Rogério Freitas (Hefaísto), Alcemar Vieira (Dionísio) e Helga Nemeczyk (Labareda), em "A Revista do Ano - o Olimpo Carioca" (foto Eduardo Alonso) |
CRITICA
TEATRAL
IDA VICENZIA
FLORES
(da Associação Internacional de
Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)
Estreou, no
Teatro Clara Nunes, no dia 25 de novembro de 2012, "A Revista do Ano - o
Olimpo Carioca", texto de Tania Brandão, com direção de Sérgio Módena;
direção musical Marco Pereira e coreografia Sueli Guerra. Tudo com a supervisão
de João Fonseca. Estes cinco nomes trouxeram de volta as "revistas do
ano". Arthur Azevedo, nos idos do século XIX, as instaurou e, em boa hora,
Tania Brandão as reinaugurou. Não devemos esquecer que Tania, antes de ser uma
especialista em teatro, é também uma historiadora (sua formação é Historia),
daí a precisão do texto: "pero sin perder la ternura, jamás!". Tania
captou o que acontece agora, com um olhar bem humorado e carinhoso sobre o
Brasil. Quanto aos políticos... Democracia é pra isso mesmo, ora!
Como sabemos, as revistas do ano
representavam - e representam agora! - uma brincadeira democrática que envolve
o povo e os poderosos da ocasião. Como diz Tania: "quem estuda hoje a
revista de ano se surpreende: é impressionante como ela traduz um ponto de
vista cidadão, questionador, participativo". É isso. Juntos, os quatro
elementos, fogo, terra, água e ar, ou
seja: Tania, Sergio, Marco e Sueli, criaram essa participação, e a plateia,
entusiasmada, comemorou o acontecimento. Vamos a ele.
Como diz a autora, "uma cena se
inventa". Foi a partir de sua imaginação que surgiu a Labareda! (Helga
Nemeczyk), uma adaptável chama, que tira "de letra" todas as
situações. Essa chama habitava o Olimpo grego, junto com os deuses Hefaísto, do
fogo (Rogerio Freitas) e Dionísio, do vinho (Alcemar Vieira). Cansados com a
pasmaceira e a decadência das hostes gregas, resolveram os três descobrir
outras paragens. Adivinhem aonde eles foram parar? Pois é: no Rio de Janeiro!
Embora essa ideia não seja tão original assim, a maneira pela qual ela foi
sustentada (e desenvolvida) é que faz a soma.
Durante uma hora e meia - e não sentimos o
tempo passar - fatos recentes da história desfilam diante de nossos olhos,
sempre sob o olhar carinhoso de Labareda, à procura de seu bom amigo Hefaísto,
o fogo (Rogério Freitas, uma vocação para a comédia), que se perdeu da dupla
Dionísio e Labareda, na explosão da viagem grega! O espetáculo é um bom pretexto para o público
fazer uma viagem crítica ao Rio de Janeiro, suas explosões de bueiros, seus
bairros agitados, seu povo. E o texto vai comentando as novidades estruturais
do "futuro do prefeito" (Édio Nunes) - e surpreendemos as
brincadeiras com a gramática, e as siglas! - UPPs, UPAs, Zona Portuária, BRTs,
queda da Perimetral (excelente cena, com os desenhos de Gentileza no figurino).
Perimetral (Ana Carbatti) se vinga de
sua decadência desejando um engarrafamento monstro para uma Zona Portuária sem
ela!
E o jogo de "A Revista do Ano"
se faz, com o nosso Rio e sua parceria
com a "República" (Stela Maria Rodrigues) e o "Brasil"
(Celso André), casal que tem ótimas cenas, e "promete" ajudar os
cariocas, desde que não sejam perturbados pela "Imprensa"! É aí que
surgem as mazelas cariocas, comentadas com muito bom humor pelo elenco. Temos o
Escândalo (um "agitado" e excelente Milton Filho) à procura da
imprensa marrom para transmitir as novidades. "Escândalo" é um
travesti que faz a tradução, para o público - à sua moda bem popular - o que
está realmente acontecendo nas "grandes rodas". Hilário. Enquanto
isso Labareda só pensa em retornar à sua combalida terrinha, pois naquele lugar
onde eles estão "os poderosos só fazem festinha privê". Ela adverte
para Dionísio "não vá se fascinar com o poder" e suas tentações (fascínio esse que atingiu
"certos partidos populares" do presente, que a Revista do Ano não
cita, mas deixa subentendido). Labareda, a encarregada pelos deuses de não
deixar a chama se apagar - e Helga Nemeczyk é uma Labareda insuperável! - acaba
aderindo ao charme carioca e não quer mais voltar para a sua abandonada Grécia.
