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terça-feira, 16 de outubro de 2012

"LÍQUIDO TÁTIL"

Cena de "Liquido Tátil", encenação de Daniel Veronese. Em primeiro plano Marcelo Castro, o marido Peter.  Ao fundo, Gustavo Bones (Michael) e Grace Passô (Nina)
(foto Guto Muniz) 

CRÍTICA TEATRAL
IDA VICENZIA FLORES
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

Eis que o grupo mineiro Espanca! está em temporada no Rio de Janeiro. Boas notícias para os amantes de teatro. Do trabalho desse grupo assisti somente "Congresso Internacional de Medo", em 2008, e já foi o suficiente para desejar a sua volta à cidade. Na época, a atriz e diretora Grace Passô, a quem não conheci (ela não estava em cena ou, se estava, era a mulher com a burka!), se encarregou da adaptação de um texto de Drummond levado em cena. Na atual temporada, no CCBB, o grupo convidou Daniel Veronese para dirigir um texto dele, de 1997: "O Líquido Tátil". De Veronese tivemos oportunidade de assistir, somente no 'Porto Alegre em Cena' de 2007, uma adaptação de "Tio Vânia", de Tchecov, cujo título era "Espia una mujer que se Mata". Há algo em comum com o trabalho apresentado por ele no "Em Cena" com o de agora? Sim, há duas coisas, pelo menos, em comum: a estranheza... e o cenário! Um "levar em cena" desconcertante frequenta os dois espetáculos.        
       No momento Espanca! desenvolve o projeto "Encontro Tátil", no qual pesquisa "práticas do realismo contemporâneo". Em cena, três atores do grupo refletem sobre os mais variados assuntos. São dois irmãos: Michael Expósito (Gustavo Bones); Peter Expósito (Marcelo Castro) e a ex-atriz Nina Hagëken (Grace Passô), é esposa de um deles. Os três abordam, através de um texto absolutamente surreal, criado por Veronese (Gustavo Bones o traduz para o português), questões de estética cinematográfica e teatral, além de problemas como "os malefícios do fumo", e muito sexo.
     Nessa mistura de estilos que é o texto, a ação teatral - na verdade, a ação "é o problema"! - deixa de lado os códigos realistas ou os do teatro do absurdo, e passa a se dedicar a cortes na narrativa. O público parece reagir bem a essa, digamos assim, "vivacidade cênica", porém não sabe se aplaude ou gargalha. Na verdade, o que se desenrola na frente deles é algo assim como um "mix" de William Burroughs e Tennessee Williams, com os olhos de Daniel Veronese.         
     A história começa com os dois esposos (Peter e Nina) falando sobre a sua união matrimonial e a anterior carreira teatral - bem sucedida e abandonada - de Nina. Enquanto o casal convive com o seu habitual cotidiano, chega o cunhado Michael, trazendo de presente para Nina um cachorrinho de pelúcia. E aí se inicia a fase William Borroughs do espetáculo: o diálogo entre os três participantes toma, declaradamente,  o rumo do teatro do absurdo (quem já leu "O gato por dentro", de Borroughs, sabe do que estou falando), ao relembrar a convivência de Nina, em cena, com um verdadeiro "cão ator".
      Grace Passô, a Nina, finalmente materializou-se na minha frente! Ela é a atriz mais carismática que conheço, e transpira inteligência. Não é a toa que é a consequência: imagino que os dois atores que completam o elenco de "Liquido Tátil", Gustavo Bones e Marcelo Castro, fazem parte do trabalho de conjunto, que é o ideal do grupo. Três ótimos atores, por sinal. Para eles, o teatro contemporâneo está em  processo "de criação compartilhada". Grace Passô vem atuando neste sentido também como dramaturga do grupo; a próxima peça a ser encenada por eles, no CCBB, "Amores Surdos", é de sua autoria.  
     O Espanca! existe desde 2004, e já ganhou prêmios com "Por Elise", também de Grace Passô. O caminho agora é o contato com o teatro latino-americano, daí o papel de Veronese juntando-se ao espírito inovador do Espanca! que, por sua vez,  tem tudo a ver com o teatro do argentino, o "desmascaramento da ilusão teatral" que ele procura. Assisti-los é uma experiência inesquecível e, como dizem os franceses, "remarcable".
     Ficha Técnica: Texto e Direção: Daniel Veronese, que além dessas funções, também reorganiza a cenografia de "Espia una mujer..." deixando-a afeita aos impasses da encenação e dos golpes dos atores. Solução original e de recursos infinitos. Veronese também selecionou trechos do filme  "Stalker", de Tarkovsky, que é projetado em cena, com trilha sonora em russo. Luz também do diretor. Não me arrisco a comentar a tradução das legendas, pois não sei russo... Cenotécnico: Nilson dos Santos; Iluminador: Edimar Pinto. Edição de Vídeo: Fábio Gruppi. Figurinos do próprio Espanca! e Coordenação de Produção de Aline Vila Real; Assistência de Produção: Denise Leal; Assessoria de Imprensa: Bianca Senna e Sabina Schemberg. O "Líquido Tátil" vai até 4 de novembro, no CCBB. Não percam!           
   

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