Elenco de "A ARTE DA COMÉDIA", autor, Eduardo de Filippo. (foto Paula Kossatz) |
CRÍTICA
TEATRAL
IDA
VICENZIA FLORES
(da
Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT)
(Especial)
“A Arte da Comédia”, de Eduardo De Filippo, cartaz do
Teatro Maison de France, Rio de Janeiro, apresenta todos os ingredientes de uma
“comédia bem feita”. A “Trupe Fabulosa”, composta pelos atores Sérgio Módena,
Erika Ribas e Gustavo Wabner resolveu, em boa hora, nos lembrar quais são os componentes
desse tipo de comédia, e os colocou em cena. Filippo nos lembra que a comédia clássica
se desenvolve passo a passo. O primeiro deles é o compartilhamento: os atores (alguns)
sabem o que está acontecendo em cena e compartilham desse conhecimento com a
plateia, nascendo assim o jogo. A maneira pela qual a história se desenvolve
nos faz pensar que se trata de um Molière, com tempero italiano! Há outras citações, como a de Pirandello (negada pelo autor).
O segundo
passo a localizar é onde se passa a ação. No caso, uma aldeia da região napolitana,
onde o menor acontecimento tem reflexo magnífico no todo, exuberante, de seus
habitantes. Em situações novas como a mudança do prefeito, o reflexo é obviamente
ampliado. O terceiro passo se resume em sustentar o quid pro quo (o famoso qüiproquó), o
engano de se tomar o sim pelo não. A plateia se delicia com a confusão, e os
atores também! E as surpresas começam a pipocar, aqui e ali.
Primeira
surpresa: o elenco. Quem sabia que Alcemar Vieira era tão bom comediante? Comédia
em pé, vejam só! Revejo meus conceitos. Vieira é o médico da aldeia? ou um ator
enlouquecido assumindo a personalidade “vibrante”
do médico? Eis que a confusão se estabelece na cabeça do prefeito De Caro (interpretado por Thelmo Fernandes). As
visitas feitas a ele pelos moradores da região somam-se, e todos os visitantes apresentam
reivindicações, enlouquecendo e deixando em dúvida o prefeito.
O segundo personagem é o padre, interpretado por Celso Andre (outra surpresa).
O pároco, ou cura, como quiserem, está à beira de um ataque de nervos por causa
de uma paroquiana. Sua atuação também é tão “vibrante”, que leva o prefeito a
ter certeza da “tramoia” do ator – ou seja, a companhia que Campese (o
ator) dirige, foi bater à sua porta, tal como o prometido. No final da cena do padre há uma
intervenção do bebê nos braços do sacristão (Saulo Segreto). Verdade, ou
mentira?
Há mais visitantes.
A professora da aldeia, uma doida varrida paranoica que enlouquece o prefeito. Erika Riba, no papel da professora, atinge o
limite do que se convencionou chamar de “o comportamento napolitano”. Há, na cena, o casal de testemunhas, interpretado por Ricardo Souzedo e Poena Vianna. E,
coroando os acontecimentos, o surgimento do farmacêutico, o Senhor Pica
(Sérgio Somene), um gigantesco urso que estrebucha no chão do gabinete do prefeito,
morrendo envenenado. Nada é real, nada é fantasia. Enquanto esta rede de
enganos vai sendo tecida, o secretário do prefeito (interpretado por André Dias),
“pequena autoridade autoritária”, estimula o prefeito a segui-lo, nesse jogo de situações
mal resolvidas. Quem se sai bem em seus propósitos é o “sofista, enfadonho, fanático” ator, assim qualificado nas palavras do prefeito!
Voltemos ao
primeiro encontro do prefeito e do ator: De Caro e Campese desenham acontecimentos futuros, acompanhados
pelo secretário do prefeito e pelo recém contratado “auxiliar de gabinete” (Alexandre
Pinheiro). Há também a presença da “mamma” italiana
da província, a "mantenedora", interpretada pela atriz Teresa Tostes, a mulher
dos quitutes, que se penaliza da fraqueza física do “ator”, prometendo-lhe
farta refeição: e ele, sua mulher, sua filha e seu neto...
A adesão (extremamente
simpática, e suspeita, por sinal) do prefeito De Caro declarando a sua paixão
pelo teatro é imediatamente posta a nu, através da aversão que demonstra pela
vida miserável do artista. A peça é marcada por esse encontro, no qual a
sutileza do ator/empresário Campese (Blat) é marcante. O prefeito (excelente
Thelmo Fernandes) declara a sua paixão pelo teatro, ao mesmo tempo em que exterioriza
o seu desprezo pela “vida do ator”. A imagem do prefeito reflete o pensamento
alimentado pela burguesia, pelo “desprezível” cotidiano do ator.
Os diálogos
(brilhantes) vão desvendando o eterno saltimbanco. Malgré lui, a serviço dos
poderosos. (Campese até que é um exemplar independente). Ricardo Blat, imperdível, em sua maneira sutil - e cerebral! - de criar
rotas de fuga. O confronto entre Ricardo Blat e Thelmo Fernandes é delicioso e nos
faz sorrir, pela inteligência da cena. Ponto também para o diretor, Sérgio
Módena. O final da entrevista dos dois, no início da peça (1º Ato), é tomado pelo
“Eureka!” – da luz de Tomás Ribas - enfatizando as artimanhas do ator. O “imbroglio”
vai começar!
Como bom
leitor de almas, Campese, o ator, encontra a maneira de alterar a visão do prefeito, fazendo-o
viver a suspeita do poder da máscara. Ao sair de cena, em leve ameaça, o ator promete
trazer seu elenco disfarçado em cada um dos visitantes que o prefeito receber
em seu novo gabinete. A dúvida está lançada. Depois dessa ameaça o inferno tem início, para De Caro, o
prefeito. Assim começa o embate entre realidade e fantasia.
“A Arte da
Comédia”, de Eduardo De Filippo, é inspirado na experiência de vida do autor. Ricardo
Blat vive, em cena, os embates do verdadeiro amante do teatro que é Filippo. A
percepção desse ator brasileiro sobre seu personagem é rebuscada e inteligente.
Um primor de acabamento cênico. E o teatro brasileiro está de parabéns por ter
apresentado o autor napolitano com tanta propriedade. Já o conhecíamos de
anteriores montagens, no século XX, com a histórica apresentação de “Filumena
Marturano”, interpretada por Yara Amaral, e “Sábado, Domingo e Segunda”, do
mesmo autor.
Ficha
técnica elogiável: Tradução: Márcio Aurélio; Direção: Sérgio Módena; Cenário:
Aurora de Campos; Figurino: Antonio Menezes; Luz: Tomás Ribas; Trilha sonora
original: Fernando Lauria; Assessoria de Imprensa: Lu Nabuco.
É bom ver bom teatro!
Nenhum comentário:
Postar um comentário