Cenas de "Beija-me como nos Livros", direção Ivan Sugahara. (Fotos Dalton Valerio). |
IDA VICENZIA
(da Associação
Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)
Não adianta, teatro tem que ser ao vivo,
com as coisas acontecendo ali, na nossa frente! E o espaço cênico tem
importância fundamental. Mas por que um início tão óbvio? É porque dessa vez Os
Dezequilibrados contaram uma historia tão fora do tempo que seria impossível
contá-la - para causar o impacto imaginado por seus criadores - sem os recursos
de uma cena sem limitações de espaço. E para isso colaboraram também os objetos
de cena e o cenário, com seu pano de fundo transparente e as saídas laterais, para
dar vida a toda aquele entra e sai de tempos e espaços imprevisíveis. Só assim
essa apresentação meio caótica se torna possível. O espetáculo tem dramaturgia
e direção de Ivan Sugahara.
O criador de Os Dezequilibrados se supera
neste "Beija-me como nos Livros", no qual a ideia é contar historias
de amor e ciúmes acontecidas na Literatura e narradas através das leituras de
duas jovens (Ângela Câmara e Claudia Mele), que em cena exercitam suas
fantasias intelectuais. E assim, vemos surgir aos nossos olhos Doña Elvira, a
ciumenta raptada do convento onde até a freira é seduzida! D. Juan, El
"Endemoniado"; Werther e sua Charlotte, que se converte em amante de
Tristão... e de D. Juan! E a sua querida e traidora Isolda (traidora do Rei
Marcos), rei esse que por sua vez se transforma em Romeu, amado por Julieta.
E que geração de teatro essa que temos
agora! O elenco de Os Dezequilibrados dessa vez é composto por quatro atores,
os nossos conhecidos Claudia Mele, Ângela Câmara, José Karini e Julio Adrião.
Deles se pode tudo esperar, mas é impressionante como Julio Adrião se agiganta,
e se transforma em um inacreditável Romeu - inclusive com o aspecto
"menineiro" do personagem apaixonado - para depois se transformar no
famigerado ciumento Rei Marcos da Cornualha e seu sotaque "british"
(embora tal perfeição estivesse longe de existir naqueles tempos de
Cornualhas...) ... pois o dono e senhor de Isolda o possui! Estas súbitas
mudanças provocam sorrisos na platéia.
A cada herói, sua pátria. E o ritmo
correspondente de seu idioma. Já que a dramaturgia de Ivan Sugahara imaginou um
idioma fictício para fazer os vários personagens se comunicarem (parece até uma
brincadeira com o esperanto!), as falas e seus ritmos nos fazem identificar o
país de origem de cada personagem. Hilário o ritmo italiano "sulista
calabrês" dado aos atores que defendem heróis originários da Itália, como
Romeu e Julieta, por exemplo. Ou o súbito sotaque afrancesado de José Karini
para trafegar com o seu personagem conquistador e sem escrúpulos, baseando-se
na versão nossa conhecida da sedução francesa, embora D. Juan fosse espanhol!
Mas isso não tem a mínima importância. A pesquisa fonética foi de Ricardo Góes,
porém a trilha sonora de Ivan Sugahara faz uma mescla de clássico com popular,
onde convivem Schubert com "Por uma Cabeza", do tango de Gardel, por
exemplo.
Os figurinos são magníficos (Bruno
Perlatto), e o ritmo que os atores dão às suas trocas - trocando também o ritmo
do "idioma" que falam (palmas para o "sotaque alemão" dos
atores) - e também o austríaco Strauss, nas músicas. A expressão dada aos
movimentos, por Duda Maia, em especial a imagem coreografada para as cenas da
corte, são de uma estranha beleza.
Não sei quanto tempo Sugahara levou para imaginar
tal tresloucada cena teatral, porém ele conseguiu nos brindar com algo
inusitado. No final, quando já nos preparamos para as despedidas de cena, e
decidimos que a historia deve terminar (pois não pode se repetir ad eaternum), Werther suicida-se, com
aquele escândalo que, sabemos, abala o mundo - e Romeu e Julieta encontram
também seu fim - vemos, com certa consternação, que o encontro da vida real do
casal (o que quase sempre acontece com os românticos sonhadores), continua no
mesmo ritmo imutável, nos almoços e jantares eternos, como é imutável - e
insustentável - o ritmo do dia-a-dia dos casais.
O cenário de André Sanches é bastante
criativo, cercado de livros por todos os lados, com os objetos de cena e os
móveis feitos de livros. Uma cama completa a cena, e há mesas que se encaixam e
também cadeiras decoradas com livros. Há
taças, muitas taças e frascos para os venenos. A iluminação, criativa, é do
mestre Renato Machado. Há beleza e juventude, em cena.
Coordenação de Produção de Tarik
Pugina. Assessoria de Imprensa: Daniella Cavalcanti. Fotografia: Dalton
Valerio. Realização: "Os Dezequilibrados" e Nevaxca Produções.
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