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domingo, 31 de março de 2019

"TEBAS LAND"

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Destaque para o cenario de TEBAS LAND. Em cena, primeiro plano, Otto Jr.
interpretando o dramaturgo. Dentro da "jaula" o parricida Martin (Robson Torinni).
Ambos atores premiados pelo espetáculo: Otto Jr. com o Prêmio Shell de
Melhor Ator;
Robson Torinni, Melhor Ator do Botequim Cultural, e Victor Garcia
Peralta, Prêmio Botequim
Cultural como Melhor Espetáculo e Melhor Direção.

Texto do uruguaio Sergio Blanco.
. (Foto Jr. Martins)   




IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT)
(Especial)

     “TEBAS LAND”. Não há um momento em que a gente se desligue do que está acontecendo no palco. Eis algo que o uruguaio Sergio Blanco, autor do texto, não descuidou. Trata-se de uma verdadeira lição de como escrever uma peça. O diretor Victor Garcia Peralta acompanha o texto de Blanco e o faz com perfeição. Garcia dirige a peça como se fosse seu autor. Ela vai sendo escrita durante os encontros do assassino e do dramaturgo. 

     Então vejamos: trata-se da historia de um parricida. Ele é um rapaz sem grandes traços de desequilíbrio mental, não é um monstro, mas está na prisão porque matou seu pai. Em um primeiro momento, ficamos cobertos de horror e nos negamos a fazer parte da plateia. Porém, depois de constatar a inspiração do autor (o parricídio como motor da historia), deixamos de lado os preconceitos e o horror, e resolvemos acompanhar os labirintos da mente do jovem assassino. E o atenuante vem de Freud: “estamos sempre matando nossos pais”. 

     Mas vamos aos argumentos dos dois personagens envolvidos: o Assassino, e o Autor da Peça que vai nos contar a sua historia. E lá estamos, novamente, às voltas com os atores pernambucanos! Robson Torinni é um deles, e dos bons. Ele interpreta dois papéis, o do parricida e o do ator que irá interpretá-lo no palco. Mais uma vez o pernambucano radicado no Sudeste mostra seu talento. 

  E não é em vão. 

     A escrita da peça, e seu desenvolver, é uma verdadeira lição de dramaturgia, é um de seus encantos; o outro encanto é a “respiração” dos acontecimentos, que vão se alojando em nossa compreensão, fazendo com que vislumbremos os enganos de nossa sociedade. Aos poucos compreendemos o desamparo daquele ser que vive para lembrar o ato que praticou. Aos poucos vamos conhecê-lo melhor – ao assassino – e somos apresentados a um ser “impedido de se tornar humano”, mas levando consigo enorme carga de humanidade, de sensibilidade, de amor... Enfim, que grande achado de Sergio Blanco, este texto!  

     A peça não poderia ter sido escrita no Brasil, onde um criminoso é jogado no meio de outros criminosos  e o pouco que lhe resta de humano vai ser esquecido no meio da jungle que é o nosso sistema prisional. O que o texto nos apresenta é a prisão em países sofisticados, desenvolvidos em sua maneira europeia de ser, como é o Uruguai. E assim podemos compreender como um ser tão rico em humanidade teria assassinado o próprio pai. Ao conhecermos sua história somos jogados para a região do mito ou da literatura, ou entramos na narrativa da vida real.      


     E também podemos usar a palavra sabedoria, pois a peça é de uma beleza sublime. Ao se despedir do assassino, o dramaturgo (interpretado pelo excelente ator mineiro que é Otto Jr.), presenteia aquele ser abandonado com um mundo desconhecido: as gravações das músicas que tocam à sensibilidade do assassino, como Mozart, por exemplo. E também o presenteia com três peças de teatro, sendo uma delas o texto de "Édipo Rei"! E vemos o assassino Martin tentando ler, se situar no reino do humano. Ou do mito...   

