Destaque para o cenario de TEBAS LAND. Em cena, primeiro plano, Otto Jr. interpretando o dramaturgo. Dentro da "jaula" o parricida Martin (Robson Torinni). Ambos atores premiados pelo espetáculo: Otto Jr. com o Prêmio Shell de Melhor Ator; Robson Torinni, Melhor Ator do Botequim Cultural, e Victor Garcia Peralta, Prêmio Botequim Cultural como Melhor Espetáculo e Melhor Direção. Texto do uruguaio Sergio Blanco. . (Foto Jr. Martins)
IDA
VICENZIA
(da
Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT)
(Especial)
“TEBAS LAND”. Não há um momento em que a
gente se desligue do que está acontecendo no palco. Eis algo que o uruguaio
Sergio Blanco, autor do texto, não descuidou. Trata-se de uma verdadeira lição de como escrever uma peça. O diretor Victor
Garcia Peralta acompanha o texto de Blanco e o faz com perfeição. Garcia dirige
a peça como se fosse seu autor. Ela vai sendo escrita durante os encontros do assassino e do dramaturgo.
Então vejamos: trata-se da historia de um
parricida. Ele é um rapaz sem grandes traços de desequilíbrio mental, não é um
monstro, mas está na prisão porque matou seu pai. Em um primeiro momento,
ficamos cobertos de horror e nos negamos a fazer parte da plateia. Porém,
depois de constatar a inspiração do autor (o parricídio como motor da
historia), deixamos de lado os preconceitos e o horror, e resolvemos acompanhar
os labirintos da mente do jovem assassino. E o atenuante vem de Freud: “estamos sempre
matando nossos pais”.
Mas vamos aos argumentos dos dois
personagens envolvidos: o Assassino, e o Autor da Peça que vai nos contar a sua
historia. E lá estamos, novamente, às voltas com os atores pernambucanos!
Robson Torinni é um deles, e dos bons. Ele interpreta dois papéis, o do
parricida e o do ator que irá interpretá-lo no palco. Mais uma vez o
pernambucano radicado no Sudeste mostra seu talento.
E não é em vão.
A escrita da peça, e seu desenvolver, é
uma verdadeira lição de dramaturgia, é um de seus encantos; o outro encanto é a
“respiração” dos acontecimentos, que vão se alojando em nossa compreensão,
fazendo com que vislumbremos os enganos de nossa sociedade. Aos poucos
compreendemos o desamparo daquele ser que vive para lembrar o ato que praticou.
Aos poucos vamos conhecê-lo melhor – ao assassino – e somos apresentados a um
ser “impedido de se tornar humano”, mas levando consigo enorme carga de
humanidade, de sensibilidade, de amor... Enfim, que grande achado de Sergio
Blanco, este texto!
A peça não poderia ter sido escrita no
Brasil, onde um criminoso é jogado no meio de outros criminosos e o pouco que
lhe resta de humano vai ser esquecido no meio da jungle que é o nosso sistema prisional. O que o texto nos apresenta é a prisão em países sofisticados, desenvolvidos em sua maneira europeia de ser, como é o Uruguai. E assim podemos compreender como um ser tão rico em humanidade teria assassinado o próprio pai. Ao conhecermos sua história somos jogados para a região do mito ou da literatura, ou entramos na narrativa da vida real.
E também podemos usar a palavra sabedoria, pois a peça é de uma beleza sublime. Ao se despedir do assassino, o dramaturgo (interpretado pelo excelente ator mineiro que é Otto Jr.), presenteia aquele ser abandonado com um mundo desconhecido: as gravações das músicas que tocam à sensibilidade do assassino, como Mozart, por exemplo. E também o presenteia com três peças de teatro, sendo uma delas o texto de "Édipo Rei"! E vemos o assassino Martin tentando ler, se situar no reino do humano. Ou do mito...