Ela e Dionísio (Alcemar Vieira é o simpático bebum grego), fazem um pacto, e se
rendem à carioquice geral.
Nesse meio tempo, entre a chegada dos três
gregos e sua eterna permanência na Cidade Maravilhosa, há sugestões de desfiles
de escolas de samba; noites na Lapa (o bairro é representado por Ana Velloso,
que também interpreta, em outro contexto, uma colombiana hilária); visitas à
decadente praia de Copacabana (destaque para Vera Novello e seu "Rap da
Vovó Copacabana", que, por acaso, é composição de Tania Brandão e Marco
Pereira); encontro com mães de santo (destaque para Ana Carbatti); e com a Lei
Seca; com o dinheiro na cueca!, com os índios, enfim - tudo o que tem direito
uma comédia crítica.
Enquanto isso, os Teatros Clara Nunes,
Sesc Copacabana, Carlos Gomes e Theatro Municipal dialogam entre si, com
direito a entreato e pano de boca! como nas antigas produções. Os três
primeiros "repreendem" o Theatro Municipal por ter aderido à música
clássica, em vez de se ligar aos amantes da popular. Há, entre o Teatro Clara
Nunes (Stela Maria Rodrigues), e o Espaço Sesc de Copacabana (Marta Metzler),
um hilário "papo cabeça". O teatro Carlos Gomes (Ana Carbatti), se
apresenta com a sua música preferida, "O Guarani". Estas são apenas
algumas, das inúmeras referências e citações com que a autora presenteia a
plateia: tudo coroado - em frente ao pano de boca - com a interpretação de uma
área lírica, pela voz surpreendente de Mona Vilardo. Édio Nunes e Marcelo Capobiango
mandam seus recados: Nunes como "Futuro do Prefeito" e "Cais do
Porto", e Capiobiango como "Povo". O que não é pouco.
O elenco, afinadíssimo, sustenta esse
pout-porri de músicas e ação, de maneira gloriosa. Começa com a apresentação de
"Labareda", dançada pela própria, música de Vinicius de Moraes e
Baden Powell: é o cartão de visitas do espetáculo. A apoteose final se inicia
com "Valsa de uma Cidade", de Ismael Neto e Antonio Maria, depois vem
Aquele abraço, de Gilberto Gil, depois "Rio 40º", Fausto Fawcet,
Fernanda Abreu e Laufer; "Engenho de Dentro", de Jorge Bem Jor, e por
aí vai. Durante o espetáculo, músicas como "Benguelê", de Pixinguinha
e Gastão Vianna; "Funk do
Bueiro", MC Cezinha da Vila. Termina com Tim Maia cantando "Do Leme
ao Pontal"... dá vontade de ver tudo de novo.
Músicos: Itamar Assiere, Teclado; Nando
Duarte, Violão/Guitarra; Ricardo Rente, Sax/Flauta; Humberto Araujo, Sax/Flauta;
Pedro Mann, Contrabaixo; Carlos Cesar Motta, Bateria; Firmino, Percussão. Os
músicos ficam acomodados no alto do cenário, como o pano de fundo de uma
exposição. O cenário é de uma criatividade espontânea, parece ter
"brotado", junto com o espetáculo. Cenários e figurinos: Ronald
Teixeira & Flavio Graf. Iluminação: Renato Machado; Design de Som: Branco
Ferreira; Preparação Vocal: Débora Garcia; Pianista Assistente: Gustavo
Salgado. Idealização: Marta Metzler e Marco Pereira; Assessoria de Imprensa, João Pontes e Stella Stephany.
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