Leonardo Medeiros em "O Livro dos Itens do Paciente Estevão (foto divulgação) IDA VICENZIA (da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT) (Especial) |
Ou estou ficando maluca, ou a incompreensão entre
público e espetáculo é radical, neste "O livro dos itens do paciente
Estevão", estreia de Felipe Hirsch e sua Sutil Companhia de Teatro neste
último dia 11 de julho, no Rio de Janeiro, SESC Copa. A princípio pensamos
estar "enfrentando" (e essa é a palavra, "não temos tempo para a
semântica" como diz um dos médicos loucos), um espetáculo de "Grand
Guignol", com todos os recursos horripilantes que ele pode oferecer!
Mas nos comprometemos com as 5 horas de espetáculo e ficamos dispostos a
enfrentar o desafio: afinal, saber como o normal Estevão (Leonardo Medeiros)
enfrentará suas desditas, nos impede de deixar o teatro ao primeiro (e único)
intervalo. Com cenário de Daniela Thomas, e a fantástica luz de Beto Bruel, os
artistas pensaram com carinho em todas as representações do horror e do
grotesco para incluí-los na cena, desde caveiras, esqueletos, até cadeiras de
roda, forcas, etc. - envolvidos por ruídos, sons e marcações de suspense. Mas
nada disso se compara à música delirante e adaptável ao circo de horrores do
diretor. Fato interessante: os personagens da cultura "pop", que
tanto "frisson" causaram em "O Céu está Vazio", se
vulgarizaram com a presença maciça nessa peça paulistana. Assim, tem a emo, representada pela filha
adolescente de Estevão, e o "costume-player" que se desdobra em
vários personagens. Eles variam com tal assiduidade e profusão, misturados a
outros personagens fantásticos que, a princípio, pensamos estar testemunhando
alucinações, porém depois ficamos sabendo que, sim, tais problemas fazem parte
de uma situação de vida do diretor Hirsch, unida à inspiração vinda de
um livro, "O paciente Steve", de Sam Lipsyte, com tradução de
Cid Knipel.
Felipe Hirsch foi buscar
inspiração para escrever sua peça em um fato acontecido com ele - e não só com
ele, podemos garantir - e os desmandos da classe médica, dos amores, da
compulsão e tudo o mais que envolve a sociedade atual. E, de repente, o que nos
parece descabelado começa a tomar forma, corpo, e, súbito, entendemos a peça.
Claro, essa forma de narrativa pode ser o caminho para acompanhar a loucura de
nossa sociedade. Alguns diretores a estão captando, uns com mais precisão, como
é o caso extremo de Hirsch, outros ainda às apalpadelas, porém podemos nos
orgulhar de termos cabeças que não precisam de napalm em cima para perceberem
que algo está fora de lugar, na nossa sociedade e na raça humana. Tivemos
esboços, tanto em tratamentos diferentes para a nossa subjetividade, como o
exemplo recente "Abram-se os Histéricos!" - atualmente em cartaz no
Espaço Tom Jobim, ou mesmo o já citado "O Céu está Vazio" - mas nunca
com a contundência do que se imagina ser um Tadeusz Kantor, como é o caso de
Hirsch.
Sim, Felipe Hirsch resolveu
falar sobre a morte. Enfrentar o seu mistério. Só podemos dizer que,
aproveitando esse olhar, ele o estende a todas as distorções da vida. Cerca-se,
é claro, de excelentes atores, para conseguir realizar o seu intento. Ele trabalha com Guilherme
Weber, seu companheiro de tantas montagens bem sucedidas, e com Leonardo
Medeiros, o alter ego do diretor que acompanha toda a montagem, o único
personagem coerente e levemente sadio. Weber, por sua vez, é um alucinado que
se transforma o tempo inteiro, culminando, em um dado momento, em Adolfo Henrique (por que será esse Adolfo, hein?), o
criador do "Centro de Recuperação de Almas": mais mórbido
impossível.
Quem quiser assistir a peça - só vai até dia 5 de agosto - vai se surpreender
com o seu final. Indeed. Os figurinos são de Cassio Brasil, uma enrascada
futurista; os vídeos de Frederico Machuca; produção de Objetos de Alice
Carvalho e o cenotécnico, bom pra caramba, é Paulo Batistela. O sistema de
projeção fica com Martin Bonardi. Agradeço a gentileza de Beto Bruel, que me
cedeu a ficha técnica.
... E assim se escreve um
livro: em 5 horas, 9 cadernos divididos em 2 partes: "Os Princípios"
e "Os Domínios". Autor: Estevão, o paciente.
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