Isso tudo será ficção? Ou pode
acontecer onde as prisões se dão ao
luxo de ter psicólogos para atender aos assassinos. Isso pode acontecer onde há
recintos - limitados como prisões, é verdade –
onde o assassino pode treinar basquete, para o corpo não enlouquecer,
junto com a mente. “Mens sana in corpore sano”. Até parece aquela citação
latina nossa conhecida, lema da Associação Cristã de Moços. Sim, esta prisão é estranha. Ela limita a
saída do presidiário para ver a sua própria vida no palco, mas permite a
entrada de aparelhos sofisticados, de última geração, para a delícia do preso.
Olha o perigo! O próprio dramaturgo disse que teve consentimento da direção
para entregar o aparelho (IPod, IPed, qualquer coisa desse gênero), para o detento.
Só em país civilizado, mesmo! Foi lindo! A peça se encerra com a luzinha do
aparelho brilhando sobre o rosto de Martin, e ele soletrando o texto de Édipo
Rei!
Mas
fomos atraídos, como público, pela palavra “TEBAS”! As tragédias gregas fascinam, e o local onde se
deu o primeiro parricídio grego, em teatro, foi na estrada que leva para TEBAS,
a cidade onde Édipo encontra o seu destino!
Sergio Blanco, o autor de “TEBAS LAND” sabe disso, e conduz a sua
criação de maneira excepcional. Na peça, o autor do texto (interpretado por
Otto Jr.), entrevista o assassino Martin (Robson Torinni), e vemos surgir, entre
os dois, a amizade e a compreensão (entre criador e criatura). É bonito. A
estrutura teatral é concretizada nestes encontros.
Os dois atores (e três personagens) ... dizem e fazem tudo o que poderia ser dito (e
feito), dentro dessa estrutura de metalinguagem em que a peça se transformou. O
teatro dentro do teatro. Não sabemos, ou não queremos saber, onde começa a
ficção, ou onde a realidade se estabelece. Como diz Victor Garcia Peralta,
citando um texto da peça “A representação do mundo pode ser melhor do que o
mundo”.
Mas voltemos a “TEBAS LAND” ( a peça que está
sendo escrita a partir do encontro dos três). Seu autor sabe que terá imenso
sucesso, e será interpretada mundo afora (verdade). É a feitura do texto uma “mentira”
em andamento na frente de nossos olhos? Mas o autor da peça é um homem culto, e
tem intimidade intelectual com Dostoiévski e seu romance “Os Irmãos Karamazov”,
onde um parricídio acontece. Ele também cita o mito de “Édipo Rei”, e, depois
de conhecer a tragédia da vida de Martin, nele se inspira. E, a seguir, através
do raciocínio de Freud, desmonta o mito: “Todos nós matamos nossos pais”. E
comenta: “Não, Martin não é um parricida, ele matou um monstro, não seu pai”.
Os dois, entrevistador e entrevistado, se
encontram dentro de uma “jaula” de basquete (cenário de José Baltar,
impressionante pelos seus desdobramentos), e é nesta jaula que o dramaturgo conclui
seu pensamento a respeito do que está acontecendo: “Na verdade, como diz Freud,
é mais fácil ser descendência do que raiz”. Ele está se referindo a ser filho,
e não pai. Nem sempre queremos ser pais.
Com todas as citações do futuro autor de
sucesso (interpretado por Otto Jr.), estamos na presença de um texto culto, de
uma America Latina culta, guiada pelas mãos de Sergio Blanco. Brindemos ao
texto e a sua perfeição! Nesta montagem a iluminação, atuante, é de Maneco
Quinderé. Com tradução de Esteban Campanela, o texto se materializa e escorre
de maneira caudalosa, nas mãos do diretor premiado que é Victor Garcia Peralta.
Trata-se de um espetáculo ajustado, fluente, que reforça nosso amor ao teatro e
faz com que participemos com desassombrada atenção a tudo o que ocorre no palco. Parabéns!
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domingo, 31 de março de 2019
"TEBAS LAND"
sexta-feira, 29 de março de 2019
"O LAGO DOS CISNES"
Juliana Martins interpretando Odile em "O Lago dos Cisnes", direção de Alexandre Lino (Foto de Janderson Pires) |
Juliana Martins interpretando Odette, em "O Lago dos Cisnes", texto de Daniel Porto. (Foto de Janderson Pires).
