Cena de PRESSA, autoria Octavio Martins, direção João Fonseca (Foto Divulgação) |
IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro -
AICT)
(Especial)
"PRESSA"
Estavam todos lá... naquela dança das
cadeiras: o empresário, o garotão, a esposa, a mãe, o subordinado, a garota
grávida, o "irmão na fé", e
outros mais - passando o seu
recado. A melhor notícia de todas é que está de volta o grupo que já foi
de Antonio Abujamra: "Os Fodidos Privilegiados", encenando a peça
"Pressa", escrita pelo paulista Octavio Martins (que já foi ator do
grupo Latão, que já produziu Gorki, Koltés, e outros da pesada), retornando ao Teatro
Dulcina, sua primeira casa. Dessa vez Os Fodidos... não "ocupam" o
Teatro, só fazem uma temporada, completando o que se transformou na dança dos
teatros, fenômeno do presente, do séc. XXI. Há quem reclame desse rodízio, com
exceção do público, pois se você não conseguiu assistir a uma peça que lhe
interessa não precisa ficar aflito, pois ela retornará...
É a primeira vez que Martins é encenado no
grupo. O autor surge das mãos hábeis de João Fonseca, porém "o diretor que
substituiu Antonio Abujamra" não está sozinho na direção, e não é a
primeira vez, mas dessa, ele conta com Nello Marreze na direção e também na cenografia.
A
ação se abre com as cadeiras, que fazem parte do cenário, e um emaranhado de
cor laranja como pano de fundo, relembrando a antiga divisão palco/platéia,
pois ele funciona, em dois momentos, e com a ajuda da luz, como uma verdadeira cortina,
cujos efeitos são surpreendentes, principalmente quando se sustenta na luz
potente dos faróis de Luiz Paulo Nenen e Tiago Mantovani, na hora do
atropelamento!
Gostaríamos de nos estender, um pouco,
sobre a curiosa influência que Nelson Rodrigues ainda continua a produzir sobre
nossos artistas, principalmente no caso de João Fonseca, que trabalha com o
despojamento e a força de Antonio; e as suas escolhas de peças para encenação
têm a vitalidade de um Nelson. O ritmo avassalador é o grande toque destes três
artistas. Vivi a surpreendente experiência de assistir ao mesmo espetáculo, "Pressa",
em ritmos diferentes. A primeira vez que o assisti havia um compasso a menos no
ímpeto da narrativa. Da segunda vez nos surpreendeu a avalanche de retornos e
atuações enfatizadas que os atores trocavam entre si. A segunda vez, com
certeza, foi a mais impactante. O texto foi entregue, e mostrou o que se
perpetua no gênero humano: a avalanche de reações contraditórias.
Em pouco mais de uma hora vemos passar o
carbono de nossa realidade, se
desdobrando, qual um palimpsesto (adoro essa palavra!), sobre nós. Grande
Nelson, nunca esquecido dos que vieram depois dele!
E não vamos fazer disso nenhum mistério.
Entre os possíveis comportamentos que acabam sendo registrados na peça há o mais
explícito deles, e o seu tema é o dinheiro que, finalmente, acaba passando de
mão em mão para ir se agasalhar no bolso do empresário esperto. As historias
vão se fazendo e refazendo, com a "pressa" que lhe promete o titulo, a
qual é captada, sem perdão, no decorrer daquele tempo que passamos na platéia
do teatro.
Os atores, cada um deles, tem ocasião de
mostrar a sutileza (ou falta de), emprestada ao personagem. Há momentos
hilariantes, como o da Mulher 1 (casada com o empresário manipular (Alexandre
Pinheiro), e interpretado por Paula Sandroni), quando beija a medalha da
correntinha de ouro que acaba de "tirar" do pescoço da Velha (Thais
Portinho). A personagem da Velha está em idade tão avançada que não consegue
mais reprimir os dejetos de seu organismo, que vão acabar "batizando"
a beijada (pela Mulher1) correntinha... Há outros fatos constrangedores, e
surpreendentes, como o da Esposa Aflita (Filomena Mancuzo); a da Mulher 2, de
inspirada criação de Rafaela Amado, cujo personagem atinge a extremos, sendo
(ou parecendo) inteligente na cena do jogo, para se tornar, em outra cena, uma fanática
em Cristo... E tem Roberto Lobo, com seu tempo preciso, interpretando o Marido
2 - uma raridade seu personagem, pois ele joga o jogo do marido apaixonado pela
esposa!
Como o autor, Octavio Martins, é muito
bom, não há personagem que não fique bem realizado. Assim, temos o Marido Calmo
(Diogo Camargos), o Rapaz Preocupado (Rafael Coimbra) que contracena com o
Rapaz Feliz (Thiago Marinho) e com a Garota Gravida (Mariah Viamonte), essência
da garota sem rumo. ... E por aí vai.
João Fonseca está em cena interpretando o pastor evangélico e desenhando, com
precisão, esse nosso absurdo presente. Aliás, essa peça é um registro de nossa
condição atual (eterna?). Não percam!
FICHA
TECNICA (não citada no texto): Figurinos (atuais) de Victor Guedes; Trilha sonora
(muito boa), de João Fonseca; Programação Visual: Mauricio Tavares; Produção: Filomena Mancuso.
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