para os espaços
sempre sonhados ... e a dúvida se estabelece. Ponto para Liberano.
Dramaturgia e
Performance, Digo Liberano; Composição Musical, Angel, de Rodrigo Marçal; Colab. Artística, Th Inominável; Registro
Audiovisual, Philippe Baptiste; Foto, Ana Clara Carvalho; Produção, Clarissa
Menezes e Thiago Pimentel; Realização, Th Inominável.
Nenhum comentário:
Postar um comentário