Páginas

terça-feira, 20 de março de 2018

"PRESSA"

Cena de PRESSA, autoria Octavio Martins, direção João Fonseca (Foto Divulgação)


IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)
  
"PRESSA"
     Estavam todos lá... naquela dança das cadeiras: o empresário, o garotão, a esposa, a mãe, o subordinado, a garota grávida, o "irmão na fé",  e outros mais - passando  o  seu  recado. A melhor notícia de todas é que está de volta o grupo que já foi de Antonio Abujamra: "Os Fodidos Privilegiados", encenando a peça "Pressa", escrita pelo paulista Octavio Martins (que já foi ator do grupo Latão, que já produziu Gorki, Koltés, e outros da pesada), retornando ao Teatro Dulcina, sua primeira casa. Dessa vez Os Fodidos... não "ocupam" o Teatro, só fazem uma temporada, completando o que se transformou na dança dos teatros, fenômeno do presente, do séc. XXI. Há quem reclame desse rodízio, com exceção do público, pois se você não conseguiu assistir a uma peça que lhe interessa não precisa ficar aflito, pois ela retornará...

     É a primeira vez que Martins é encenado no grupo. O autor surge das mãos hábeis de João Fonseca, porém "o diretor que substituiu Antonio Abujamra" não está sozinho na direção, e não é a primeira vez, mas dessa, ele conta com Nello Marreze na direção e também na cenografia.

        A ação se abre com as cadeiras, que fazem parte do cenário, e um emaranhado de cor laranja como pano de fundo, relembrando a antiga divisão palco/platéia, pois ele funciona, em dois momentos, e com a ajuda da luz, como uma verdadeira cortina, cujos efeitos são surpreendentes, principalmente quando se sustenta na luz potente dos faróis de Luiz Paulo Nenen e Tiago Mantovani, na hora do atropelamento!

     Gostaríamos de nos estender, um pouco, sobre a curiosa influência que Nelson Rodrigues ainda continua a produzir sobre nossos artistas, principalmente no caso de João Fonseca, que trabalha com o despojamento e a força de Antonio; e as suas escolhas de peças para encenação têm a vitalidade de um Nelson. O ritmo avassalador é o grande toque destes três artistas. Vivi a surpreendente experiência de assistir ao mesmo espetáculo, "Pressa", em ritmos diferentes. A primeira vez que o assisti havia um compasso a menos no ímpeto da narrativa. Da segunda vez nos surpreendeu a avalanche de retornos e atuações enfatizadas que os atores trocavam entre si. A segunda vez, com certeza, foi a mais impactante. O texto foi entregue, e mostrou o que se perpetua no gênero humano: a avalanche de reações contraditórias.
     Em pouco mais de uma hora vemos passar o carbono de nossa realidade,  se desdobrando, qual um palimpsesto (adoro essa palavra!), sobre nós. Grande Nelson, nunca esquecido dos que vieram depois dele!

     E não vamos fazer disso nenhum mistério. Entre os possíveis comportamentos que acabam sendo registrados na peça há o mais explícito deles, e o seu tema é o dinheiro que, finalmente, acaba passando de mão em mão para ir se agasalhar no bolso do empresário esperto. As historias vão se fazendo e refazendo, com a "pressa" que lhe promete o titulo, a qual é captada, sem perdão, no decorrer daquele tempo que passamos na platéia do teatro.        
     
     Os atores, cada um deles, tem ocasião de mostrar a sutileza (ou falta de), emprestada ao personagem. Há momentos hilariantes, como o da Mulher 1 (casada com o empresário manipular (Alexandre Pinheiro), e interpretado por Paula Sandroni), quando beija a medalha da correntinha de ouro que acaba de "tirar" do pescoço da Velha (Thais Portinho). A personagem da Velha está em idade tão avançada que não consegue mais reprimir os dejetos de seu organismo, que vão acabar "batizando" a beijada (pela Mulher1) correntinha... Há outros fatos constrangedores, e surpreendentes, como o da Esposa Aflita (Filomena Mancuzo); a da Mulher 2, de inspirada criação de Rafaela Amado, cujo personagem atinge a extremos, sendo (ou parecendo) inteligente na cena do jogo, para se tornar, em outra cena, uma fanática em Cristo... E tem Roberto Lobo, com seu tempo preciso, interpretando o Marido 2 - uma raridade seu personagem, pois ele joga o jogo do marido apaixonado pela esposa!

     Como o autor, Octavio Martins, é muito bom, não há personagem que não fique bem realizado. Assim, temos o Marido Calmo (Diogo Camargos), o Rapaz Preocupado (Rafael Coimbra) que contracena com o Rapaz Feliz (Thiago Marinho) e com a Garota Gravida (Mariah Viamonte), essência da garota sem rumo.  ... E por aí vai. João Fonseca está em cena interpretando o pastor evangélico e desenhando, com precisão, esse nosso absurdo presente. Aliás, essa peça é um registro de nossa condição atual (eterna?). Não percam!   

FICHA TECNICA (não citada no texto): Figurinos (atuais) de Victor Guedes; Trilha sonora (muito boa), de João Fonseca; Programação Visual:  Mauricio Tavares; Produção: Filomena Mancuso.
     

Nenhum comentário:

Postar um comentário