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quarta-feira, 11 de maio de 2016

"VOLÚPIA DA CEGUEIRA"

"Volúpia da Cegueira", Texto, Daniel Porto, direção, Alexandre Lino.
Em cena: Moira Braga
e Aléssio Abdon: "Luxuria"
. (Foto Janderson Pires)

IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT)
(Especial)
“VOLÚPIA DA CEGUEIRA”
     Enquanto não falamos sobre esse acontecimento não podemos ficar tranquilos. Não é todo dia que temos a oportunidade de assistir pessoas cegas interpretando pessoas cegas. No último domingo, dia 8 de maio, no Rio de Janeiro, no Teatro Maria Clara Machado, vivemos a “potencialidade” dessa experiência, através do espetáculo “Volúpia da Cegueira”, autoria de Daniel Porto, pesquisa e direção de Alexandre Lino. Dessa vez fomos convidados a viver a experiência da cegueira em sua profundidade física. As cenas, divididas em episódios, nos dão a “Tortura no breu” - sadismo; “Etapas da Vida” – gravidez; “O Fotógrafo Cego”, entre muitas outras cenas. E, para nossa surpresa, antes do espetáculo o diretor brinda seu público com um tapa olhos, para que ele compreenda a vivência dos cegos, tornando-se um deles.
     Para quem não colocou a “venda preta”, o espetáculo também se inicia no “breu”, pois assim encontramos o espaço cênico, envolvido no escuro mundo dos cegos. Fica-nos o desafio de distinguir, quando as luzes se acendem, qual dos atores possui, ou não, a visão perfeita: esse é um difícil perceber.
     Há quatro atores em cena: Moira Braga, Aléssio Abdon, Felipe Rodrigues e Max Oliveira. Eles se movimentam sem parar, tropeçando em objetos, caindo, levantando-se, em uma coreografia louca, orientada nos ensaios por Paula Feitosa e Moira Braga. As surpresas não cessam. Começamos pelo cenário. Karlla de Lucca, a cenógrafa, imaginou um espaço delimitado por taxas colocadas no chão, desenhando o que (supomos) daria apoio aos atores cegos. Puro preconceito. Os cegos, assim como os dotados de visão, possuem tal destreza que nada os impede de criar a sensação do “caos”. No cenário de Karlla há um complicador: uma banheira e uma mesa são colocados no “espaço cênico”. Na mesa, duas taças de vinho onde tremulam pequenas doses de vinho tinto. Está feita a referência ao que vamos assistir. Tudo bem, os atores irão corresponder ao solicitado, pois foram bem treinados pelo diretor e pela preparadora corporal Paula Feitosa, que também lhes dá apoio vocal.
     Depois de algumas pesquisas e lembranças pessoais, Alexandre Lino (ator conhecido), criou um roteiro e, inspirando-se na obra de Glauco Mattoso - o poeta cego – convidou o autor Daniel Porto para desenvolver a dramaturgia. Depois de muito trabalho conjunto o espetáculo foi montado, e podemos dizer que o resultado é algo impactante. O primeiro impacto acontece quando percebemos que Max Oliveira, o ator que representa com os olhos fechados, não é cego. Aliás, não percebemos. Ele faz das mãos os seus olhos. O trabalho de Max é perfeito. Alexandre Lino revelou-se um diretor seguro. 
     Outra surpresa se estabelece quando percebemos que o ator Alessio Abdon não possui visão. Aliás, também não percebemos, pois ele possui uma “visão livre”, de quem domina “o mundo dos cinco sentidos”. Esse  jogo do inesperado é fascinante, mas não nos desvia do foco essencial: o da cegueira e a emoção sexual. Fortes, belas, e às vezes deprimentes, são as cenas da sexualidade.
     Os quatro atores, excelentes, nos levam, mais uma vez, à conclusão: o talento é um mistério. Felipe Rodrigues, o ator adolescente e cego, diz suas falas como se ator experiente fosse. Sua cegueira é visível. Orientado, canta e diz suas falas com desenvoltura. Declara em cena: “sexo não representa nada para mim. O que gosto é de ler”. E aí nos lembramos do “alfabeto Braile”. Quem fala é o seu “personagem-ator”, transmitindo a verdade de Felipe. Encerramos essas observações sobre o elenco citando o trabalho de Moira Braga, uma atriz no domínio de sua expressão, quando solicitada a dar vida à cega, ou, em cena impactante, quando interpreta a mulher à procura de emoções fortes. Excelente atriz.
     Voltamos ao cenário de Karlla: olhos espreitam o público, muitos olhos, ao fundo da cena. Recurso de uma beleza infinita, destacado pela luz filtrada (e simbólica), de Renato Machado. A iluminação do espetáculo é excelente. Aliás, “Volúpia da Cegueira” é também um grande momento visual. Contradição? A Direção Musical de Alexandre Elias é excelente. Ela nos brinda, em determinado momento, com uma “frase” de notas sutis, evanescentes. “Una furtiva lacrima”, da ópera de Donizetti, “O Elixir do Amor” ...        NÃO PERCAM!                  
          


4 comentários:

  1. Realmente é um espetáculo surpreendente e cheio de emoções.

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  2. Amei!!!Vou ver novamente...

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  3. Que pena eu não ter podido assistir com você. Qualquer experiência teatral na sua companhia é mais saborosa.

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  4. Valeu, Sylvia! Iremos na próxima. Bjs

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