Elenco de "Vocês que habitam o tempo", direção Antonio Guedes. (Foto de Carolina Maduro)
IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos
de Teatro – AICT)
(Especial)
Pierre Jurde diz que Valère Novarina se
aproxima das comédias de Louis de Funès. Das excentricidades francesas talvez
esta observação seja a mais acertada das quanto ouvimos sobre o artista
plástico suíço que também escreve dramaturgia. Comédia ou Tragédia? Vale à pena
dar uma olhada no que aconteceu naquele dia 28 de julho de 2018, no teatro de
arena do Sesc Copa.
Para nós, das excentricidades franco-suiças,
o que nos aproxima de Novarina são as do bretão Jean-Luc Lagarde, com sua
obsessão pela morte e seu misticismo transcendental. Exageramos?
Desta vez Novarina, com o seu “Vocês que
habitam o tempo” veio dar seus saltos
ornamentais em nossa imaginação! E, somando-se a isto, Antonio Guedes (diretor),
Fátima Saadi (dramaturga) e Ângela Leite Lopes (tradutora) vem nos lançar
em novas aventuras existenciais! Teatro do absurdo? “O que nos resta é um universo em
ruínas” diz Novarina. Pensando bem, a vida é isso mesmo, e estamos livres para
avaliar o quanto elas (as ruínas) nos afetam. Mas não queremos filosofar, em um
espetáculo absolutamente filosófico! Basta-nos observar o absurdo teatral
(bemvindo) que se transformou, para nós, a manifestação cultural sediada no
Copa Sesc. Afinal, somos mesmo, como diz Novarina, secundado por Guedes, “seres transitórios que existimos na linguagem”?.
Os franceses dizem que Novarina trabalhou
a linguagem até a fazer chegar ao latim inicial, ao etrusco e a outras
múltiplas possibilidades. Tudo para encontrar
um novo “non savoir faire francês!” transitório, o oposto da tradição
francesa do “savoir faire”! Mas o que queremos apreciar agora é o trabalho deste trio apaixonado por cultura, formado por Guedes,
Saadi e Leite Lopes!
Só mais uma palavrinha sobre Novarina:
dizem que ele é seguidor do teatro da crueldade de Artaud! Será por isto que é tão fascinante?
E há também o seu côté artista plástico! A cenógrafa
Doris Rollemberg, aceitando a sugestão de Guedes, cria ângulos para situar o espaço cênico de Novarina lembrando, como representações, as abstrações
de Kandinsky e os móbiles de Calder. Há bolas de vários tamanhos, e conviver com elas é só uma maneira de não
deixar os atores que estão "fora da linguagem”, não se deixarem ficar esquecidos, sem falar... pois,
segundo Antonio Guedes e Novarina, “a morte está no horizonte, mas isso significa apenas
que é preciso não parar de falar”... “se a gente parar de falar, a luz para e
desfalece – e o teatro se apaga”.
Estas palavras são
conjeturas do autor e do diretor, e o que se observa são atores dizendo textos que se
querem incompreensíveis, remetendo a algo que não pode ser dito claramente! Teatro
do absurdo? ... Sentidos outros que não os da palavra? Ionesco continua imbatível neste contexto!
Calma! Não estamos querendo atirar pedras no espetáculo, pois não somos nenhum Sarcey de saias! O resultado
do cenário é interessante, mas o que queremos esclarecer agora é que nos ressentimos ao não ser informados sobre o
elenco, o que dá a impressão de que os criadores estão falando para seus
iguais, não se preocupando com o público. Tal não pode acontecer, nunca, no teatro,
pois esta criação do início dos tempos é um jogo coletivo e o público é o outro
lado deste jogo! A favor do espetáculo não se pode dizer que os atores não tentem se comunicar com o público, mas a iniciativa não se reflete na plateia...
Podemos somente dar um bom
exemplo de compreensão do espetáculo transmitido por um ator longilíneo (quem é?
quem é?), cuja presença cênica e a compreensão
do espetáculo esclarece a verdadeira dimensão do que o diretor se propõe.
Aliás,
o espetáculo vale por estas intermitências... são pistas não exploradas. Podemos dizer que cada ator
colabora com o diretor conforme e sua compreensão do espetáculo, e, sinto-o dizer, ela não parece estar muito clara para alguns deles...
A presença
marcante de Maria Clara Valle e seu violoncelo dialoga com a cena, porém Cristina Flores, Fernanda Maia
e Oscar Saraiva alcançam uma interpretação algo "voluntariosa" de Novarina. Enquanto isso, Antonio Alves e Sergio Machado
são os dois grandes enigmas...
O espetáculo é fruto de uma estada de
Antonio Guedes em Portugal e o resultado de sua tese de doutorado naquele país.
“Vocês que habitam o tempo” (eis um título poético) vem coroar os 27 anos de vida do Teatro do
Pequeno Gesto. A destacar, na ficha
técnica, Nívea Faso com os figurinos (muito bons!), e Binho Schaefer no desenho de
luz. A direção musical é de Amora Pera e Paula Leal.
Desejamos que alcancem sucesso vocês, que se
empenharam nesta estranha linguagem de um novo teatro do absurdo!