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quarta-feira, 13 de julho de 2022

 

              IDA  VICENZIA

( da Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT)

(Especial)

O   H O M E M   D O  P L A N E T A   A U S C H W I T Z

Como podemos constatar, a dramaturga Miriam Halfim, com o seu  “O Homem do Planeta Auschwitz”, busca entender o que aconteceu com seu povo naquele momento histórico que está sempre tão presente entre nós...

 - e sua barbárie! Os anos em que enfrentamos as duas guerras mundiais!

Com esse texto Halfim  está desvendando seu passado, e o passado de seu povo! Povo que possui, historicamente, várias interpretações em sua trajetória de vida: escolhido de Deus: um Deus raivoso, do Antigo Testamento, ou um ser supremo benevolente, “admirador” dos profetas de seu povo escolhido?

Nos perguntamos: como aconteceu isso, essa barbárie?  Está garantido que não se repetirá? E é, através dessas perguntas, que a autora desenvolve seu pensamento. Muitos têm medo de acompanhá-la (daí o pouco público na plateia da Casa de Cultura Laura Alvim, no Rio de Janeiro?) – acompanhá-la, e à sua narrativa.

Mas a cada mudança histórica devemos estar bem atentos aos novos (novos?!)  acontecimentos. E estamos novamente em uma mudança histórica, nos dias que correm, em um novo “ciclo civilizatório”. Saberemos responder ao seu chamado, saberemos evoluir?

A evolução que os tempos atuais procuram é a Humanização da sociedade - mas as passagens históricas mostram o seu poder, e não é possível ignorá-la...

...  e o capitalismo continua querendo nos aprisionar, dessa vez com as novas  condições sócio econômicas que o novo Milênio apresenta.

Mas a pergunta continua: o que tornou possível a Adolph Hitler inaugurar a catástrofe nazista? o que a fez aflorar?

Podemos dizer – com muito medo de errar... – que foi o RESSENTIMENTO que levou os humanos a este estado de barbárie? Sim...! de certa forma, sim! O espetáculo a que fomos assistir nos leva a tal conclusão. Senão vejamos:

Estamos na Primeira Guerra Mundial (1914/ 1918...) e nos deparamos com o Mal sendo imposto, em 1919, à Alemanha derrotada, o que seria, para aquele povo orgulhoso, a mais aviltante das derrotas: o Tratado de Versalhes e a rendição da Germânia – sua ideologia e raça - Áustria e Polônia incluídas. Mas algo continuou palpitante, sob a destruição daquele povo que se achava o escolhido.

E é surpreendente, para um Humanista, ver nascer o nazismo na civilizada Áustria, um país aonde nasceu  Adolph Hitler, e um país que era considerado o Centro da Cultura europeia! A Áustria dos grandes compositores, dos grandes poetas, gerou Adolph Hitler!  

O que aconteceu depois explica o “ressentimento”.

Pois aquele jovem austríaco  teve a ambição de ser um grande artista plástico (talento não lhe faltava), mas foi preterido por  “implicações sociais”. A sociedade humana acaba criando constrangimentos que trazem na sua raiz o ressentimento. E o jogo dos poderosos se estabelece, e ninguém consegue explicar como tudo aconteceu. Será?

O texto ao qual nos referimos agora, “O Homem do Planeta Auschwitz”,  se propõe a rever como tudo começou, e a levar o público a pensar em uma possível reedição do mesmo erro. Esse é o texto em que autor, diretor e elenco devem (e conseguem!)  transformar os acontecimentos do início do século XX, em um motivo de reflexão... para os que vieram depois do Holocausto!

Sim. O que vamos falar é sobre o Holocausto, e como ele pode ressurgir novamente, a qualquer momento! O público, esse complemento indispensável para que o teatro se realize, tem medo que o passado volte a acontecer.   

Mas é justamente para entender o passado, e para que ele não se repita, que a filósofa alemã (judia) Hanna Arendt (interpretada por Susanna Kruger) utiliza seu verbo desafiador para que o passado não seja esquecido, e é justamente isso o que o escritor polonês Yehiel De-Nur (interpretado por Mario Borges) enfatiza, em seu horror - o desejo de esquecer a força que destroçou o seu mundo!

Essa peça envolve-se em um embate entre o racional e o emocional, enriquecendo o texto e a atuação dos atores. Neste jogo teatral, o “juer” do diretor Ary Coslov, com seus dois atores, resulta em um desenvolvimento exemplar da verdade!

Mário Borges interpreta, com forte emoção, o escritor judeu que teve sua família exterminada em Auschwitz. Ele é o “sobrevivente” - “o homem do Planeta Auschwitz”  e traz em sua interpretação a emoção que tal horror desencadeia!