IDA
VICENZIA
(da
Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT)
(Especial)
Que ideia tão linda! “Sou planta, sou gente? De que mundo surgi?” – e lá vai ela,
nas janelas dos ônibus, nos cartazes do teatro, chamando a atenção de quem
adora ballet! É a imagem de Odette, do “Lago
dos Cisnes”, de Tchaikovsky!
Levar à cena, para toda a família, foi uma
ideia do diretor Alexandre Lino, que criou o Projeto “Música Clássica no Teatro para Toda
Família”. Depois de Tchaikovsky virá (tomara!) Chopin, Bach, Vivaldi e
Beethoven. Estes são os planos de Alexandre, e ele não está só. O autor Daniel
Porto, que já nos deu, em 2016, o texto
de “A Volupía da Cegueira”, belo espetáculo dirigido por Alexandre - por nós
assistido, e jamais esquecido.
Alexandre Lino é aquele ator que veio de
longe e se firmou como grande talento para o teatro. Antonio Abujamra sempre
disse que os pernambucanos fazem um teatro admirável. Lino é pernambucano, porém
optou por fazer sucesso no Rio de Janeiro, desde 1993, e já fez muito sucesso. Eis
que agora, junto com Daniel Porto e Juliana Martins (atriz), nos apresenta “O
Lago dos Cisnes”! Vejam só:
Aquele “cisne” tão diferente que nos chamou
a atenção, nos anúncios dos ônibus, acabou se transformando em uma experiência tão linda e poética, que esta
crítica não resistiu à ideia de escrever sobre ele.
O que ouvimos, no início do espetáculo, é
a melodia maravilhosa de Tchaikovsky em o Canto do Cisne (A Morte do Cisne?), e
aquele monte de lixo se agitando. É o lago! E uma voz vai narrando para as
crianças a historia de Odette, seu príncipe Siegfried, e a maldição de
Rothbart, o feiticeiro. E a maldade de sua filha, Odile.
Aliás, as cenas todas são apresentadas com
simplicidade e força, característica de uma obra de arte. A entrada de Odile no
baile, traindo Odette, é marcante, como
marcante é a tristeza de Odette ao ver o seu sonho desfeito! Sua morte é
simulada pela belíssima música de Tchaikovsky e as crianças que assistem ao espetáculo
se agitam e comentam: “Ela não morreu, dá um beijinho nela!” (Para as crianças a morte não
existe...). E não existiu, mesmo, neste
espetáculo, que é desenvolvido com a sensível atuação de Juliana, neste solo em
que representa Odette/Odile. Juliana não é uma bailarina, mas se saiu muito bem
na simulação de uma personalidade delicada e gentil (e feroz, interpretando
Odile), como deve ser a personalidade de uma bailarina. Ótima atriz, Juliana
Martins!
Os idealizadores deste espetáculo estão de
parabéns. Aconselhamos este belo momento que se estabelece nos fins de semana
no Teatro PetroRio Das Artes, Shopping da Gávea. Não percam! A trilha sonora
original (pois Tchaikovsky é saudado em diversos momentos, e de diversas
maneiras), é de Alex Fonseca (inacreditável, para quem adora este balé!). A direção de Arte é de Karla de Luca e a Iluminação
de Paulo Denizot. A Consultoria sobre “Cisnes & Direção de Movimento” é de
Giselda Fernandes. Assistente de Direção, Rodrigo Salvadoretti (atualmente
interpretando o Rei Arthur jovem, em “Merlin e Arthur - Um Sonho de Liberdade” – outro momento teatral
inesquecível). Assessoria de Imprensa Minas de Ideias. A Idealização do espetáculo é de Alexandre Lino.
