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domingo, 15 de novembro de 2015

"ELECTRA - UMA CONCEPÇÃO DO AMOR"

Cena de "Electra", de Sófocles, direção João Fonseca, na foto. 
(registro fotográfico da estreia da peça, de Renato Mangolin) 

"ELECTRA - UMA CONCEPÇÃO DO AMOR"

IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

         Não havia ódio, nesta "Electra", de Sófloces, havia amor... pelo irmão, pelo pai, embora o recado seja o do ódio (neste momento de ódio  que atravessa a humanidade, não é um bom momento para discursar sobre o ódio). Mas Electra amava o irmão, o pai... os homens (digo aqui o sexo masculino, não a humanidade). A própria concepção  de Electra, interpretada por Rafaela Amado, no espetáculo de João Fonseca, é a de um menino. Electra, para João Fonseca, representa um rapazinho, desde sua aparência física, até o seu modo de reagir à adversidade. E  João está com a razão, porque, historicamente, Electra protagoniza a queda do matriarcado e elege para si a sempre (renovada), força do patriarcado. Mas, em nossa época, onde o ódio predomina, não é uma boa  escolha  a montagem da peça de Sófocles. Homenagem a Abujamra, dizem. Mas essa montagem não tem nada a ver com a peça encenada por Abujamra, em 1965, montagem na qual imperava Glauce Rocha e seu "Monólogo da Urna". Como sabemos, Abujamra deixava seus atores a vontade, e, ao perceber o "gênio", deixava que o mesmo transbordasse. Foi o que aconteceu com  Glauce/Electra  e o sentimento de perda de seu querido irmão Orestes. Mas passado é passado, embora Glauce Rocha não saia da memória de quem a assistiu na montagem de Abujamra. Ela era um exemplo de, como dizia Artaud, um ator que se incendeia no palco.
      Entretanto, há amor, em Electra. Um mistério, porque este amor passa  rapidamente pela cena, na montagem  de Fonseca, dando prioridade ao ódio. Há várias maneiras de interpretar o mito de Electra, uma delas é através do amor.  ... E começamos por Clitemnestra e sua tragédia. Clitemnestra, interpretada pela atriz Camilla Amado, enfrenta o filicídio e o matricídio. E podemos resumir, para quem não conhece a historia dos Átridas, e sua Maldição, eis a questão:  a bela Helena, mulher de Menelau, irmão de Agamenon (filhos de Atreu),  foge para Troia com Páris, filho de Príamo, rei de Troia. Dizem que ela foi raptada, na verdade ela sucumbiu  aos  encantos de Páris, prestigiado pelas deusas do Olimpo, em especial  por Afrodite, a deusa do Amor. Como todos nós sabemos, é por causa dessa "traição" de Helena que se dá a Guerra de Troia e a "Maldição dos Átridas".
     E aí começa a tragédia de Clitemnestra: sua querida filha Ifigênia é morta para aplacar a deusa Artemis que, com raiva de Agamenon (os deuses gregos tinham sentimentos humanos),  por ele ter matado um de seus bichos, uma corça, ao que parece - e se vangloriar de tal feito -  resolveu castigá-lo. O  guerreiro estava a caminho de Troia (pode parecer impertinência, mas o que Ifigênia e Clitemnestra estavam fazendo no meio da soldadesca?). Pois bem, em consequência do ato de Agamenon, a  deusa  Artemis, como boa deusa grega, vinga-se, fazendo o vento cessar e os navios de Agamenon não poderem seguir viagem para trucidar os troianos. Condição de Artemis para o vento voltar: o sacrifício de Ifigênia, filha de Agamenon. Ele consente e comete um filicídio, para horror e ódio de Clitemnestra, a mãe, que jura vingança. Como sabemos, gentileza gera gentileza, e ódio gera ódio (vide o ataque de Bush ao Oriente Médio, a confusão que se formou em torno daquele infeliz continente e o revide dos otomanos, ou seja, do antigo Império Otomano, pois quem foi rei nunca perde a majestade).
     Uma justificativa para Clitemnestra: enquanto Agamenon tudo pode, inclusive receber Cassandra (irmã de Páris) como troféu de guerra e  levá-la como prisioneira para a casa de sua esposa (o filicida sem julgamento impõe a Clitemnestra a presença de Cassandra com estas palavras: "Recebe a Senhora estrangeira e trata-a bem"). Clitemnestra matou Agamenon para se vingar pela morte de Ifigênia. Assassinato gera assassinato. Havia no Olimpo a interferência dos deuses, e entre os mortais, a interferência dos poetas... A deusa Atena dirigiu as decisões, no julgamento de Orestes, e ficou do lado do patriarcado, na decisão final, com o argumento de que não fora gerada por mulher. (Como sabemos, Atena nasceu de uma "dor de cabeça" de Zeus). O veredito da deusa da sabedoria pesou a favor de Orestes, o matricida, e contra as Eríneas de Clitemnestra, que a defendiam.    
     Estas historias do Olimpo são fascinantes. Interpretá-las ou dirigi-las - como acontece com o "Rei Lear", ou "Hamlet" - deve ser o sonho de todo ator e diretor. O mesmo deve acontecer com a tragedia dos Átridas. É o que se imagina. Assim, a  iniciativa de João Fonseca e de Camila Amado é louvável: é um desafio e uma provocação. Nada do que nos é levado à cena é falso, neste espetáculo. Há uma entrega total, e força, ou doçura, nos atores. Mas não há "o horror". O ódio parece justificado. E a  Força -  essa necessidade da tragédia grega - às vezes é retirada da própria compleição física dos atores, como é o caso de Mario Borges, com sua voz possante que substitui o coro e dá amplitude ao corifeu. A representação de  Orestes, feita por Ricardo Tozzi, com doçura e hesitação, pode ser uma das maneiras de perceber este personagem que tanto necessita do auxilio dos deuses, de Apolo, principalmente, para agir. Talvez Tozzi seja o ator adequado para Orestes. Paula Sandroni, cuja personalidade é forte, porém sua maneira de representar transmite doçura, está adequada para viver Crisôtremis, a  irmã - que Electra não valoriza, justamente pela sua "feminilidade". A guerreira da família é Electra, e ela trava a sua luta. Para o diretor Fonseca, é "impossível vencer sem perder". E aí está, nesta frase,  a tragedia de Electra.  Francisco Cuoco, como o Estrangeiro, está adequado, embora mecânico. Alexandre Molfatti, como Egisto, não teve ocasião de brilhar. Deixemos para as "Eumênides", a próxima peça de Sófocles sobre essa tragédia, e o caráter de Egisto ficará exposto.

