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sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

"CABARÉ DULCINA" e "ZÉ KÉTI, EU SOU O SAMBA"

Elenco de "Cabaré Dulcina"
(foto Leonardo Benevento)

CRÍTICA DE TEATRO
IDA VICENZIA FLORES
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT)
(Especial)

No último dia 2 de fevereiro, dia de Iemanjá (um fim de semana antes do carnaval), aconteceu algo muito especial, em termos de teatro. Na região da Cinelândia, Rio de Janeiro, justamente naquele ponto histórico do Centro da cidade onde se encontram o Theatro Municipal, a Biblioteca Nacional, e tantos outros belos prédios, aconteceu, em local onde dois pequenos teatros confraternizam geograficamente, nas ruas Álvaro Alvim e a Alcindo Guanabara, a comemoração de um período histórico. Foi naquele momento que o Teatro Dulcina e o Teatro Rival entraram em sincronia. Apenas uma coincidência?
     O fato é que os dois teatros abrigaram, naquele dia, espetáculos que se complementam, narrando a história de cidade, de seus sambistas, e do samba. Quem testemunhou este dia foi agraciado, em termos de espetáculos e tradições, com o mais vivo de nossa História musical. Deste “Cabaré Dulcina”, uma homenagem aos tempos da Praça XI, tivemos a recordação de encontros, quando o samba  representava os primeiros tempos dessa praça. Foi nela que chegou gente que veio da Bahia, os derrotados em Canudos; gente que veio dos porões dos navios; das  guerras perdidas; da escravidão; dos enganos. E se estabeleceram, para contar seu tormento, e também  a sua glória:
“Diretamente da Zona do Mangue/Da Praça Onze onde o samba nasceu/Vai começar novamente/Um show de tirar o chapéu//”. São estes os versos iniciais de “Profissão de Fé”, samba do diretor musical Gabriel Moura, abrindo o espetáculo.  
Os atores Cyda Moreno, Milton Filho, Andrea Bordadagua, Wanderley Gomes, Charles Fernandes, André Locatelli,  Francnisco Slgado, as Patricias, Costa e Ferrer, Thiago Pach, Val Perrê, e o coro, composto por Andrea  Rangel, Berenica Moreno, Luiz Claudio Canaan, Mariana Paes, Milissa Euqueres, Mônica Lucia Flores e Wanderson Luna, se reuniram para contar essa história de raiz, de alegria e sofrimento. Dos quitutes de “Tia Ciata” às picaretas do “Bota Abaixo” de Pereira Passos, à Revolta da Chibata. As colocações políticas remetem – embora fragilmente, pois a comparação não se estabelece – às reivindicações atuais.  
     Há, por trás dos atores, uma equipe técnica de respeito. Antonio Pedro, o ator/diretor que tanta contribuição deu ao nosso teatro, nos surpreende agora com essa irreverente declaração de amor ao Rio. Ele colabora no texto, e em algumas músicas, criadas junto com Gabriel Moura, além de fazer a supervisão do espetáculo, dirigido por Vilma Melo e Édio Nunes. Muitos dos atores deste “Cabaré Dulcina” vieram da recente montagem de Tânia Brandão “A Revista do Ano”, ou, na sua maioria, são atores vindos da oficina de  Antonio Pedro, na Fundação Caluste Gulbenkian.
     “Cabaré Dulcina” conta ainda com a coreografia de Édio Nunes. Em sua ficha técnica há nomes expressivos, como o de Cláudio Tovar, supervisionando figurinos e cenário. Extravagantes, ricos e funcionais são os figurinos, percebidos pelo público desde o momento da recepção, ainda no saguão do Teatro Dulcina, ocasião em que também outra “surpresa” aguarda o público, na voz de Gabriel Moura: a interpretação de “Quem há de dizer”, de Lupicínio Rodrigues.  A música dá um gostinho do que virá depois. Lupicínio conhecia muito bem essas histórias.
     A seguir, o público é convidado para entrar no local habitado pelos moradores da Praça XI: palco e plateia. Somos recebidos por mais um cantor/ator: Thiago Pach, que nos brinda, desde as escadarias do “Cabaré”, com “Cry me a River" (não sei  o que acontece com esse ator. Talentoso e com boa presença  cênica, Pach desaparece da ação depois de dar uma pequena amostra do que é capaz. O mesmo aconteceu com ele em “A Revista do Ano”...) No Teatro Dulcina, palco de tantas estréias famosas, fomos brindados com um espetáculo alegre,  irreverente, descontraído, nos narrando os primeiros tempos do “Bota Abaixo” do Prefeito Pereira Passos, durante a presidência de Rodrigues Alves.    
     Na iluminação, Renato Machado. Um único reparo: no dia em que fui assistir a luz não permanecia no ator até o final de sua fala, fazendo com que sua participação fosse diluída. Aconteceu com Cyda Moreno, a cafetina Dolores, outra bela e talentosa atriz, mal aproveitada. Sua beleza e talento mereciam mais do que um lugar restrito - na maioria das vezes -,  a um  simples canto de palco. A cafetina poderia dominar a situação.  Por que não?
     Entretanto, há belos momentos de comunhão entre cenário e iluminação, como quando o espetáculo canta a "Revolta da Chibata", com as cordas/símbolos, da Marinha, sendo carregadas pelos atores, desenhando imagens no palco. Este é um exemplo de acerto.  Músicos em cena dão colorido ao espetáculo: Piano - Nelson Freitas; Violão - Ralphen  Rocca; Baixo – Rodrigo Ferreira; Bateria – Michel Nascimento; Saxofone – Humberto Araújo.   
 
