Foto divulgação: "Sarau das Putas", com o diretor Ivan Sugahara (ao centro). À sua direita, a cortesã francesa Marcelle La Pompe. Teatro Poeira, Rio de Janeiro. | (foto divulgação |
CRÍTICA DE TEATRO
IDA VICENZIA
FLORES
(da Associação
Internacional de Críticos de Teatro – AICT)
(Especial)
Falar em prostituição, hoje em
dia, pode estar tão ultrapassado quanto falar em choques elétricos nos
manicômios, embora os autores de “Sarau das Putas”, Ivan Sugahara, Renata Mizshai
e Vitor Barbarisi não pensem assim. Há várias maneiras de abordar o assunto.
Texto e direção do espetáculo pensaram em abordá-lo como denúncia e ... um certo romantismo à La Marguerite Gautier! Tanto assim que foram buscar uma
personagem francesa, do séc. XIX, para ilustrar o tema. Puro acerto. A
prostituição, em nossos dias, não tem todo esse glamour. Porém, reconhecemos
que possui um certo apelo financeiro, que continua a agir sobre as mentes e
corações ocidentais.
Depois que as mulheres
descobriram que o prazer substitui o choque elétrico, o número
de histéricas diminuiu nos manicômios. Isso é verdade. Podemos até lamentar (os
que gostam de arte), que, uma vez enterrado o Romantismo das hemoptises, passou
o tempo heróico, e a prostituição se generalizou. Agora é o gozo pelo gozo, e só não o prova
quem não quer.
Acontece que Mizhai, Sugahara e
Barbarisi colocaram o “patrocínio”, tão em moda entre nós, para justificar a prostituição.
Patrocina-se a faculdade, a doença na
família e, principalmente, patrocina-se o prazer! Talvez a palavra “prostituição”
esteja ultrapassada. Ou somos todos prostitutos? O fato é que essa palavra adquiriu
os mais variados sentidos. E está muito em moda: a prostituição da alma, infelizmente,
é praticada pela sociedade e se chama corrupção.
Porém este tema, pelo menos entre
os/as intelectuais, sempre atraiu a imaginação e foi contemplado com uma aura do romantismo jamais ultrapassada. E
essa aura está presente neste “Sarau das Putas”, pelo menos em seu início, no
primeiro ato. Os autores resolveram contratar os serviços de uma cortesã francesa do século XIX para animar
a festa! Há, no ar, a sensação do elogio ao gozo. Fica para o segundo ato a
tarefa de colocar as coisas em seu devido lugar. No início, o espetáculo corre o risco de parecer
uma ode à prostituição, com aquelas belas moças e seus belos figurinos (uma
pesquisa caprichada de Tarsila Takahashi), e músicas muito bem selecionadas para a ocasião.
Os autores parecem acordar, no
segundo ato, quando a platéia já desanimava de ver a realidade em cena. Pelo
que nos foi dado perceber, as felizes, engraçadas e, de certa forma, refinadas prostituas do primeiro ato não têm nada
contra o confinamento das orientais nos haréns dos sultões, pois esse
é o cotidiano que elas parecem viver, com algumas exceções, e muito prazer.
O texto é feito de depoimentos, e
eles deixam entrever um ideal de periquete
com “amor estável” esperando-as em casa. Algo meio no estilo Bruna Surfistinha, a prostituta
que contou sua vida em livro. Saugahara
deixa-nos entrever, no primeiro ato, a sexualidade livre na qual já apostava ao encenar “Antes que você me toque” . Talvez sua
compaixão e amor pelas mulheres o leve a tal preocupação, o que é louvável. Mas
o que sabemos é que, por mais rebeldes e interessantes que as prostitutas queiram parecer, elas carregam
o ônus de uma vida sem brilho. E não são donas do próprio nariz, pois dependem
de seus clientes. Ora, pensando bem, todos os negócios dependem dos clientes! Não
há como escapar da proposta do espetáculo: um novo olhar sobre a prostituição. Devemos,
então, procurar esse olhar na visão sem preconceito
das sociólogas?
As interpretações das treze
atrizes são nada menos do que brilhantes, principalmente a cortesã francesa
Marcelle La Pompe, interpretada por Laila Garin. As treze artistas que formam o
elenco (essencialmente feminino, com algumas intervenções masculinas, de
platéia), demonstram grande profissionalismo e talento. É de louvar a exposição
a que todas elas se submetem. As treze são: Laura Limp (a bela Ella), que dá
aflição na platéia com a sua presença física (e não direi o porquê). Ao passar
rapidamente por todas as personagens não há desvalia, pois o elenco está muito
bem equilibrado entre o talento e a segurança das atrizes. Livia Paiva (Fabricia); Nara Parolini (Ana
Foguete, grande carisma); Gisela de Castro (Gabriela); Juliana Terra (Salete);
Carolina Ferman (Rainha Gita), Rita Fisher (uma Rebecca Rabit impressionante!);
Rose Lima, total carisma (Amanda); Tatyane Mayer (Lolla); Nathália Mello
(Salomé); Renata Guida (Karina) e Carol Garcia (Celeste). Algumas com presença
de garotonas de Ipanema, tornando quase inverossímil a sua opção, outras
passando o desespero e o prazer de quem vive no fio da navalha, “Sarau das Putas”
é uma declaração de amor às mulheres; uma ode ao gozo, e uma advertência social.
Uma observação importante sobre a
cenografia de Diego Molina: o interior é criado com grandes reposteiros vermelhos suspensos no ar;
tapetes orientais e móveis de gosto duvidoso, compondo o clima peculiar desses
ambientes. A trilha sonora de Ivan Sugahara e Vitor Barbarisi é também um ponto
alto do espetáculo, com as “periquettes” cantando, e algumas vezes dançando, suas músicas temas. Destaque para o funk de
Valesca Poposuda “Grelo” e “Boladona”: uma contravenção! A preparação vocal é de Ricardo Góes. Há, no
espetáculo, as iluminações intermitentes de Ana Luzia M. de Simoni alternando
seu foco entre palco e platéia... Interessante observar que, no programa, os
nomes do elenco e produção aparecem em “criação coletiva”. Essa maneira de
trabalhar o coletivo transparece no espetáculo. Além disso, há, em Sugahara,. uma mistura
oriente/ocidente, unida a uma desafiadora identidade ocidental, adquirida em sua formação na Amércia do Norte, que parece querer desmistificar tabus que ainda imperam cntro nós, como a abordagem da sexualidade, do ponto de vista feminino. Vale à pena dar uma conferida neste Sarau!
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