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domingo, 22 de julho de 2012

Leonardo Medeiros em "O Livro dos Itens do Paciente Estevão
(foto divulgação)


IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial) 

Ou estou ficando maluca, ou a incompreensão entre público e espetáculo é radical, neste  "O livro dos itens do paciente Estevão", estreia de Felipe Hirsch e sua Sutil Companhia de Teatro neste último dia 11 de julho, no Rio de Janeiro, SESC Copa. A princípio pensamos estar "enfrentando" (e essa é a palavra, "não temos tempo para a semântica" como diz um dos médicos loucos), um espetáculo de "Grand Guignol", com todos os recursos horripilantes que ele pode oferecer!
     Mas nos comprometemos com as 5 horas de espetáculo e ficamos dispostos a enfrentar o desafio: afinal, saber como o normal Estevão (Leonardo Medeiros) enfrentará suas desditas, nos impede de deixar o teatro ao primeiro (e único) intervalo. Com cenário de Daniela Thomas, e a fantástica luz de Beto Bruel, os artistas pensaram com carinho em todas as representações do horror e do grotesco para incluí-los na cena, desde caveiras, esqueletos, até cadeiras de roda, forcas, etc. - envolvidos por ruídos, sons e marcações de suspense. Mas nada disso se compara à música delirante e adaptável ao circo de horrores do diretor. Fato interessante: os personagens da cultura "pop", que tanto "frisson" causaram em "O Céu está Vazio", se vulgarizaram com a presença maciça nessa peça paulistana. Assim, tem a emo, representada pela filha adolescente de Estevão, e o "costume-player" que se desdobra em vários personagens. Eles variam com tal assiduidade e profusão, misturados a outros personagens fantásticos que, a princípio, pensamos estar testemunhando alucinações, porém depois ficamos sabendo que, sim, tais problemas fazem parte de uma situação de vida do diretor Hirsch, unida à  inspiração vinda de um  livro, "O paciente Steve", de Sam Lipsyte, com tradução de Cid Knipel.
     Felipe Hirsch foi buscar inspiração para escrever sua peça em um fato acontecido com ele - e não só com ele, podemos garantir - e os desmandos da classe médica, dos amores, da compulsão e tudo o mais que envolve a sociedade atual. E, de repente, o que nos parece descabelado começa a tomar forma, corpo, e, súbito, entendemos a peça. Claro, essa forma de narrativa pode ser o caminho para acompanhar a loucura de nossa sociedade. Alguns diretores a estão captando, uns com mais precisão, como é o caso extremo de Hirsch, outros ainda às apalpadelas, porém podemos nos orgulhar de termos cabeças que não precisam de napalm em cima para perceberem que algo está fora de lugar, na nossa sociedade e na raça humana. Tivemos esboços, tanto em tratamentos diferentes para a nossa subjetividade, como o exemplo recente "Abram-se os Histéricos!" - atualmente em cartaz no Espaço Tom Jobim, ou mesmo o já citado "O Céu está Vazio" - mas nunca com a contundência do que se imagina ser um Tadeusz Kantor, como é o caso de Hirsch.
     Sim, Felipe Hirsch resolveu falar sobre a morte. Enfrentar o seu mistério. Só podemos dizer que, aproveitando esse olhar, ele o estende a todas as distorções da vida. Cerca-se, é claro, de excelentes atores, para conseguir realizar o seu intento. Ele trabalha com Guilherme Weber, seu companheiro de tantas montagens bem sucedidas, e com Leonardo Medeiros, o alter ego do diretor que acompanha toda a montagem, o único personagem coerente e levemente sadio. Weber, por sua vez, é um alucinado que se transforma o tempo inteiro, culminando, em um dado momento, em Adolfo Henrique (por que será esse Adolfo, hein?), o criador do "Centro de Recuperação de Almas": mais  mórbido impossível.
     Quem quiser assistir a peça - só vai até dia 5 de agosto - vai se surpreender com o seu final. Indeed. Os figurinos são de Cassio Brasil, uma enrascada futurista; os vídeos de Frederico Machuca; produção de Objetos de Alice Carvalho e o cenotécnico, bom pra caramba, é Paulo Batistela. O sistema de projeção fica com Martin Bonardi. Agradeço a gentileza de Beto Bruel, que me cedeu a ficha técnica.
     ... E assim se escreve um livro: em 5 horas, 9 cadernos divididos em 2 partes: "Os Princípios" e "Os Domínios". Autor: Estevão, o paciente.                 

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