(Foto Christina Carvalho)
IDA VICENZIA
(da Associação
Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)
Sente-se, às vezes, "o borbulhar do
gênio", em Hirsch, como diria Castro
Alves de sua própria lavra, observado por Mário Quintana, que constatou ser esse
"um dos versos mais medíocres do condor baiano". Entretanto, não se
pode negar que Filipe Hirsch, em sua seleção de textos para construir esse "Puzzle
(D)", é bem original. O espetáculo, recentemente apresentado no Rio de
Janeiro, no Tempo Festival, surpreende pelo
inusitado e pela variedade de temas. Nenhum deles otimista. Mas quem falou em
otimismo, tratando-se de brasileiros, não é mesmo? De grandioso, mesmo, só o
cenário, que vai se construindo/desconstruindo (como queriam os modernistas?), e
sendo carregado por golpes de tinta, tal como queria Pollock em suas telas: ideia
luminosa de Rafael Coutinho, artista convidado, e da Direção de Arte de Daniela
Thomas e Felipe Tassara?
Mas há o imperdoável, na seleção dos
textos de Hirsch; é aquele em que o autor (tinha que ser André Sant'Anna) desconstrói
o povo brasileiro. O texto? "O Brasil é Bom". Coisa de quem vê o povo brasileiro como cachorro vira lata. E dizem que tal
espetáculo foi apresentado em Frankfurt. Com certeza não é o mesmo, apresentado
no Festival do Rio de Janeiro, pois o espetáculo está em constante mudança, e em Frankfurt durou
7 horas, contra pouco mais de 1 hora no Brasil. O quebra cabeça desse Puzzle é composto de várias partes: A, B,
C... nós só assistimos a parte "D" (de "desconstrução"), e
suas improvisações, o "cachorro vira lata incluso".
Voltando a Frankfurt (o espetáculo foi
apresentado na Feira de Livros de lá, em 2013, quando o Brasil foi homenageado).
Concordamos que "Puzzle (D)" foge aos clichês de "bunda, futebol e carnaval",
tão chegado aos brasileiros... mas é impregnado de outros clichês com que
batizam o Brasil da atualidade: a violência, a burrice... Temos certeza do que os
alemães, assim como os americanos, franceses, ingleses, enfim, toda a
"nata" da humanidade, jamais sairiam a público para rir das próprias
mazelas. Ainda mais na Feira de Livros de Frankfurt! Agir assim como Hisrsch só faz alimentar estereótipos. A "nata" da Europa se acha viril, guerreira, inteligente e, apesar de serem povos com virtudes e defeitos, defendem as suas qualidades. No caso do alemães, por exemplo, o máximo que eles fazem, atualmente, para se redimir de seu complexo de culpa hitleriano é se "condoer",
e pedir desculpas pelas loucuras de Hitler. Êta povinho com complexo de culpa!
Resolveu, agora, receber todos os refugiados de uma guerra que nem é deles, provocada
pelos malucos dos Estados Unidos... Dá para entender: eles
querem mão de obra barata. O que está em jogo, agora, para eles, é receber novos escravos.
Mas,
se Felipe Hirsch quer chamar atenção (e quer, porque é um artista) o conseguiu.
Afinal, seu teatro é para "épater les burgueois", e não só isso: é, principalmente, para pensar na loucura
humana. Vamos dar uma olhada "positiva" no espetáculo, agora. Vamos lá: ele tem fôlego, memória e a interpretação de grandes atores que acreditam
no espetáculo e emprestam o seu vigor ao que apresentam. Eles são Georgette
Fadel, Isabel Teixeira, Danilo Grangheia, Guilherme Weber, Magali Biff, Luna Martinelli, Javier Drolas, Luiz Paetow,
Caio Blat...
Espetáculo extremamente sofisticado, que nos
faz lembrar a vanguarda do teatro europeu. Temos uma equipe
régia, com a composição e execução da
trilha sonora (ao vivo, em piano e guitarra elétrica) feita por Arthur de Faria,
em ritmo alucinante, e também, às vezes, soturnamente delicado. Houve redução
do aparato musical, para a apresentação carioca, simplificaram a parte
"D", ou criaram uma nova, com a ideia de improvisação.
