|
Elenco de "Cabaré Dulcina"
(foto Leonardo Benevento) |
CRÍTICA DE TEATRO
IDA VICENZIA FLORES
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT)
(Especial)
No último dia 2 de fevereiro, dia
de Iemanjá (um fim de semana antes do carnaval), aconteceu algo muito
especial, em termos de teatro. Na região da Cinelândia, Rio de Janeiro, justamente
naquele ponto histórico do Centro da cidade onde se encontram o Theatro
Municipal, a Biblioteca Nacional, e tantos outros belos prédios, aconteceu, em
local onde dois pequenos teatros confraternizam geograficamente, nas ruas
Álvaro Alvim e a Alcindo Guanabara, a comemoração de um período histórico. Foi naquele
momento que o Teatro Dulcina e o Teatro Rival entraram em sincronia. Apenas uma
coincidência?
O fato é que os dois teatros abrigaram, naquele dia,
espetáculos que se complementam, narrando a história de cidade, de seus
sambistas, e do samba. Quem testemunhou este dia foi agraciado, em termos de
espetáculos e tradições, com o mais vivo de nossa História musical. Deste “Cabaré
Dulcina”, uma homenagem aos tempos da Praça XI, tivemos
a recordação de encontros, quando o
samba representava os primeiros tempos dessa praça. Foi nela que chegou gente que veio da Bahia, os derrotados em Canudos; gente que
veio dos porões dos navios; das guerras perdidas; da escravidão; dos enganos.
E se estabeleceram, para contar seu tormento, e também a sua glória:
“Diretamente da Zona do Mangue/Da
Praça Onze onde o samba nasceu/Vai começar novamente/Um show de tirar o
chapéu//”. São estes os versos iniciais de “Profissão de Fé”, samba do diretor
musical Gabriel Moura, abrindo o espetáculo.
Os atores Cyda Moreno, Milton
Filho, Andrea Bordadagua, Wanderley Gomes, Charles Fernandes, André
Locatelli, Francnisco Slgado, as
Patricias, Costa e Ferrer, Thiago Pach, Val Perrê, e o coro, composto por
Andrea Rangel, Berenica Moreno, Luiz
Claudio Canaan, Mariana Paes, Milissa Euqueres, Mônica Lucia Flores e Wanderson
Luna, se reuniram para contar essa história de raiz, de alegria e sofrimento. Dos
quitutes de “Tia Ciata” às picaretas do “Bota Abaixo” de Pereira Passos, à
Revolta da Chibata. As colocações políticas remetem – embora fragilmente, pois a comparação não se estabelece – às reivindicações
atuais.
Há, por trás dos atores, uma equipe técnica
de respeito. Antonio Pedro, o ator/diretor que tanta contribuição deu ao nosso
teatro, nos surpreende agora com essa irreverente declaração de amor ao Rio.
Ele colabora no texto, e em algumas músicas, criadas junto com Gabriel Moura, além
de fazer a supervisão do espetáculo, dirigido por Vilma Melo e Édio Nunes.
Muitos dos atores deste “Cabaré Dulcina” vieram da recente montagem de Tânia
Brandão “A Revista do Ano”, ou, na sua maioria, são atores vindos da oficina de
Antonio Pedro, na Fundação Caluste
Gulbenkian.
“Cabaré Dulcina” conta ainda com a
coreografia de Édio Nunes. Em sua ficha técnica há nomes expressivos, como o de
Cláudio Tovar, supervisionando figurinos e cenário. Extravagantes, ricos e
funcionais são os figurinos, percebidos pelo público desde o momento da recepção,
ainda no saguão do Teatro Dulcina, ocasião em que também outra “surpresa” aguarda o
público, na voz de Gabriel Moura: a interpretação de “Quem há de dizer”, de
Lupicínio Rodrigues. A música dá um gostinho do que virá depois. Lupicínio conhecia muito bem essas histórias.
A seguir, o público é convidado para
entrar no local habitado pelos moradores da Praça XI: palco e plateia. Somos
recebidos por mais um cantor/ator: Thiago Pach, que nos brinda, desde as
escadarias do “Cabaré”, com “Cry me a River" (não sei o que acontece com esse ator. Talentoso e com
boa presença cênica, Pach desaparece da
ação depois de dar uma pequena amostra do que é capaz. O mesmo aconteceu com
ele em “A Revista do Ano”...) No
Teatro Dulcina, palco de tantas estréias famosas, fomos brindados com um
espetáculo alegre, irreverente,
descontraído, nos narrando os primeiros tempos do “Bota Abaixo” do Prefeito
Pereira Passos, durante a presidência de Rodrigues Alves.
