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domingo, 20 de setembro de 2015

"O NARRADOR"

Acima: "Icaro", de Henri Matisse. Abaixo: Bizonho e Diogo Liberano em "O Narrador", inspirado em Leskov e Walter Benjamin. Dramaturgia e encenação: Diogo Liberano.
(Foto Matisse: Enciclopedia;  Foto Diogo e Bizonho: Ana Clara Carvalho)   

IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

     Bem, já que estamos no terreno da narrativa, e que não pertenço ao "povo da Bíblia", mas compartilho de sua melancolia (leia-se Walter Benjamin) - eu -  membro rebelado que sou da não menos melancólica "aristocracia rural brasileira", a qual não se permite outro tipo de cultura a não ser a bovina (tomara que nenhum deles leia isso!) - "cultura" essa que não compartilho - no momento procuro entender Diogo Liberano, diretor e dramaturgo carioca.
     Faz-se a dúvida sobre a natureza de sua melancolia. Em um depoimento-vida, ou "narrativa", que presenciamos no encontro com Diogo - uma mélange de reflexões caseiras (porém não menos solucionadas), unidas a reminiscências e presenças, ficção e poesia, (procuro esquecer a internet e e.mails citados), qual é, afinal, a verdadeira natureza deste artista? Ele se apresenta,  todos os fins de semana, até o dia 27 de setembro, na Casa da Gávea. Na verdade, o que nos mostra Diogo são lembranças - pessoais, inspiradas nas reflexões de Walter Benjamin em "O Narrador -  considerações sobre a obra de Nikolai Leskov" - porém, dessas reflexões Diogo só nos revela os ensinamentos da narrativa livre, ao seu bel prazer, presença única do "narrador-criador", o que ele pretende ser, estranhamente, para uma platéia (reduzida, porém atenta),  na Casa da Gávea.
     Bons motivos teve o Sr. Benjamin, a quem muito admiro, para pensar em seus contratempos. Desconheço - ou desconhecia - os contratempos do nosso Diogo Liberano, porém posso assegurar-vos que ele ama um desafio. Não posso negar-me (essa que vos escreve foi merecedora de castigos, segundo sua família, por amar a arte, e isso não tem nada a ver com a minha mania de falar sobre ela, a arte), não posso negar-me a esse narrador moderno, embora a tentação do meu silêncio seja grande. Aliás, já deveria ter aprendido a esperar, de Diogo Liberano, aquele artista que nunca nos prometeu "a rose garden", coisas as mais terríveis, como "Sinfonia Sonho", por exemplo.
     Mas constatamos, com surpresa, que a autopiedosa ironia de Liberano se assemelha ao humor judeu! Sim, não há nada mais poderoso do que se submeter a um desafio dessa ordem, incorrendo no perigo de encontrar, passo a passo, a própria insanidade, e incutindo nela o humor irônico. Constatamos a sua fascinação por abismos   quando relata a sua intimidade com a morte. As passagens a que se propõe, contando-as em números - os mesmos, angustiados, passos de Benjamin - dão continuidade à narrativa e são recursos de autocompreensão.    
      Enfim, desse encontro com Liberano o mais importante é o contato com a sua desesperança. O fascínio pelos abismos e o encontro irresistível com a morte são episódios que todo o sensitivo carrega na alma. Após a narrativa de Liberano, certamente houve o encontro com seus semelhantes. Retiro-me, acabrunhada. Impossível presença, a morte me acompanha. Seria o seu, um relato leskoviano? Segundo Benjamin, Leskov é o narrador que sustenta os traços grandes e simples de uma verdadeira narrativa. As da morte? Voamos como Ícaro para os espaços sempre sonhados ... e a dúvida se estabelece. Ponto para Liberano.

 Dramaturgia e Performance, Digo Liberano; Composição Musical, Angel, de Rodrigo                                 Marçal; Colab. Artística, Th Inominável; Registro Audiovisual, Philippe Baptiste; Foto,                                 Ana Clara Carvalho; Produção, Clarissa Menezes e Thiago Pimentel; Realização, Th                                   Inominável.

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