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domingo, 27 de janeiro de 2013

"FREUD - A ÚLTIMA SESSÃO"

Leonardo Netto e Hélio Ribeiro em "Freud - A última sessão"
(foto divulgação)

CRITICA TEATRAL

IDA VICENZIA FLORES

(da Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT)

(Especial)

      Em cartaz no Teatro dos Correios “Freud – A última sessão”, texto de Mark St. Germanin, direção de Ticiana Studart.  Interessante observar que a razão de ser dessa “A última sessão” é o embate de dois cérebros privilegiados a respeito de ciência e religião. Se, por um lado, o judeu  Freud desenvolve, no texto, a questão central da ciência como o domínio das práticas da razão; C. S. Lewis (mais conhecido entre nós por ser o autor de “As Crônicas de Nárnia”), defende a  religião (católica) como o domínio da prática da contenção. Diante desse impasse desenvolve-se o texto de St. Germain. Trata-se, ao que parece, de uma ficção, pois até onde se sabe, tal encontro entre os dois cérebros jamais ocorreu.

     Entretanto, palco e plateia participam de momentos deliciosos de puro prazer teatral, fortemente influenciado pelo dialogar primoroso dos dois personagens. De nacionalidades diversas, o irlandês Lewis e o austríaco Freud compartilham da mesma preocupação com o futuro da civilização.  Se o ceticismo aparente de um, e a boa vontade do outro os mobiliza, os  “chamados da natureza” em declínio vão se tornando cada vez mais prementes para Freud (a ação se passa em 1939, o ano de sua morte).  Lewis, muitos anos mais jovem – o embate se dá entre um homem de 73 anos e um jovem na casa dos 30 – apresenta outras preocupações.
     O embate se dá no já famoso consultório de Freud, dessa vez na Inglaterra, durante a sua fuga do nazismo. Trata-se de um bom pretexto para o autor colocar em jogo acontecimentos históricos grandemente reveladores da alma dos dois “contendores”. No papel de Freud temos o ator Helio Ribeiro, em impressionante absorção da personalidade do pai da psicanálise. A perfeição da composição é tão detalhada que, por momentos, temos a impressão de estar na presença do mesmo. Se houvesse, no Brasil, prêmio para composição de personagem, com certeza Ribeiro ganharia em todos os itens. Não se trata de um “ator camaleão”, porém de um autêntico identificador de almas.
     Imagina-se que a composição de Freud por Ribeiro tenha a intervenção cuidadosa de Ticiana Studart, premiada diretora, novamente na direção de espetáculos após seis anos de ausência dos palcos.  Compondo a dupla de atores, Leonardo Netto surpreende com a emoção se desdobrando entre o convicto defensor de suas idéias e o emocionado amigo (em que se transforma, durante a peça), de Freud. Netto desenvolve a sua composição entre o solícito e o irônico.     
     Há, no espetáculo, o ácido humor judeu e as observações cáusticas do irlandês assimilado pelos ingleses, sendo um bom cartão de visitas a frase “Nós, os ingleses, levamos o senso de humor muito a sério”. Há frases do ideário judeu de Freud, tais como “A Bíblia é ao Bestiário da Sexualidade”, ou “A Religião fez do mundo um grande berçário”, em oposição às de Lewis, “O amor de Cristo é um mito que é também um fato”, ou “Os mitos são verdades impossíveis de serem ditas”, transforma o espetáculo em um duelo bem-humorado, entre um católico defendendo suas contradições, e um ateu convicto. Espetáculo imperdível, por seu texto e sua apresentação/recepção – ou seja, a comunhão entre atores e público.
     Com produção de Cássia Vilasbôas, tendo José Dias como cenógrafo - acertando no alvo e compondo, com a iluminação de Aurélio di Simoni, uma dupla imbatível. Figurinos corretos de Kiara Bianca. Direção de movimento de Sueli Guerra, e direção musical de Marcelo Alonso Neves.  É bom ver bom teatro!

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