     Lembramos, agora, de um outro espetáculo, o do Teatro Rival Petrobrás, “Zé Kéti, eu sou o Samba”, de Maria Helena Kühner , dirigido por Sérgio Fonta. O musical esteve em cartaz somente no dia 2 de fevereiro, o já citado dia de Iemanjá. Disse a que veio. Trata-se de uma narrativa entremeada de boas músicas e com boas interpretações. Não conhecíamos o ator/cantor Paulinho de Andrade, uma boa surpresa, interpretando Zé Kéti. É uma agradável experiência entrar em contato com essa história que andava esquecida desde os tempos do Teatro Opinião, no qual Zé Kéti era um dos atores/cantores, muito bem dirigido por Augusto Boal, e atuando na companhia de Nara Leão (depois Maria Bethânia) e João do Vale. O espetáculo atual, narrando a vida de Zé Kéti, é um sucesso itinerante; ele já foi encenado  no Teatro Magalhães Junior, da Academia Brasileira de Letras; na Sala Baden Powell e em festivais do SESC. Merecia, pela sua simpatia, competência e resgate histórico (a vida de Zé Kéti e o tempo conturbado em que viveu), fazer temporada em um de nossos teatros, pois agora são bem vindos os musicais brasileiros que relembram nossa história dos “anos de chumbo”. Zé Kéti viveu todas as situações e, não sendo um homem da política, foi envolvido em questões bizarras. Que tempos aqueles! A autora, Kühner, em boa hora, ocupa-se, em detalhes, das situações daquele momento. Várias são as qualidades de “Zé Kéti, eu sou o samba”, entre elas o de ser um espetáculo singelo, quase um recital, porém que remete à reflexão.
     Sanny Alves, a cantora/atriz, nos apresenta, com inegável desenvoltura, os hits das grandes divas brasileiras da época, e contracena com “Zé Kéti”, improvisando desde a esposa enfurecida que foi “até o Morro do Pinto pra me procurar”, como diz o compositor em um de seus sambas cujas letras narram a sua vida. Várias são as criações de Sanny, inclusive as companheiras de palco,  samba e amores de Zé Kéti.  O desempenho de Aldo Perrota, interpretando amigos e compositores,  marca a  narrativa.                                                                                                                                    
     Ilustrando essa viagem ao passado, muito bem conduzida pelo diretor Sérgio Fonta, os músicos são os responsáveis pelos bons momentos de música, e pelo acompanhamento entusiasmado dos atores. A direção musical é de Luizinho Croset, que também atua no cavaquinho, e Eric Dalles, no violão; Carol D’Ávila nos sopros; Di Lutgardes na percussão, Juninho (percussão e voz), entusiasmam a plateia. Produção executiva e musical: Beth Bessa.  Em homenagem aos dias de  carnaval que se seguiram à apresentação no Rival Petrobrás, o público teve direito a festejar, lançando serpentinas no palco e propiciando, assim, bons momentos entre platéia e atores. Iemanjá aprovaria.                                          
                  

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