Na iluminação, Renato Machado. Um único
reparo: no dia em que fui assistir a luz não permanecia no ator até o final de
sua fala, fazendo com que sua participação fosse diluída. Aconteceu com Cyda Moreno,
a cafetina Dolores, outra bela e talentosa atriz, mal aproveitada. Sua beleza e
talento mereciam mais do que um lugar restrito - na maioria das vezes -, a um simples
canto de palco. A cafetina poderia dominar a situação. Por que não?
Entretanto, há belos momentos de comunhão
entre cenário e iluminação, como quando o espetáculo canta a "Revolta da Chibata",
com as cordas/símbolos, da Marinha, sendo carregadas pelos atores, desenhando
imagens no palco. Este é um exemplo de acerto. Músicos em cena dão colorido ao espetáculo:
Piano - Nelson Freitas; Violão - Ralphen Rocca; Baixo – Rodrigo Ferreira; Bateria –
Michel Nascimento; Saxofone – Humberto Araújo.
Lembramos, agora, de um outro espetáculo,
o do Teatro Rival Petrobrás, “Zé Kéti, eu sou o Samba”, de Maria Helena Kühner , dirigido
por Sérgio Fonta. O musical esteve em cartaz somente no dia 2 de fevereiro, o
já citado dia de Iemanjá. Disse a que veio. Trata-se de uma narrativa
entremeada de boas músicas e com boas interpretações. Não conhecíamos o
ator/cantor Paulinho de Andrade, uma boa surpresa, interpretando Zé Kéti. É uma
agradável experiência entrar em contato com essa história que andava esquecida
desde os tempos do Teatro Opinião, no qual Zé Kéti era um dos atores/cantores,
muito bem dirigido por Augusto Boal, e atuando na companhia de Nara Leão (depois Maria
Bethânia) e João do Vale. O espetáculo atual, narrando a vida de Zé Kéti, é um
sucesso itinerante; ele já foi encenado no Teatro Magalhães Junior, da Academia
Brasileira de Letras; na Sala Baden Powell e em festivais do SESC. Merecia,
pela sua simpatia, competência e resgate histórico (a vida de Zé Kéti e o tempo
conturbado em que viveu), fazer temporada em um de nossos teatros, pois agora são
bem vindos os musicais brasileiros que relembram nossa história dos “anos de
chumbo”. Zé Kéti viveu todas as situações e, não sendo um homem da política,
foi envolvido em questões bizarras. Que tempos aqueles! A autora, Kühner, em boa hora,
ocupa-se, em detalhes, das situações daquele momento. Várias são as
qualidades de “Zé Kéti, eu sou o samba”, entre elas o de ser um espetáculo
singelo, quase um recital, porém que remete à reflexão.
Sanny Alves, a cantora/atriz, nos
apresenta, com inegável desenvoltura, os hits das grandes divas brasileiras da época, e
contracena com “Zé Kéti”, improvisando desde a esposa enfurecida que foi “até o
Morro do Pinto pra me procurar”, como diz o compositor em um de seus sambas cujas
letras narram a sua vida. Várias são as criações de Sanny, inclusive as companheiras
de palco, samba e amores de Zé Kéti. O desempenho de Aldo Perrota, interpretando amigos
e compositores, marca a narrativa.
Ilustrando essa viagem ao passado, muito
bem conduzida pelo diretor Sérgio Fonta, os músicos são os responsáveis pelos bons momentos de música, e pelo acompanhamento entusiasmado dos atores. A direção musical é de Luizinho
Croset, que também atua no cavaquinho, e Eric Dalles, no violão; Carol D’Ávila
nos sopros; Di Lutgardes na percussão, Juninho (percussão e voz), entusiasmam a plateia. Produção
executiva e musical: Beth Bessa.
Em
homenagem aos dias de carnaval que se seguiram à apresentação no Rival
Petrobrás, o público teve direito a festejar, lançando serpentinas no palco e
propiciando, assim, bons momentos entre platéia e atores. Iemanjá aprovaria.