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domingo, 29 de julho de 2018

"VOCÊS QUE HABITAM O TEMPO"


Elenco de "Vocês que habitam o tempo", direção Antonio Guedes. (Foto de Carolina Maduro)


IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT)
(Especial)
     Pierre Jurde diz que Valère Novarina se aproxima das comédias de Louis de Funès. Das excentricidades francesas talvez esta observação seja a mais acertada das quanto ouvimos sobre o artista plástico suíço que também escreve dramaturgia. Comédia ou Tragédia? Vale à pena dar uma olhada no que aconteceu naquele dia 28 de julho de 2018, no teatro de arena do Sesc Copa.
     Para nós, das excentricidades franco-suiças, o que nos aproxima de Novarina são as do bretão Jean-Luc Lagarde, com sua obsessão pela morte e seu misticismo transcendental. Exageramos?
     Desta vez Novarina, com o seu “Vocês que habitam o tempo”   veio dar seus saltos ornamentais em nossa imaginação! E, somando-se a isto, Antonio Guedes (diretor), Fátima Saadi (dramaturga) e Ângela Leite Lopes (tradutora) vem nos lançar em novas aventuras existenciais! Teatro do absurdo? “O que nos resta é um universo em ruínas” diz Novarina. Pensando bem, a vida é isso mesmo, e estamos livres para avaliar o quanto elas (as ruínas) nos afetam. Mas não queremos filosofar, em um espetáculo absolutamente filosófico! Basta-nos observar o absurdo teatral (bemvindo) que se transformou, para nós, a manifestação cultural sediada no Copa Sesc. Afinal, somos mesmo, como diz Novarina,  secundado por Guedes, “seres transitórios  que existimos na linguagem”?.
     Os franceses dizem que Novarina trabalhou a linguagem até a fazer chegar ao latim inicial, ao etrusco e a outras múltiplas possibilidades. Tudo para encontrar um novo “non savoir faire francês!” transitório, o oposto da tradição francesa do “savoir faire”! Mas o que queremos  apreciar agora é o trabalho deste trio apaixonado por cultura, formado por Guedes, Saadi e Leite Lopes!
     Só mais uma palavrinha sobre Novarina: dizem que ele é seguidor do teatro da crueldade de Artaud! Será por isto que é tão fascinante?
     E há também o seu côté artista plástico! A cenógrafa Doris Rollemberg, aceitando a sugestão de Guedes, cria ângulos para situar o espaço cênico de Novarina lembrando, como representações, as abstrações de Kandinsky e os móbiles de Calder. Há bolas de vários tamanhos, e conviver com elas é só uma maneira de não deixar os atores que estão "fora da linguagem”, não se deixarem ficar esquecidos, sem falar... pois, segundo Antonio Guedes e Novarina, “a morte está no horizonte, mas isso significa apenas que é preciso não parar de falar”... “se a gente parar de falar, a luz para e desfalece – e o teatro se apaga”.
     Estas palavras são conjeturas do autor e do diretor, e o que se observa são atores dizendo textos que se querem incompreensíveis, remetendo a algo que não pode ser dito claramente! Teatro do absurdo? ... Sentidos outros que não os da palavra?  Ionesco continua imbatível neste contexto!
     Calma! Não estamos querendo atirar pedras no espetáculo, pois não somos nenhum Sarcey de saias! O resultado do cenário é interessante, mas o que queremos esclarecer agora é que  nos ressentimos ao não ser informados sobre o elenco, o que dá a impressão de que os criadores estão falando para seus iguais, não se preocupando com o público. Tal não pode acontecer, nunca, no teatro, pois esta criação do início dos tempos é um jogo coletivo e o público é o outro lado deste jogo! A favor do espetáculo não se pode dizer que os atores não tentem se comunicar com o público, mas a iniciativa não se reflete na plateia...
     Podemos somente dar um bom exemplo de compreensão do espetáculo transmitido por um ator longilíneo (quem é? quem é?), cuja presença cênica e a  compreensão do espetáculo esclarece a verdadeira dimensão do que o diretor se propõe.
     Aliás, o espetáculo vale por estas intermitências... são pistas não exploradas. Podemos dizer que cada ator colabora com o diretor conforme e sua compreensão do espetáculo, e, sinto-o dizer, ela não parece estar muito clara para alguns deles...
     A presença marcante de Maria Clara Valle e seu violoncelo dialoga com a cena, porém Cristina Flores, Fernanda Maia e Oscar Saraiva alcançam uma interpretação algo "voluntariosa" de Novarina.  Enquanto isso, Antonio Alves e Sergio Machado são os dois grandes enigmas...             
    O espetáculo é fruto de uma estada de Antonio Guedes em Portugal e o resultado de sua tese de doutorado naquele país. “Vocês que habitam o tempo” (eis um título poético) vem  coroar os 27 anos de vida do Teatro do Pequeno Gesto.  A destacar, na ficha técnica, Nívea Faso com os figurinos (muito bons!), e Binho Schaefer no desenho de luz. A direção musical é de Amora Pera e Paula Leal. 

     Desejamos que alcancem sucesso vocês, que se empenharam nesta estranha linguagem de um novo teatro do absurdo!  




Um comentário:

  1. Queridos, finalmente sei quem é quem! Sérgio Machado é o ator a quem me refiro. E Antonio Alves! Os dois deixaram de ser enigmas! Longa vida a "Vocês que habitam o tempo"!

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