Maria Mariana em "Barco de Papel" (foto Rodrigo Castro) |
CRÍTICA
TEATRAL
IDA VICENZIA
FLORES
(da Associação Internacional de
Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)
Do ponto de
vista da criação contemporânea, o monólogo é uma estética que se impõe, com o
ator confiando-se ao público. É a maneira mais completa que o artista encontrou
para se fazer compreender. Ultimamente, nos palcos do Rio de Janeiro, "Barco
de Papel", monólogo de Maria Mariana (Espaço Rogerio Cardoso, Casa de
Laura Alvim), se impõe pela força poética. Trata-se de um espetáculo simples,
como simples costuma ser a verdadeira arte. E Maria, aos poucos, vai nos
conquistando.
Percebemos a influência de poetas
consagrados, alguns citados, como é o caso de Rainer Maria Rilke e a suas
"Cartas a um Jovem Poeta", e outros, como Fernando Pessoa e seus
apelos ao Mar. Simples assim. Quem já não pensou nos grandes poetas para
sustentar o que se quer dizer? Entretanto, apesar de seu aspecto de "obra
inacabada", o barco de Maria Mariana vai, aos poucos, revelando um
potencial criativo muito especial, muito próprio, original, diria. O que não é
pouco.
Mas o que é "acabado", quando a
vida ainda está em curso? A autora, diretora e atriz coloca no palco a sua vida
e, ao se colocar, vai refletindo sobre o que se impõe para a realização pessoal
de cada um de nós. Ainda bem que somos seres em transformação: Maria Mariana
teve seu primeiro grande sucesso há 20 anos, abordando as descobertas de uma
adolescente, e agora, véspera de completar 40 anos, mostra-nos a encruzilhada
de uma mulher. Tudo já foi feito. Há, entretanto, folhas de papel e um destino
a ser cumprido. É o chamado da arte. Há um grande compromisso pela frente.
O que mais nos encanta no espetáculo é que
a atriz não quer impor nada "genial", "intelectual". Ela
simplesmente mostra as fases da vida, e as possibilidades de desenvolvimento
que (ainda) se apresentam, depois de ter se realizado como mulher, mãe e filha.
Há algo mais, algo que a chama para outros caminhos.
A autora apresenta quatro visões da mulher
(pode ser qualquer uma de nós, em qualquer fase da vida): Vera, a sedutora;
Maria Gilda, a intelectual; Diana, a maternal; e Marta, a espiritual. Eis a
identificação do público (feminino). Há sempre uma ligação com os problemas da atriz/personagem,
mas Maria Mariana, enquanto expõe problemas, se propõe. Contrapondo-se às
inseguranças, devaneios e impossibilidades das quatro personagens, a presença
do Marujo (aliás, ao criar o Marujo, Mariana caracteriza e interpreta, com
propriedade, a presença masculina). Em geral, está bem realizado o jogo cênico
da alternância dos personagens, em seu monólogo.
E aí temos a revelação de Mariana poeta.
Trata-se de uma surpresa. "Barco de Papel" é, sobretudo, um
espetáculo poético, no qual as linguagens vão se entrelaçando: Angelina Jolie
vive e está presente, na sedutora; Maria Gilda, a intelectual, se impõe com as
suas citações e certezas; as mães (a "perfeita" e a maternal Diana)
vão se alternando, em um jogo cênico seguro e divertido. Entretanto,
infelizmente, há no final o "retorno da adolescente". Há o pânico. Há um corte na ação que enfraquece o final. Como seria se Maria Gilda se impusesse? É tão assustador assim assumir a
própria vida?
Trata-se de um espetáculo agradável e
despretensioso. A supervisão dos figurinos (corretos) é de Priscila Rozenbaum;
supervisão de direção Domingos Oliveira; supervisão de cenário (que dá um tom
simbólico ao espetáculo, junto com a luz), de Fernando Mello da Costa, luz de
Fred Eça; programação visual Carlos Paiva; grande inspiradora: Lenita
Plonczynski. Assistente de direção, Cristina Bethencourt. Assinatura geral de
Maria Mariana e, certamente, as músicas (Liszt? Bach?) também foram
selecionadas pela atriz. Vale a pena conferir o espetáculo.
Ida,
ResponderExcluirAdoro seu estilo despojado e, ao mesmo tempo, cravejado de lastro. Supera-se a cada nota.
Obrigada. Cat!
ResponderExcluirAssim recuperamos a nossa liberdade de comentar!
Soubestes da linha dura que se "hospedou" nas minhas fatigadas observações teatrais?
Beijo!