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sábado, 23 de março de 2019
"AO SOM DE RAUL SEIXAS - MERLIN E ARTHUR - UM SONHO DE LIBERDADE"
terça-feira, 19 de março de 2019
Elenco e músicos de "Minha Vida Daria Um Bolero": da esquerda para a direita: Diego Zangado (percussão); Françoise Forton e Aloísio de Abreu (atores), Itamar Assiere, piano. Texto de Artur Xexéo. Direção Rubens Camelo e Paulo Denizot, também diretor musical (Foto de Moskow).
IDA VICENZIA
Crítica de Teatro
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro
–
AICT)
Em
cartaz nos fins de semana no Teatro Vannucci um espetáculo simpático, simples e
carregado de empatia. O público se identifica. Trata-se de “Minha Vida Daria Um
Bolero”, texto de Artur Xexéo, direção de Rubens Camelo e Paulo Denizot. Para
quem quer assistir a uma comédia musical sem maiores pretensões, é uma boa
pedida. Os atores se comunicam através da
música e de suas vozes narrativas, havendo o encontro definitivo só no final do
espetáculo. A ação se desenvolve sob a interpretação dos personagens de
Françoise Forton e Aloísio de Abreu.
Nada mais simples: dois músicos e dois
atores compõe a cena. Entre os músicos temos ao piano Itamar Assiere - que também
faz a Direção Musical, e Diego Zangado na Percussão. Diego tem uma pequena
participação no enredo, quando empresta seu celular para Diana Miranda (Forton),
que está atrapalhada procurando localizar seu amigo (e futuro amor) Orlando
(interpretado por Aloísio de Abreu). Ela está no meio de uma tempestade carioca!
Aliás, a cena da tempestade é muito bem conduzida. Os encontros e desencontros
do futuro casal são resolvidos com muito bom humor do texto, direção e atores.
Todos colaboram acertadamente, para alegria do público. O canto e a dança são
recebidos com emoção pela plateia, que chega a cantar, a meia voz, alguns dos clássicos
boleros apresentados, como “Tu me
acostumbraste”, “Contigo Aprendi”, ou “Aquellos ojos verdes”, e muitos outros
mais. São 18 músicas interpretadas, em 70 minutos, pelos dois atores. É
surpreendente. É ver para crer.
Simples, o cenário de Carlos Alberto Nunes concretiza-se apenas com um
pano de fundo negro onde se destaca a logomarca da Radio Mundo. Uma mesa no
centro da cena, ao fundo, e sobre ela um transmissor de rádio. É neste
transmissor que Diana Miranda (Françoise Forton) veicula o seu programa: um consultório
sentimental para notívagos. Diana trabalha durante uma hora (da meia noite até 1
hora da madrugada), mas o programa não possui audiência, e, justamente na noite
em que ele vai sair do ar, é quando tudo acontece. Orlando (Aloísio de Abreu)
surge e o mundo muda, porém ela não imagina o quanto.
Como já foi dito, o espetáculo encanta pela sua despretensão. Tudo é
feito com muita inteligência e profissionalismo. A simplicidade também pode ser
complexa... As trocas dos figurinos de Clívia Cohen, os próprios figurinos, tão
simples, acabam se transformando, como em um passe de mágica, e a facilidade
com que Forton radialista se transforma
em uma cantora (e o que faz com muito humor e ironia), é surpreendente. Também Aloísio
de Abreu (excelente intérprete), surge, em primeira cena, vestido a caráter, terno
e gravata, mas aos poucos vai se descontraindo e fazendo surgir o professor de
dança de salão. Aloísio (Orlando) é o personagem que se apaixona pela voz da
radialista, e este mote acompanha o desenrolar da cena: pode o amor surgir pelo som de
uma voz? Aliás, os dois se apaixonam ao
ouvir o som de suas vozes... Constatamos que o espetáculo é uma homenagem ao som,
em todos os sentidos.
A direção de movimento é de Marina Salomon,
e a preparação vocal é de Paula Santoro. Ao todo, um espetáculo bem cuidado e
uma equipe técnica de primeira. Enfatizo: o que encanta no espetáculo é a sua despretensão
e o humor que o permeia. A plateia agradece.
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