Cartaz da peça de Fayad |
Desenho de Artaud para "O Teatro da Crueldade" | (Foto Divulgação) |
ANTONIN ARTAUD (Foto Divulgação) |
CRÍTICA DE TEATRO
IDA VICENZIA FLORES
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT)
(Especial)
Artaud está conosco, no Rio de Janeiro, e ninguém parece
perceber isso. Ou porque descobrimos outros métodos para embalar a nossa loucura,
ou porque ninguém quer mais pensar no passado. Artaud pertence ao passado, esse alimento do teatro. Não entendi. O fato é que Antonin Artaud foi um
ator belo e um belo homem. Um louco. Figura estranha. Escreveu mais de trinta livros, pensou o teatro e o "não
teatro". Comunicou-se em outras mídias. Seu pensamento inquietante ficou impresso
em programas de rádio. Participou de filmes célebres. Sua participação em “Napoleão”,
de Abel Gance, interpretando Marat, ficou na história do cinema. Mas quem se
importa? Hoje a loucura está de portas abertas, no cinema e nas ruas. Mata-se
por prazer, ou deixa-se morrer. Quem vai se importar com Antonin Artaud, não é
mesmo?
Porém
ele aparece, todas as noites de sexta-feira, e fica conosco até o domingo, no Galpão das Artes do Espaço Tom Jobim, no
Jardim Botânico. Ali, bem em frente ao lago das tartarugas! Quem o traz à vida
é um ator excepcional: Marcos Fayad. Há quem já não se lembre de Fayad, como
não se lembraria de Rubens Correa, caso ele estivesse, agora, no mesmo espaço.
Pois Fayad é, nos palcos, uma continuação de Rubens Correa. Mais contido, é
verdade, porém com a mesma paixão. Marcos deixou o Rio e partiu para Goiânia, suas terra natal: permaneceu um
libanês, em terras estranhas. Suas raízes orientais estão lá , neste espetáculo, no palco.
Não acredita? Pois vá assistí-lo. Fayad homenageia o Oriente, como Artaud celebrava o seu mistério.
O diretor goiano esteve várias vezes entre
nós. Há alguns anos (1988), nos apresentou um belo espetáculo: Martin Cererê, que daria
nome à sua Companhia. Syron Franco, o inspirado pintor, e Fayad, deram vida ao cenário,
e à força da narrativa de Cassiano Ricardo. Há lembranças, movimentos
peristálticos de acomodações do terreno. E eis que ele ressurge como Artaud!
Dessa vez é o espetáculo de um homem só. Marcos
Fayad dirige, interpreta, imagina e realiza o cenário, o figurino e a trilha
sonora. No espetáculo são citados trechos de “Van Gogh, o suicidado de
sociedade”, e pensamentos de Artaud sobre
o teatro a crueldade: “quando cria, o deus oculto obedece à necessidade cruel
da criação que lhe é imposta”. Neste “A
Realidade é doida varrida” Fayad joga com a lucidez desse “louco” inspirado.
Encarcerado com intervalos, desde 1936 a 1946, Artaud saiu para ser
homenageado, e morrer, dois anos depois. Esse louco encarcerado atraia pessoas,
nos conta Fayad, e, quando começava a falar, nos encontros dos asilados com
seus parentes, a força de seu intelecto dominava a todos. Seu talento era reconhecido e admirado, em vida. Esse homem,
que já escrevera “O Anarquista Coroado”; “O Teatro da Crueldade”; “O Teatro e seu Duplo” (suas mais conhecidas
obras), e tantas outras, com grande originalidade, esse artista também refletiu
sobre o trabalho alheio, principalmente na sua peça “Os Cenci”, inspirado em Shelley
e Stendhal, entre surtos e lucidez.
Neste espetáculo Fayad se detém sobre o
fascínio da loucura, e cita os gênios que viveram neste patamar. A loucura sempre
foi o mistério que trazemos dentro de nós. Os visitantes do asilo de Rodez lá iam
para ouvir Artaud, e chegou-se a erigir uma cerca ao redor do parlatório, onde
os doentes se encontravam com seus parentes, para ouvir Artaud. Uma rede de
proteção, para evitar que o poeta/dramaturgo, em seus surtos, avançasse sobre a
sua platéia. O hóspede famoso era ouvido
em Rodez, e nos manicômios por onde passava (o espetáculo cita os encontros de
Rodez). O cenário de Fayad se ampara na rede verde, reproduzindo o ambiente do hospício.
Os encontros de Artaud, sua fala lúcida contra a sociedade, são revividos com segurança
e verdade pela atuação precisa de Fayad. Ele é Artaud. Porém, há um olhar
brechtiano do ator, sobre o personagem que cria, o que distingue a sua
interpretação do “au bout du suffle” de Rubens Corrêa. O texto foi extraído do
célebre espetáculo dos anos 70, realizado no Porão do Teatro Ipanema, e foi relançado por Fayad. Rubens Corrêa, como sabemos, fez a adaptação do
texto de Artaud em dupla com seu sócio e parceiro de teatro, Ivan de Albuquerque.
Interessante observar que, depois do
espetáculo, Marcos Fayad realiza um bate papo com a platéia, narrando sobre
Artaud e dando a sua tradução para o que se passou naquele hospício de Rodez. A
sutileza e o acabamento que o ator dá, aos últimos anos de Artaud, e a seu
pensamento flamejante, merece uma ida ao Galpão das Artes do Espaço Tom Jobim. Trata-se
de um acontecimento teatral da maior importância!
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- (Artaud era ligado a Maeterlink, a Breton, a Jouvet, e a tantos outros. Era ligado aos simbolistas e aos surrealistas. Rompeu com todos!) (I.V.)
A partir de sua crítica, fico imaginando a experiência fantástica que deve ser assitir a essa encenação. Lembro do Artaud de Rubens Correa. Mas, se puder, assisitirei a esta montagem.
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