"Inútil a Chuva", texto e direção de Paulo de Moraes, com a Armazém Companhia de Teatro. (Foto de Mauro Kury) |
IDA VICENZIA
(da Associação
Internacional dos Críticos de Arte - AICT)
(Especial)
"INUTIL
A CHUVA"
Assistindo ao espetáculo "Inútil a
Chuva" passou-nos pela cabeça a semelhança das criações do Armazém
Companhia de Teatro com as criações "sensitivas" do "Grupo
Corpo"... E tal imagem surgiu pela maneira que ambos têm de contar uma historia. Os dois grupos vão
desenhando historias, narrando-as em quadros que se sucedem, e que ficam flutuando no ar, qual uma reposição de imagens em uma exposição: arte plástica pura. O trabalho de Paulo de Moraes, ao menos neste "Inútil a Chuva", assemelha-se ao dos irmãos Pederneiras: mais do que historias a serem narradas, são momentos belos, ou não, para serem apreciados. No caso de Moraes, estes momentos, às vezes, transformam-se em historias compreensíveis, em narrativas. Como as da vida.
Neste "Inútil a Chuva", dirigido
por Paulo de Moraes, vemos, no decorrer da peça, as situações se sucederem,
vagueando entre acontecimentos inacabados. O mesmo acontece com muitas de suas
criações. Dessa historia de Lotta (Patricia Selonk) e seu marido desaparecido,
o pintor de quem só se ouve falar, há uma vaga, e incontestável, crítica às
injustiças praticadas contra a arte e os artistas. Focalizam-se, na peça, as
artes plásticas, cujo autor fica célebre depois de desaparecido, tornando-se o
ídolo de milhões de dólares e admiradores. Deixa uma carta de suicida. Em vida
não tem sequer para o sustento da família. And
so it goes...
Tudo
gira em torno de um Tríptico, procurado pelos colecionadores e pelos donos de
galerias de arte. A incompreensão e a inutilidade da compreensão. Aprende-se, a
cada momento, que o "Cânone" é o que está valendo. E a família vai,
sempre remando, apesar da chuva e do naufrágio, em um barco que os deixa à deriva.
Os três irmãos e a mãe já não têm mais nada a provar, para ninguém. E a ação
vai se arrastando, ora poética, ora brutal e incompreensível. Como a vida.
A peça, esteticamente, aproxima-se das
artes plásticas. A conferir, a beleza das imagens iluminadas pelo mestre Maneco
Quinderê, lembrando quadros, iluminuras (a cena das bandejas com as taças,
equilibrando-se no ar; ou a tela branca onde as tintas do filho tímido e
artista, Slavoj (Leonardo Hinckel) vão se identificando com a pai ausente. Há
várias maneiras de passar o tempo, há várias maneiras de fazer arte, e há
várias maneiras de denunciar os maus tratos à arte. Esta peça é uma delas.
E a exposição se faz história, com quadros
que são acontecimentos que se refletem na vida da família. Uma jornalista, Vivian
(Amanda Mirasci), antes de iniciar seus
trabalhos de pesquisa, declara que a história que vai contar não é nada
autobiográfica. E não existe nada mais falso, pois na verdade é uma história universal:
a historia de cada um.
Vivian se aproxima da família atraída pela fama do
pintor, e dela se distancia quando percebe que eles não têm a menor importância,
são seres perdidos, que não compreendem o que está acontecendo. Sua busca de
compreensão transforma-se em uma descrição de quadros, tintas e cores, que se
acumulam nas luzes, na música e nos reflexos da cena. É assim que se faz um
arremedo de "vernissage", sem saber o que se comemora, pois o famoso
pintor não existe, somente a sua obra - e ninguém quer saber nada sobre ele, a
não ser a sua família. A peça termina com a procura de algo que nunca começou,
e o remar se reinicia, constante, para não deixar o falso barco (a vida?) à
deriva.
Talvez o momento mais empolgante desse
espetáculo "crepuscular" seja o instante em que o amigo do pintor,
Matthias (marcos Martins), ensina Slavoj, o temeroso filho do pintor, a se
defender. O quadro da luta lembra a pesquisa de Bertold Brecht em busca de uma
linguagem física para seus atores. O espetáculo, dirigido por Paulo de Moraes, com dramaturgia do
diretor, e de Jopa Moraes, é uma sucessão de possibilidades: a luta de Slavoj,
a nudez de Slavoj, o seu cansaço e abandono da procura. Os desafios do filho Claude
(Tomás Braune), e a procura de Sarah (Andressa Lameu), os filhos que nunca se encontram. A impressão
que se tem é que Slavoj é o único personagem que sonha em realizar algo, é o
único romântico que ainda se propõe a viver.
Pergunta-se: o que proporcionou a
estagnação dessa família? Em geral a Armazém Cia de Teatro inspira-se em
literatura, já tendo montado textos inspirados em Beckett, Shakespeare, Lewis
Caroll, e até Mahabharata, como "Meu Leito Após a Água". A técnica e
a construção do espetáculo se dão durante os ensaios. A impressão de desamparo deste
"Inútil a Chuva" deixa-nos a mesma sensação bergsoniana de todos os
seus espetáculos a que tivemos acesso, com exceção de "Alice através do
Espelho". Extremamente intelectualizados, a impressão que nos fica desta
Companhia é a de uma Suécia brasileira que atingiu o que procurava, sentindo-se
a caminho de algo que talvez virá, algo que o sonho sempre renovado não deixa fenecer,
mas que está cada vez mais distante. Talvez essa saciedade seja o sonho
realizado. Receberá todos os prêmios, mas qual será seu caminho? Nossos votos é
o de que seja a sua renovação constante.
O espetáculo é de uma riqueza evidente,
saciada. Os figurinos de Rita Murtinho, principalmente os do momento de festa, apresentam
uma realidade falsa, como é falsa a vontade de estar ali. Algo acontece com
aqueles três filhos, e a mãe abandonada. Deixemos para os poetas e os
intelectuais a solução deste problema. Colaboração de Dramaturgia: Mauricio
Arruda Mendonça. Preparação Corporal, Maíra Maneschy e Patrícia Selonk. Não
conseguimos perceber se "Inútil" a Chuva" é alguma adaptação literária,
o certo é ser uma imitação da vida.
"INUTIL
A CHUVA" É UM INTERESSANTE ENSAIO SOBRE A NEGAÇÃO DA VIDA, E UM ALERTA
PARA AS ARMADILHAS QUE ELA NOS PREPARA.