Vejamos agora o complicado desempenho da
literatura: o já citado complexo de vira-lata de autoria de André Sant'Anna. Como
não poderia deixar de ser, Sant'Anna é identificável, e o seu "O Brasil é Bom"
soa bastante preconceituoso, sendo contra as mudanças de padrão que o governo operário
está tentando estabelecer no Brasil. Emprestar para o FMI é um verdadeiro
achado que desmoraliza por completo e coloca a nu o roubo do "Fundo
Monetário Internacional". Quase que o fundo acaba na desmoralização, com
este empréstimo. Pena que a Kishner também não se tornou credora...! Agora eles
estão querendo, novamente, cantar de galo, o FMI, querendo criar uma atmosfera
surreal na política brasileira, dizendo "que o país está caindo de posição."
Ora, ora! Quem eles pensam que são? E André não percebe. Mas dele também é o ponto alto do
espetáculo, o texto "A Lei", com o soldado fardado (um genial Caio
Blat), que horror! Meia platéia de atores burgueses deixa a sala...! E algo ainda sobre "Sexo" (imaginamos que seja de André, já li cada coisa dele!): é o pronunciamento do ótimo Guilherme
Weber, interpretando um "pastor" desenfreado. Conseguir localizar quem diz o texto de quem, neste espetáculo, é meio
complicado, mas imaginamos que o texto (ótimo, dentro de sua proposta de tornar
o sexo escatológico!), seja de Sant'Anna...
(Sei
que poucos críticos se arriscariam a esta adivinhação, a este verdadeiro jogo
de cabra cega, feito de puzzles...)
Prossigamos: já Bernardo Carvalho acha que
seu texto "Amigos e Inimigos" foi tão transformado que já nem é dele,
mas uma criação do coletivo de atores. Está certo. Não podemos dizer o mesmo de
Verônica Stigger (de quem já fui fã), com o seu "No Teatro": pelo
visto está na íntegra, pois é a cara da autora, essa entrada em cena de um tumultuado casal, cuja "forçada" companheira é uma espectadora que detesta ir a teatro. Impactante.
Mas impactante mesmo é "A Lei" (e
volto a eles: Sant'Anna e Caio Blat), que faz alguns espectadores deixarem o
teatro intempestivamente. O texto é hilário, por vezes, e repugnante, na maioria
das vezes. And so it goes... "Ultraliricos", o novo
grupo de Hirsch, que se quer ligado à literatura, já se chamou "Sutil
Companhia de Teatro". Eles agora, como já deu para notar, estão lendo trechos literários ditos em um só fôlego, por atores tão bons que ler literatura já faz parte da arte deles. E que literatura!
Desculpem se não deu para citar todos os
autores. Ficamos condoídos com o gelo no interior do Teatro Carlos Gomes, que
nos fez perder a última parte (noblesse oblige, permanecer, mas eu poderia ter pego uma pneumonia!), na qual o
excelente ator argentino Javier Drolas citava um trecho do chileno Roberto Bolaño,
sobre a distância dos poetas e romancistas da Latino America, e seu olhar
direto para os acontecimentos culturais de além mar. Nada mais normal, somos
todos "crias" do Continente Europeu, precisamos, e estou de acordo com Hirsch - o
paranaense Hirsch, discípulo de Leminski - precisamos abreviar essa distância,
ou acabar com ela. Para Hirsch, "Puzzle" é como um Samurai,
"provocador". Penso que sim. E, como diz a Hannah Arendt, "teatro é
a arte mais política que há" - Pois não é? Pena que não há mais tempo de os cariocas assistirem a este espetáculo. Voltem sempre, "Ultralíricos".
Alguém
da técnica:
Idealização
e Direção Geral: Felipe Hirsch; Iluminação (sem ela, impossível viver), de Beto
Bruel; Figurino (ótimos e usuais), Cristina Camargo; Visagismo: Emi Nagano;
Diretora Assistente: Isabel Teixeira; Execução da Trilha Sonora: Gustavo Breier;
Produção Musical: Arthur de Faria & Gustavo Breier; Critico Interno: Ruy
Filho; Diretor de Palco: Nietzsche; Assessoria de Imprensa Rio: Marina Ivo.
Uau! Amo ler suas críticas, Ida. Sempre.
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