Por outro lado, a corajosa filósofa judia alemã Hanna Arendt (Susanna Kruger), impõe, com seu raciocínio, a compreensão do que aconteceu naqueles tempos irracionais. Sua reflexão sobre a banalidade do mal tornou-se um ponto de reflexão, em nossos dias. Com seu claro raciocínio, Hanna desperta, para o público, o momento irracional do inferno nazista, e destaca, com emoção, para a necessidade imperiosa  que tal acontecimento não se reproduza, que se torne algo inaceitável – terrível - em nossos dias.

É quando, no final da peça, a atriz Susanna Kruger se aproxima da boca de cena e faz um sinal para que a cabine de luz ilumine a plateia... e coloca, com sua fala, o que vivemos hoje (fica subentendido que se trata do Brasil). Essa fala se torna uma resposta viva sobre os acontecimentos, e a finalidade do espetáculo!

Com esse fecho o diretor e a autora dão a dimensão do pensamento desenvolvido durante o espetáculo!

A atriz, com o seu gesto, parece estar dizendo: “Não deixemos que a barbárie se estabeleça entre nós, que retorne, que tome conta de nossa sociedade, de nossas vidas!”

... e o espetáculo se repõe, em toda a sua verdade!

Essa cena – e muitas outras  – devem ser presenciadas pelos amantes do teatro!

NÃO PERCAM!

Sim, essas reflexões representam  a luta entre duas forças poderosas: o bem e o mal. E verificamos que devemos estar atentos para que o bem  triunfe sobre  o mal – pois este último  espalha o desespero vivido em nossos dias.

Os dois protagonistas (Borges e Kruger) tentam compreender, desesperadamente, os acontecimentos que levaram ao quase extermínio de um povo. Tal reflexão não impede que essas forças do mal continuem atuando e provocando maior extermínio. É preciso se colocar, de todas as maneiras: enfrentar o que pode ser o fim da Humanidade!

Para as pessoas que se recusam a assistir a este espetáculo, se recusam a presenciar este episódio dolorido, que se recusam a reviver este episódio dantesco, dizemos que não o devemos esquecer, nunca! Precisamos estar atentos, para que ele não se repita. O medo de se emocionar com as cenas vividas no palco deve ser, ao contrário, o alento e a procura do estar no mundo, do nosso público!

Todos os países estão ameaçados de tal catástrofe, todas as religiões, todos os povos.   

É preciso estar atento!

Sim, precisamos reproduzir os acontecimentos no Planeta Auschwitz – aquele planeta do qual as pessoas só saem “pela fumaça da chaminé” – como diziam os guardas do campo de concentração, fortalecendo a sua vitoria macabra!

Mas como chegamos a esse ponto?

A peça, o texto,  nos leva a presenciar  alguma coisa perigosa, latente, que está entranhada no complexo da alma humana. Repetimos: o ressentimento! E esse sentimento nasce ao se fazer a pessoa se sentir excluída. Eis algo que devemos levar em conta, de maneira muito cuidadosa. Muitos males poderiam ser evitados se as pessoas conhecessem a força do acolhimento, do gesto de acolher.

Este gesto não se adapta ao gesto impensado que desencadeia todas as guerras. Existiria Hitler, se os alemães, e todos os poderosos do mundo, não criassem e fizessem existir essa ideia da superioridade ariana, dos “arianos puros” que tentaram excluir do mundo dos vivos grande parcela da Humanidade?

Existiria Hitler, se os poderosos do mundo não quisessem calar as cabeças pensantes em favor de sua ambição pelo dinheiro, pelo lucro? 

Pergunta-se: por que enorme parcela da Humanidade embarcou neste egoísmo, nesta mesquinhez?  

Ficamos por aqui, desejando que um espetáculo tão doloroso como este seja lembrado pelo público, compartilhado pelos que querem um mundo melhor para viver.

A ficha técnica é das melhores: a composição do cenário de Marcos Flaksman reproduz o irremediável da destruição e das guerras.  O desenho da luz de Aurelio de Simoni enfatiza o poderoso simbolismo da ação. Figurinos do cotidiano de Wanderley Gomes.

Trilha sonora de Ary Coslov, e direção de movimento de Marcelo Aquino. Produção Executiva Bárbara Montes Claros.                    

A  PEÇA  É  UM  DESNUDAR-SE,  UM  SE  LIVRAR  DE  UM

MUNDO  QUE  NOS  SUFOCA!

Devemos prestigiar a este espetáculo!    


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