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terça-feira, 25 de agosto de 2015

"BEIJA-ME COMO NOS LIVROS"



Cenas de "Beija-me como nos Livros", direção Ivan Sugahara. (Fotos Dalton Valerio).


IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)
    
     Não adianta, teatro tem que ser ao vivo, com as coisas acontecendo ali, na nossa frente! E o espaço cênico tem importância fundamental. Mas por que um início tão óbvio? É porque dessa vez Os Dezequilibrados contaram uma historia tão fora do tempo que seria impossível contá-la - para causar o impacto imaginado por seus criadores - sem os recursos de uma cena sem limitações de espaço. E para isso colaboraram também os objetos de cena e o cenário, com seu pano de fundo transparente e as saídas laterais, para dar vida a toda aquele entra e sai de tempos e espaços imprevisíveis. Só assim essa apresentação meio caótica se torna possível. O espetáculo tem dramaturgia e direção de Ivan Sugahara.
     O criador de Os Dezequilibrados se supera neste "Beija-me como nos Livros", no qual a ideia é contar historias de amor e ciúmes acontecidas na Literatura e narradas através das leituras de duas jovens (Ângela Câmara e Claudia Mele), que em cena exercitam suas fantasias intelectuais. E assim, vemos surgir aos nossos olhos Doña Elvira, a ciumenta raptada do convento onde até a freira é seduzida! D. Juan, El "Endemoniado"; Werther e sua Charlotte, que se converte em amante de Tristão... e de D. Juan! E a sua querida e traidora Isolda (traidora do Rei Marcos), rei esse que por sua vez se transforma em Romeu, amado por Julieta.
     E que geração de teatro essa que temos agora! O elenco de Os Dezequilibrados dessa vez é composto por quatro atores, os nossos conhecidos Claudia Mele, Ângela Câmara, José Karini e Julio Adrião. Deles se pode tudo esperar, mas é impressionante como Julio Adrião se agiganta, e se transforma em um inacreditável Romeu - inclusive com o aspecto "menineiro" do personagem apaixonado - para depois se transformar no famigerado ciumento Rei Marcos da Cornualha e seu sotaque "british" (embora tal perfeição estivesse longe de existir naqueles tempos de Cornualhas...) ... pois o dono e senhor de Isolda o possui! Estas súbitas mudanças provocam sorrisos na platéia.   
     A cada herói, sua pátria. E o ritmo correspondente de seu idioma. Já que a dramaturgia de Ivan Sugahara imaginou um idioma fictício para fazer os vários personagens se comunicarem (parece até uma brincadeira com o esperanto!), as falas e seus ritmos nos fazem identificar o país de origem de cada personagem. Hilário o ritmo italiano "sulista calabrês" dado aos atores que defendem heróis originários da Itália, como Romeu e Julieta, por exemplo. Ou o súbito sotaque afrancesado de José Karini para trafegar com o seu personagem conquistador e sem escrúpulos, baseando-se na versão nossa conhecida da sedução francesa, embora D. Juan fosse espanhol! Mas isso não tem a mínima importância. A pesquisa fonética foi de Ricardo Góes, porém a trilha sonora de Ivan Sugahara faz uma mescla de clássico com popular, onde convivem Schubert com "Por uma Cabeza", do tango de Gardel, por exemplo.        
     Os figurinos são magníficos (Bruno Perlatto), e o ritmo que os atores dão às suas trocas - trocando também o ritmo do "idioma" que falam (palmas para o "sotaque alemão" dos atores) - e também o austríaco Strauss, nas músicas. A expressão dada aos movimentos, por Duda Maia, em especial a imagem coreografada para as cenas da corte, são de uma estranha beleza.    
      Não sei quanto tempo Sugahara levou para imaginar tal tresloucada cena teatral, porém ele conseguiu nos brindar com algo inusitado. No final, quando já nos preparamos para as despedidas de cena, e decidimos que a historia deve terminar (pois não pode se repetir ad eaternum), Werther suicida-se, com aquele escândalo que, sabemos, abala o mundo - e Romeu e Julieta encontram também seu fim - vemos, com certa consternação, que o encontro da vida real do casal (o que quase sempre acontece com os românticos sonhadores), continua no mesmo ritmo imutável, nos almoços e jantares eternos, como é imutável - e insustentável - o ritmo do dia-a-dia dos casais.  
        O cenário de André Sanches é bastante criativo, cercado de livros por todos os lados, com os objetos de cena e os móveis feitos de livros. Uma cama completa a cena, e há mesas que se encaixam e também  cadeiras decoradas com livros. Há taças, muitas taças e frascos para os venenos. A iluminação, criativa, é do mestre Renato Machado. Há beleza e juventude, em cena.
          Coordenação de Produção de Tarik Pugina. Assessoria de Imprensa: Daniella Cavalcanti. Fotografia: Dalton Valerio. Realização: "Os Dezequilibrados" e Nevaxca Produções.





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