Júlia Marini e Carolina Pismel em "CUCARACHA" (foto Divulgação) |
CRÍTICA TEATRAL
IDA VICENZIA FLORES
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT)
(Especial)
À
propósito de “Cucaracha”
Que inferno! Há um dramaturgo entre nós: Jô Bilac. Para tomar parte no
cerimonial tortuoso de uma mente que se despede, em “Cucaracha”, o autor
mergulha no imaginário. Não é fácil levantar um texto a partir de uma situação
tão frágil quanto o encontro de uma paciente, e de uma enfermeira, em um quarto
de hospital. Harold Pinter já nos ensinou que um quarto pode conter o mundo. Entretanto,
é preciso ter muita certeza de onde se quer chegar, para povoar este quarto. Jô
Bilac, através de um texto repleto de filigranas, parece ter alcançado esse
estágio elevado de pesquisa de linguagem que leva à renovação. Dessa vez
Bilac desenvolve uma situação delicada entre duas
mulheres, iniciada com desenhos do cotidiano de um hospital. A
paciente em coma, e sua enfermeira. Na verdade, uma situação de
impacto. Os primeiros movimentos das atrizes Carolina Pismel e Júlia Marini
levam o público a uma sensação de estranhamento. Desconcertado, ele tenta
reagir através do riso, mas acaba mergulhando na viagem sem volta do
autor.
Tivemos o primeiro contato com Jô Bilac através da peça “Cachorro!”,
também dirigida por Vinicius Arneiro, há cinco anos. Daquela vez não foi
difícil identificar a “influência” - algo que sempre procuramos, quando
encontramos um trabalho inovador. Localizamos a adaptação de um conto de
Nelson Rodrigues. Agora Jô Bilac domina o seu fazer teatral e nos
apresenta, em "Cucaracha", uma linguagem que se constrói através
de ampliações, alucinações e sonhos. Material delicado para
levantar um texto. Reconhecemos que Bilac encontrou seu próprio
caminho, mas fica a pergunta: como é que ele percorre, assim, a estrada
da amplificação dos sonhos, já percorrida por Baudelaire? A resposta é óbvia: pura intuição. Estamos na
presença de um dramaturgo/poeta.
Percebemos, agora, uma voz própria
desenhando a ação. Quando a paciente Vilma, interpretada por Júlia
Marrini, ecoa, na solidão do quarto de hospital, os últimos pensamentos de seu
cérebro que começa a se desconectar, percebemos os dois planos – o do real, e o
da consciência. O texto apregoa “um fiapo inconfiável” da paciente, “a
realidade”.
Porém,
quando a enfermeira Mirrage, interpretada por Carolina Pismel, envolve-se cada
vez mais com aquele quarto e com aquela paciente, percebemos a sua crescente
angústia, que irá explodir no sonho, na fantasia. O autor se apropria da
alma de seus personagens.
Nesta peça, o trabalho das atrizes é sustentado por delicado desenho.
Trata-se de um mecanismo precioso que se destaca com a precisão de
um relojeiro. As duas atrizes sustentam, à perfeição, os minutos que
nos oferecem.
O
texto fala em um cérebro que “ainda” funciona, apesar de “certo
esquecimento... certa confusão”... (uma homenagem a Alaíde, de "Vestido de
Noiva"?). As interpretações de Júlia Marini e de Carolina Pismel muito
colaboram para essa sensação de caos, de poesia. Trata-se de um mundo
paralelo. Há, na última visita da enfermeira à sua paciente, cenas oníricas que
levam as duas personagens a sonhar com o infinito. Seus cérebros imaginam,
poeticamente, a Terra à distância e a explosão final, onde a vida acaba. O
Destino se cumpre. Uma explosão à qual nem as “cucarachas” (as “baratas”),
escapam. O final dos tempos.
O
autor cria um reino, em seu imaginário. Seu trabalho está muito bem complementado pela
ficha técnica. O cenário e a iluminação se debruçam sobre o verdadeiro universo que pode ser uma
porta e uma janela. Dentro do quarto, a cama de hospital.
lIuminação:
Paulo César Medeiros; Cenografia: Aurora de Campos; Figurinos: Thanara
Schönardie; Música e Som Cênico: Daniel Belquer; “Voz do Alto Falante” que comunica
“o quarto” com a vida do hospital: Paulo Verlings.
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