     E agora, as duas personagens principais de "Electra" - Clitemnestra e sua filha Electra. Difícil parceria, já muitas vezes tentada. Talvez os filmes gregos sejam os melhores exemplos, ou os festivais em Atenas... Mas "Clitemnestra" (Camila Amado ) e "Electra" (Rafaela Amado), lutam para o reconhecimento de suas tragédias, mas está faltando algo poderoso a arrebatador: não somos envolvidos pelos seus horrores. Camila Amado tem momentos de verdadeira tragédia, quando sede à filha o seu tempo para as queixas, sabendo (embora não acredite), que será justiçada. Rafaela Amado se empenha, na cena do encontro e reconhecimento de seu irmão Orestes. Falta neste espetáculo, que é uma verdadeira "Electra de Bolso", algo mais descarnado, que nos faça descer aos infernos. 
     Na ficha técnica temos o bem cuidado padrão João Fonseca, mas sem maiores resultados: Nelo Marrese cria a cena em cima de praticáveis, mas não consegue a grandeza imaginada para a cena grega. O figurino de Marília Carneiro e Reinaldo Elias acerta somente na composição de Clitemnestra e de Crisôtemis. Há erro total no figurino de Electra. Os demais componentes da tragédia reproduzem., com maior ou menor eficácia,  figurinos do povo e de seres das casas abastadas (Egisto), na Grécia. A luz de Luiz Paulo Neném não dá ênfase aos acontecimentos. A trilha sonora de João Bittencourt não guarda maiores destaques. Enfim, o espetáculo precisa subir de tom e arrebatamento (sem nervosismos), para nos levar aos tempos gregos de Clitemnestra e Electra. (Sinto dizê-lo).            

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