Yashar Zambuzzi em "Para Onde Ir", direção Viviane Rayes. (Foto Lu Valiatti) |
IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro
- AICT)
(Especial)
PARA
ONDE IR
... E volto à questão do espaço cênico.
Há, no Rio de Janeiro, pequenos teatros que passaram a ser cult devido aos espetáculos neles celebrados. No caso, e
especialmente, o Espaço Rogerio Cardoso, no "porão" da Casa de
Cultura Laura Alvim, em Ipanema. Trata-se de um espaço privilegiado, pela
intimidade que transmite entre a cena e o
espectador. Em um passado recente tivemos oportunidade de constatar a
experiência, através dos mesmos artistas que agora estão em Para Onde Ir.
Blackbird, o texto do passado em questão, de autoria
de David Harrower, nos colocou diante de questões humanas, como a pedofilia.
Para
Onde Ir nos coloca diante de outras questões humanas.
Viviane Rayes e Yashar Zambuzzi, cuja intervenção
na cena teatral é conhecida como "teatro de ação", abrem o espetáculo
para acontecimentos do presente, às vezes inspirado em cenas do passado. Eles operam com a ficção -
dramaturgia ou não - refletindo a vida real. Em sua última encenação, Para Onde Ir, (adaptação de Zambuzzi
para os textos de Dostoiévisli, Rimbaud e Brecht), está incluída a verdadeira
tragedia que se apoderou do povo brasileiro nestes últimos anos, e da qual
vemos o reflexo no desolador espetáculo dos moradores de rua. Vemos o povo
brasileiro em abandono, como cidadão e como ser humano. Zambuzzi pesquisou essa
realidade.
Em resumo: ao acompanhar a montagem destes
dois artistas, constatamos que se trata de um caminho difícil, onde o solidário
e o generoso se expõe. Essa transposição do bêbado, em Dostoiévski, para os
acontecimentos brasileiros é de ligação difícil, mas não impossível. Não esqueçamos
que o autor russo lutava contra vários vícios. O que importa, agora, é que o
grande romancista era grande conhecedor da alma humana e Zambuzzi-Rayes souberam
operar este conhecimento, em favor do espetáculo.
Em Para
Onde Ir há uma homenagem de Zambuzzi a Bertold Brecht com o refrão da
poesia A Infanticida Maria Farrar, que acompanha e dá vida ao espetáculo.
Eis o refrão - "Os senhores, por
favor,/ não fiquem indignados,/ pois todos nós precisamos de ajuda,/ coitados.//"
- e ele é repetido, a cada "transgressão" do personagem. Talvez uma
solução do adaptador para mostrar o lado escuro de nossas almas?
O texto do espetáculo é rebuscado e
difícil de acompanhar, apesar de sua vibração poética. Tal vibração nos faz admirar
a presença de grandes poetas... e da generosidade do ator!
Aliás, uma das características marcantes
do espetáculo é a generosidade com que o ator abre seu coração, e sua voz, para
levar ao público a miséria do protagonista, e tentar compreendê-la! Também é
sensível a estréia de Viviane Rayes na direção, completando com dignidade a
tarefa que se propôs.
Estamos em um bar-teatro, muito bem
armado pela cenografia (de Zambuzzi e Rayes), onde objetos antigos convivem com
um envolvimento de adega - com suas rústicas paredes de pedra. O cenário também é idealizado pelo casal de
artistas. A registrar, na noite da apresentação do espetáculo em seu penúltimo
dia em cena, a presença de uma senhora dotada
de natural talento para expressar uma resposta aos acontecimentos. Registrada a
presença, o ator contracena com a senhora (alias, Smerdiákov contracena com o
público em geral), e é impressionante a compreensão deste público ao sentimento
de exclusão do personagem (exclusão em todos os aspectos, principalmente a social)
transmitido pelas cenas.
Na ficção, o personagem é extraído do
romance Crime e Castigo, do autor
russo, com passagens pelo inferno de Rimbaud. Interessante observar que,
através da pesquisa para criar o personagem, o ator Yashar Zambuzzi conversou
com moradores de rua. E testemunhamos, no
texto que nos é apresentado, a inclusão do catolicismo desenfreado do autor
russo. Catolicismo esse que encontra eco nos moradores de rua brasileiros. Não
é à toa que somos um país católico... mas o catolicismo de Dostoiéviski, na
proporção do impacto da cena, impressiona pelo seu desespero.
Eis um ótimo espetáculo que nos deixa,
talvez para sempre, porque (se imagina), não é todo dia que um ator se propõe a
tanta submissão ao personagem. Em compensação, teremos o retorno de Blackbird, em futuro não muito distante.
Feliz retorno! Os espetáculos de Rayes-Zambuzzi são sempre carregados de bom
teatro! Não percam!
FICHA
TÉCNICA: Além dos já citados temos - Iluminação: Elisa Tandeta; Trilha
Original: Chico Rota; Figurinos: Rogerio França; Ilustrações do Programa (ótimas):
Raphael Jesus; Fotos de Cena: Lu Valiatti; Idealização: Te-Un TEATRO; Produção:
Rayes Produções Artísticas; Assessoria de Imprensa: Minas de Ideias.
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