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sábado, 29 de agosto de 2015

"CARANGUEJO OVERDRIVE"

"Caranguejo Overdrive", texto de Pedro Kosovski, direção Marco André Nunes. Ator Fellipe Marques        travestido de caranguejo. (Foto de Elisa Mendes)

IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)


  
     O espetáculo que se despediu da recém reinaugurada Casa da Gávea, no dia 28 de agosto, é uma amostra do que dizia Walter Benjamin em "Experiência e Pobreza": "Os combatentes voltam dos campos de batalha mais pobres em experiências comunicáveis ... porque nunca houve experiência mais radicalmente desmoralizada que a experiência  do corpo pela fome".  E se estabelece o silêncio, ou a rebelião sem ressonância. Cosme, (Matheus Macena) o "homem-caranguejo", assiste a tudo em silêncio, ou em gritos guturais de revolta. Impressionante o desempenho desse ator, dando a dimensão total da "guerra branca" sobre o   homem  que se transforma em bucha de canhão, o "caranguejo"!  

     Vamos lá. Em um mangue, que pode ser no Rio de Janeiro, ou no Nordeste brasileiro, caçam-se "caranguejos", ou seja, seres humanos. A ordem: servir de bucha de canhão, como em todas as guerras. Caça-se a independência de quem nasceu para ser escravo. Desde sempre. No Brasil, já no tempo do Imperio, com Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá, ou, em nossos dias, com Marcelo Oderbrecht e a infraestrutura brasileira, a ordem é a mesma: "paralisar o Brasil". Evangelista sonhava com um Brasil autossuficiente. Oderbrecht, em nossos dias, também. Mas esse não é o tema tratado em "Caranguejo Overdrive", ou melhor, ele não está exposto, em carne viva, no texto de  Koslovski, ou na direção de André, embora seja um exemplo bem claro do que acontece em nosso país (e na sul America), nos dias que correm. Porém constatamos, na encenação de "Caranguejo", que a nossa independência sempre está submetida pelos que "sabem" como confundir as coisas...

      Explico. O espetáculo criado por Marco André Nunes (um dos grandes jovens diretores que temos), e escrito pelo surpreendente Pedro Kosovski (autor), nos traz um mundo devastado pelo egoísmo e pela ganância. O reflexo é encontrado nos "homens-caranguejos" (os explorados) -  ainda uma multidão entre nós. Além de mostrar o Brasil, o espetáculo d' "Aquela Cia", inaugura, em comemoração aos seus 10 anos de trabalho, o reflexo do caminho ondulante e desbravador por eles percorrido. Constatamos, pelos três espetáculos a que tivemos acesso antes desse "Caranguejo Overdrive": "Outside, um Musical Noir"; "Sub:Werther" e "Projeto K", que seu caminho é o da procura constante, através da inspiração em obras - ou personagens - fortes e de qualidade (para o bem ou para o mal).

     Dessa vez, em "Caranguejo Overdrive" tudo se soma, e também a interpretação magnífica de seus atores, destacando-se Carolina Viguez e sua aula "acadêmica" sobre caranguejos e, principalmente, a "aula de Brasil" dada pela prostituta paraguaia, recepcionando o recém chegado da guerra, o esfomeado "cliente caranguejo".  Palmas para Carolina e para o "mudo e expectante" personagem, rico em expressão corporal,  a quem Matheus dá vida. O que ela conta para seu "cliente" é puro Brasil, com suas vergonhas e contravenções "desrespeitosas" da inteligência dos brasileiros. Todos os tons da denuncia foram tentados, só faltou, na peça (mas não foi sentida a falta), o toque desesperado (e cômico), de tentarem (os que querem ver  o Brasil curvado), colocar para candidato a presidência da República o apresentador  "Silvio Santos vem aí...", como última, e desesperada, tentativa de evitar o "Sapo Barbudo" que viria depois.

   Parece que estamos fugindo do assunto, mas, vejam só, "Garanguejo" é um espetáculo que suscita reflexões: ele é avassalador, em seu envolvimento com a platéia. Ele aguça os nossos sentidos, como é costume em "Aquela Cia", não só com a música que impregna de significados os acontecimentos (uma música elétrica, tantalizante), mas principalmente com a historia que conta! O aproveitamento do espaço cênico da Casa da Gávea foi determinante para proporcionar o efeito necessário para a apreciação do espetáculo. E ninguém consegue fugir de seu envolvimento.

     Trata-se de uma verdadeira "conspiração" para contar essa historia de raízes do Rio de Janeiro. Dessa conspiração fazem parte a "luz" (uma adesão de Renato Machado) e o cenário, com suas areias, lodo, caranguejos verdadeiros se arrastando em gaiolas (e o elenco avisando, oportunamente, que a sua presença foi liberada pelo IBAMA!), e os mínimos figurinos pretos dos atores. Envolvimento perfeito. A Direção Musical é de Felipe Storino e o cenário, ou "instalação cênica", do próprio diretor. O elenco é formado por atores impecáveis, como Alex Nader, que faz as narrações e canta, ou Eduardo Speroni, com seu desenho sobre o corpo, acompanhando o traçado de um quelônio; ou Fellipe Marques (uma impressionante transfiguração em caranguejo, como aparece na foto) e os já citados Matheus Mecena e Carolina Viguez. Na música em cena: Pedro Nêgo na guitarra; Samuel Vieira (baixo) e Mauricio Chiari na bateria. Canção "Como Caranguejo", Mauricio Chiari.  
   
      Uma frase que fica gravada em nossos ouvidos: "apetite e palavras são  coisas que se resolvem na boca", está gravada no texto da apresentação da peça: ela é a síntese dos acontecimentos. Eis que essa frase nos empurra para a verdadeira "guerra branca" que nos proporciona a ambição desenfreada dos poderosos.       Trata-se de um espetáculo desafiador, cuja palavra nos chega através do pensamento (a origem de tudo) de Mauricio Chiari.  PARABÉNS PELA PREMIAÇÃO!




            

 
     


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