     Isso tudo será ficção? Ou pode acontecer onde as prisões se dão  ao luxo de ter psicólogos para atender aos assassinos. Isso pode acontecer onde há recintos - limitados como prisões, é verdade –  onde o assassino pode treinar basquete, para o corpo não enlouquecer, junto com a mente. “Mens sana in corpore sano”. Até parece aquela citação latina nossa conhecida, lema da Associação Cristã de Moços.  Sim, esta prisão é estranha. Ela limita a saída do presidiário para ver a sua própria vida no palco, mas permite a entrada de aparelhos sofisticados, de última geração, para a delícia do preso. Olha o perigo! O próprio dramaturgo disse que teve consentimento da direção para entregar o aparelho (IPod, IPed, qualquer coisa desse gênero), para o detento. Só em país civilizado, mesmo! Foi lindo! A peça se encerra com a luzinha do aparelho brilhando sobre o rosto de Martin, e ele soletrando o texto de Édipo Rei!  

     Mas fomos atraídos, como público, pela palavra “TEBAS”! As  tragédias gregas fascinam, e o local onde se deu o primeiro parricídio grego, em teatro, foi na estrada que leva para TEBAS, a cidade onde Édipo encontra o seu destino!  Sergio Blanco, o autor de “TEBAS LAND” sabe disso, e conduz a sua criação de maneira excepcional. Na peça, o autor do texto (interpretado por Otto Jr.), entrevista o assassino Martin (Robson Torinni), e vemos surgir, entre os dois, a amizade e a compreensão (entre criador e criatura). É bonito. A estrutura teatral é concretizada nestes encontros. 

     Os dois atores (e três personagens) ...  dizem e fazem tudo o que poderia ser dito (e feito), dentro dessa estrutura de metalinguagem em que a peça se transformou. O teatro dentro do teatro. Não sabemos, ou não queremos saber, onde começa a ficção, ou onde a realidade se estabelece. Como diz Victor Garcia Peralta, citando um texto da peça “A representação do mundo pode ser melhor do que o mundo”. 

     Mas voltemos a “TEBAS LAND” ( a peça que está sendo escrita a partir do encontro dos três). Seu autor sabe que terá imenso sucesso, e será interpretada mundo afora (verdade). É a feitura do texto uma “mentira” em andamento na frente de nossos olhos? Mas o autor da peça é um homem culto, e tem intimidade intelectual com Dostoiévski e seu romance “Os Irmãos Karamazov”, onde um parricídio acontece. Ele também cita o mito de “Édipo Rei”, e, depois de conhecer a tragédia da vida de Martin, nele se inspira. E, a seguir, através do raciocínio de Freud, desmonta o mito: “Todos nós matamos nossos pais”. E comenta: “Não, Martin não é um parricida, ele matou um monstro, não seu pai”.

     Os dois, entrevistador e entrevistado, se encontram dentro de uma “jaula” de basquete (cenário de José Baltar, impressionante pelos seus desdobramentos), e é nesta jaula que o dramaturgo conclui seu pensamento a respeito do que está acontecendo: “Na verdade, como diz Freud, é mais fácil ser descendência do que raiz”. Ele está se referindo a ser filho, e não pai. Nem sempre queremos ser pais. 

     Com todas as citações do futuro autor de sucesso (interpretado por Otto Jr.), estamos na presença de um texto culto, de uma America Latina culta, guiada pelas mãos de Sergio Blanco. Brindemos ao texto e a sua perfeição! Nesta montagem a iluminação, atuante, é de Maneco Quinderé. Com tradução de Esteban Campanela, o texto se materializa e escorre de maneira caudalosa, nas mãos do diretor premiado que é Victor Garcia Peralta. Trata-se de um espetáculo ajustado, fluente, que reforça nosso amor ao teatro e faz com que participemos com desassombrada atenção a tudo o que ocorre no palco.  Parabéns!      

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