Atores Andreas Mayer e Manoel Madeira, e a cena das projeções. Peça "Ludwig/2 - Eu Desejo Permanecer Um Enigma", autor e diretor Gustavo Bicalho. (Foto Nadine Lões) |
IDA VICENZIA
(da
Associação Internacional de Críticos de
Teatro - AICT)
(Especial)
"LUDWIG/2 - Eu desejo permanecer um
enigma", com dramaturgia, texto e direção de Gustavo Bicalho, eis uma bela
surpresa, um trabalho cuidadoso, comemorando os 20 anos da Artesanal Cia. de
Teatro. Entretanto, o espetáculo, que se propõe a ser contemporâneo, esbarra no romantismo selvagem,
alemão, da época de Richard Wagner, e essa força se impõe, sendo, talvez, refreada
pelo diretor, que a transforma em uma narrativa livre. Mesmo assim, a tão
esperada "contemporaneidade" fica só na concepção do espetáculo, pois
sua historia é mais forte. A cena da loucura, por exemplo, encerra qualquer tentativa de inovação de linguagem. Ela encarcera o ator, e é definitiva. Mesmo assim, é válida a forma pela qual Manoel Madeira lhe dá vida. A
destacar também as imagens de vídeo mostrando a homossexualidade como se revelava, entre os homens, no final do puritano século XIX ... e as
luzes "estroboscópicas" se derramando sobre o protagonista,
desorientando o já desorientado Ludwig.
A história se passa em um castelo na
Baviera, e nos bosques em seu entorno, e traz consigo uma sedução implícita,
que nos leva, a passos largos, em direção a algo que, certamente, Ludwig teria desejado
viver: o nosso presente. Enfim, a maneira fracionada de nos contar essa
historia de desajuste emocional se impõe ao diretor, e aos atores, como a urgência
do relato "romântico-simbolista"
da Alemanha do final do século XIX. Vivia-se mal, no pequeno reino da Baviera.
Deixou-nos "Diários", o jovem
rei. "Ser ou não ser" excêntrico? Ludwig não teve escolha. Nasceu
artista - e foi considerado louco. Eis uma questão intranquila. Essa historia é
nossa conhecida desde os tempos de Visconti e seu Helmut Berger, a reencarnação do rei da Baviera. Mas o surpreendente ator Manoel Madeira (que também traduziu "Ludwig/2",
com Lilli-Hannah Hoepner, e produz o espetáculo, com Gustavo Bicalho e Henrique
Gonçalves),
possui talento e "le physique du rôle" não menos invejável do que
Berger, e revelou-se à altura do espetáculo. Não só isso. Há uma confusão de
nacionalidades e, às vezes, ficamos estarrecidos com o ator alemão em cena. Há,
na realidade, um ator alemão em cena, e trata-se de Andreas Mayer, o "escudeiro"
Richard Horning, um dos amantes do jovem rei. Ator convidado que, na desafiante
"língua de Göethe" entrega-se à universalidade das cenas (com projeções
em português), e a um diálogo com certa liberdade de tempo e espaço, com o seu
amado Ludwig.
Mas o diretor não se contenta com as intervenções no "convencionalismo teatral". A cena movimenta
as mais remotas fantasias do ser humano, desde a paixão pela música, teatro (fez encenar em seu teatro particular até peças de Shakespeare), arquitetura,
beleza, sexo, razão, emoção! Sim, Ludwig era um homossexual infeliz e sofrido,
naquele reino católico em que sua obrigação era dar herdeiros à coroa! O ator
segura, com brilhantismo, as passagens do Rei: sua inadequação para a vida.
E a entrega dos atores nos transporta a
tempos não tão remotos assim. Ludwig II era um artista. O que acontece quando
um artista vê frustrados os seus sonhos? Pode surgir um "construtor"
de sonhos, como Ludwig com os seus castelos e o patrocínio de carreiras
artísticas, como a de Richard Wagner; ou pode surgir um "destruidor"
de mundos, como aconteceu com o artista frustrado Adolf Hitler. Sim, Hitler (o
monstro fabricado pelo poder), não foi o "único" culpado de todos os
horrores acontecidos na IIª Guerra Mundial, e todos nós sabemos disso: a
"terra dos poetas, grandes músicos e pensadores" teve os seus
capitalistas diabólicos que nos levaram a Hitler. Só para lembrar: von Tyssen
(aço); Krupp (armamento); Siemens (gás para as câmaras dos campos de
concentração); Hugo Boss (uniformes do exercito nazista); e outros, muitos
outros - a serviço de ... um artista frustrado! (são perigosos, os artistas
frustrados...).
Ludwig
só fez mal a si mesmo... e também (mas por pouco tempo), à sua doce princesa
Sophia. Interpretada pela talentosa (e bela) Suzana Castelo, as sintomáticas aparições
da mulher rejeitada vão acendendo... e apagando ... as luzes por onde ela
passa: o simples passar de sua frágil (e dançarina) presença transforma a capacidade da luz. Este é um interessante
recurso para contar a historia de
Sophia, e seu afastamento do Rei. Belos momentos. Aliás, "Ludwig/2"
traz consigo a virtude de nos dar um bom teatro, trazendo ao espetáculo
sensibilidade, paixão, horror.
E há uma questão, não abordada no texto de
"Ludwig/2", mas que não deixa
de ser intrigante: Ludwig, o "construidor" (de castelos), admirava o
"Rei Sol", e, a maneira pela qual Luis XIV construía a Arte. O francês
também amava a música, o teatro, os castelos... Em conseqüência, o Rei da
Baviera, em homenagem ao "Rei Sol", mandou erguer uma quase uma
réplica de Versailles, o "Schloss Herrenchiemsee" e, curiosidade
suprema, se auto-proclamou o "Rei Lua"! Que personagens
interessantes, estes seres fabricados pelo poder!
O desenho de luz do espetáculo, de Gustavo
Bicalho, com suas variações surpreendentes, é de Rodrigo Belay, e a direção de
movimento, muito inspirada, é de Paulo Mazzoni. Figurinos e Adereços (adequados
e belos) de Fernanda Sabino e Henrique Gonçalves. Cenário: Linda Sollacher e Karlla de Luca. Direção Musical (e de Vídeo)
de Daniel Belquer e Caeso.
A direção, além de segura e transgressora,
é feita por um trabalho de grupo muito bem sucedido, incluindo Henrique
Gonçalves e Daniel Belquer no conjunto, com Gustavo Bicalho na regência. A Artesanal Cia. de Teatro (pelo
que entendi - não a conhecia), costuma se dedicar ao teatro infantil e de
bonecos, mas sua residência artística na Alemanha resultou no atual espetáculo,
livre e contemporâneo, a respeito de uma historia irreverente e trágica. É a
sua primeira incursão no gênero tragedia, e o que aconteceu, na direção da peça,
deu grande autonomia aos atores. Fica-se com a impressão de um trabalho feito a
seis mãos: um Sexteto bem afinado.
Enfim, foi uma agradável surpresa conhecer
a Artesanal Cia. de Teatro. A DESTACAR O GRANDE
DESEMPENHO DE MANOEL MADEIRA COMO LUDWIG
II - REI DA BAVIERA. Vale à pena assistir a este espetáculo tão bem cuidado
e sem pretensão, porém de uma sofisticação sem limites. EM CARTAZ NO "MEZANINO"
DO SESC-COPA até dia 27 DE SETEMBRO. NÃO PERCAM
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